sexta-feira, 30 de julho de 2021
Dvar Torá: A coragem para desistir e recomeçar (CIP)
quinta-feira, 22 de julho de 2021
Relações que transformam e nos preparam para o período
Desde domingo passado, entramos em um período bastante especial do calendário judaico: de acordo com o rabino Alan Lew, durante as dez semanas que vão de Tishá b’Av ao final de Sucot, vamos do luto profundo pela destruição da Casa central da tradição judaica (os Templos de Jerusalém) à alegria pelo desmonte de outras casas, as cabanas temporárias que montamos em Sucot. Ao longo deste período (que representa um quinto do ano!) transitamos da destruição ao renascimento à alegria, nos desconstruímos, nos questionamos, nos auto-avaliamos e nos reconstruímos em bases que, esperamos, sejam mais sólidas e nos permitam estarmos mais próximos de quem queremos, de fato, ser.
T’shuvá, o processo de auto-avaliação, arrependimento e correção de rumos é uma parte central da experiência destas dez semanas. A rabina Sharon Brous fala de uma dialética judaica que, de um lado, destaca a justiça e o rigor em analisar nossas próprias falhas e, de outro, mostra um otimismo infinito ao acreditar na nossa capacidade de sempre retornarmos à melhor versão de nós mesmos. Neste shabat, que a tradição chama de Shabat Nachamú, começamos a reencontrar a capacidade de permitir que o passado informe nossa conduta, mas não a defina, de reconhecermos nossos erros sem permitir que eles determinem nosso futuro, de buscar a redenção apesar do (ou por causa do) caminho que nos trouxe até aqui. A haftará (a leitura dos profetas) desta semana [1] trata da possibilidade deste processo de reconstrução e começa com estas palavras:
“Consolem completamente (Nachamú nachamú) o meu povo, diz o teu Deus. Fale ternamente a Jerusalém, e declare-lhe que acabou o seu tempo de serviço, que a sua iniqüidade foi expiada.”
Do outro lado do processo de t’shuvá está nossa capacidade de aceitar pedidos de desculpas e, de fato, perdoar. Quantas vezes andamos pelas nossas vidas arrastando correntes de mágoas passadas, incapazes de nos libertarmos delas, amarrados ao passado? T’shuvá e perdão são processos complexos, difíceis de serem conduzidos, especialmente quando nos sentimos sozinhos e fragilizados. Quem se sente abandonado tende a ter mais dificuldade em reconhecer seus erros ou em perdoar outra pessoa; como se agarrar-se à certeza da sua própria retidão compensasse pela dor de se ver isolado.
Neste shabat, que além de ser Shabat Nachamú também é Tu b’Av, a data judaica que celebra o amor, temos a oportunidade de nos fortalecer e nos preparar, através do amor, para os processos de introspecção e avaliação que marcam os próximos meses. Estes processos são também boas oportunidades para avaliarmos a forma como amamos e como somos amados. Será que nos entregamos verdadeiramente, com todas as nossas energias [2] nas relações amorosas que desenvolvemos, sejam elas com nossos pais, irmãos, amigos ou parceiros românticos ou até com nós mesmos? O que será que significa amar desta forma? É algo que gostaríamos de tentar? E, se não for assim, que outras possibilidades de amor se colocam à nossa frente?
Em outro exemplo paradigmático do amor, na parashá desta semana, Moshé relembra da entrega do Decálogo, as Dez Afirmações que Deus proferiu no Monte Sinai. Muitos comentários rabínicos entendem este momento como um casamento místico entre Deus e o povo judeu, que pode nos ensinar sobre as formas de amar. As primeiras Tábuas, símbolos desta união mística (como se fossem alianças) não tardaram a ser quebradas, depois do episódio do bezerro de Ouro. De acordo com o rabino Art Green, este resultado do processo era esperado, uma vez que as Tábuas, esculpidas por Deus e com a Sua escrita, não continham nenhum elemento humano. Era uma união em que havia espaço para apenas uma voz; um relacionamento em que o povo de Israel não teve sua singularidade reconhecida. De acordo com uma tradição, Iom Kipur marca o dia em que Moshé desce pela segunda vez do Monte Sinai, carregando o segundo jogo de Tábuas, que tinham sido esculpidas por ele e nas quais Deus tinha adicionado Sua escrita. Estas Tábuas, resultado da parceria entre o humano e o Divino, perduraram como símbolo de uma união na qual ambas as partes se sentiam enxergadas, escutadas e validadas. E você, sente que teus relacionamentos amorosos respeitam a pessoa que você é?
A mutualidade nos relacionamentos permite que nos sintamos seguros a ponto de reconhecer nossas vulnerabilidades e nos engajarmos em processos verdadeiros de t’shuvá e de perdão. Que neste shabat possamos nos fortalecer através do amar e do ser amado, com respeito e reconhecimento, escuta e validação, para que possamos nos abrir para a possibilidade de sermos transformados nas relações e pelo processo que elas possibilitam.
Shabat Shalom
[1] Isa. 40:1-26
[2] Deut. 6:5
terça-feira, 20 de julho de 2021
Podcast 5.8 - Episódio 23: Tradições Judaicas do Futuro: Telejudaísmo
(originalmente publicado em http://5ponto8.fireside.fm/23)
O Brasil é um dos países mais conectados nas redes sociais. Segundo alguns estudos, cerca de 88% da população brasileira está conectada em pelo menos uma rede. E, como dá pra imaginar, isso se intensificou ainda mais com a pandemia em 2020, quando tivemos a necessidade de transformar vivências físicas em digitais com urgência. Isso valeu também para os serviços e ritos sinagogais. Afinal, como vários dos nossos convidados colocaram: somos parte do mundo, de uma realidade maior. E, se a experiência digital para sinagogas tem sido bem sucedida no sentido de alcançar um público maior que não poderia se conectar de outra maneira. algumas questões permanecem: como fica a vida em comunidade em meio ao universo digital? Será que dá pra formar espaços de convivência online?
Quanto as telas conseguem de fato captar do "sagrado"dos rituais? O que o digital muda efetivamente nos rituais?
O assunto deste episódio sobre Tradições Judaicas do Futuro é a experiência online do judaísmo e temos a honra de receber para esta conversa ** Rodrigo Baumworcel** e o rabino Michel Schlesinger.
Dicas Culturais:
- Kevin Kelly, Inevitável: as 12 forças tecnológicas que mudarão nosso mundo - https://www.amazon.com.br/Inevitável-Forças-Tecnológicas-Mudarão-Nosso/dp/855080715X
- George Orwell, 1984 (tradução de Antonio Xerxenesky) - https://www.amazon.com.br/1984-Exclusiva-Amazon-George-Orwell/dp/6586490162
- Japan House, Exposição “Embalagens: Designs Contemporâenos do Japão” - https://www.japanhousesp.com.br/exposicao/embalagens/
- Yehuda Kurtzer, “This High Holidays, Make Minyanim! A Counter-Proposal to Live-Streaming for Conservative Judaism” - https://medium.com/@yehudakurtzer/this-high-holidays-make-minyanim-a-counter-proposal-to-live-streaming-for-conservative-judaism-1bccae80c373
- Identity Crisis, podcast do Instituto Shalom Hartman da América do Norte: episódio 47: “Our Pandemic Year – The Inner Life of Jewish Spaces” - https://www.hartman.org.il/identity-crisis-47-our-pandemic-year-the-inner-life-of-jewish-spaces/; ** episódio 13**: “Joshua Foer on the Future of Digital Judaism” - https://www.hartman.org.il/identity-crisis-13-joshua-foer-on-the-future-of-digital-judaism/
Com Rogério Cukierman e Laura Trachtenberg Hauser.
Créditos da Música de Abertura: Lechá Dodi, da liturgia tradicional de Shabat | Melodia: Craig Taubman | Clarinete: Alexandre F. Travassos | Piano: Tânia F. Travassos.
Edição: Misa Obara
terça-feira, 6 de julho de 2021
Podcast 5.8 - Episódio 22: Tradições Judaicas do Futuro: Micve
(originalmente publicado em http://5ponto8.fireside.fm/22)
"Vinte e cinco anos atrás, como uma jovem ortodoxa, comecei com estas palavras um artigo que se tornou bastante influente: "Todas as coisas morrem e renascem continuamente". Eu estava errada. Às vezes, não podemos nos repetir. Nós podemos apenas nos transformar. No entanto, nossa responsabilidade moral por aquele eu anterior e seus atos perduram. Vinte e cinco anos depois, como teóloga reformista feminista, continuo diante de um ensaio que escrevi, um ensaio que continua a ser citado, mencionado e reproduzido, emitindo opiniões e prescrevendo ações que agora não posso em sã consciência endossar. Meu ensaio se chamava "Tum'á e Tahará: fins e começos". Tratava das antigas leis de pureza, cuja principal forma sobrevivente é o poderoso conjunto de leis e costumes relativos à menstruação feminina. Como essa legislação rege o comportamento e as atitudes sexuais e sociais de maneira tão difusa, pode-se dizer que a impureza menstrual é constitutiva da personalidade religiosa das mulheres no Judaísmo Ortodoxo. Eu me comprometi a justificar essa legislação construindo em torno dela uma teologia feminista da pureza.
Ao rever meu artigo, tive que me perguntar: Qual é a responsabilidade de uma teóloga quando ela não acredita mais no que ensinou aos outros como Torá? Simplesmente retratar-se é insuficiente, porque teólogos não são apenas teóricos. Eles exemplificam maneiras de viver os compromissos judaicos com integridade. O que devo àqueles que leram e foram persuadidos por minha teologia da pureza não é apenas delinear abstratamente minhas conclusões revisadas, mas contar uma história ricamente detalhada sobre um processo particular de ruptura e transformação em um tempo e lugar específicos."
Assim, Rachel Adler começa seu artigo In Your Blood Live: Re-Visions of a Theology of Purity, no qual revisitou o tema da pureza e impureza rituais e do uso da micve neste sentido depois de ter escrito sobre o assunto 25 anos antes. Ao longo deste período, Rachel Adler deixou de ser ortodoxa e se transformou em uma influente teóloga feminista. É hoje a rabina Rachel Adler. Da mesma forma que a sua perspectiva, também o nosso entendimento sobre micvaot, sobre pureza e impureza rituais, em particular no que tange à menstruação se transformaram profundamente.
Hoje, começamos uma nova série do podcast, Tradições Judaicas do Futuro, na qual vamos conversar sobre práticas judaicas revisitadas, recontextualizadas e que ganharam nova relevância para o futuro do judaísmo.
A convidada deste episódio, no qual vamos converser sobre micve, é a rabina Tati Schagas.
Referências:
- “Tum’ah and Taharah: Ends and Beginnings.” The Jewish Catalogue, edited by Michael Strassfeld, Sharon Strassfeld, and Richard Siegal. New York: 1972. Reprinted in The Jewish Woman, edited by Elizabeth Koltun. New York: Schocken Books, 1976. https://jwa.org/sites/jwa.org/files/jwa001d.pdf
- “In Your Blood, Live: Re-visions of a Theology of Purity.” Tikkun 8:1 (January/February1993), Reprinted in Lifecycles 2, edited by Debra Orenstein and Jane Litman. Woodstock, VT: Jewish Lights, 1997.
Dicas Culturais:
- Alona Lisitsa, Dalia Marx, Maya Leibovich, Tamar Duvdevani, פרשת המים - טבילה כהזדמנות לצמיחה, להיטהרות ולריפוי, Parashat HaMayim: Imersão em Água como Oportunidade de Renovação e Crescimento Espiritual", https://www.academia.edu/5041156/פרשת_המים_-_טבילה_כהזדמנות_לצמיחה_להיטהרות_ולריפוי_Parashat_HaMayim_Immersion_in_Water_as_an_Opportunity_for_Renewal_and_Spiritual_Growth
- Joann Sfar, O gato do rabino, https://www.amazon.com.br/Gato-do-Rabino-Joann-Sfar/dp/8571109451/
- Debra Orenstein, Lifecycles: Jewish Women on Life Passages and Personal Milestones (Lifecycles, Vol 1) , https://www.amazon.com.br/Lifecycles-Passages-Personal-Milestones-English-ebook/dp/B00403M5ME
- Jane Rachel Litman e Debra Orenstein, Lifecycles: Jewish Women on Biblical Themes in Contemporary Life (Lifecycles, Vol 2), https://www.amazon.com.br/gp/product/B003BYPX5O/
- Richard Siegel, Michael Strassfeld e Sharon Strassfeld , The First Jewish Catalog: A Do-It-Yourself Kit, https://www.amazon.com.br/First-Jewish-Catalog-Richard-Siegel/dp/0827600429/
Com Rogério Cukierman e Laura Trachtenberg Hauser.
Créditos da Música de Abertura: Lechá Dodi, da liturgia tradicional de Shabat | Melodia: Craig Taubman | Clarinete: Alexandre F. Travassos | Piano: Tânia F. Travassos.
Edição: Misa Obara
sexta-feira, 2 de julho de 2021
Dvar Torá: Paz e justiça -- desejos e medos (CIP)
- שַׁלְוָה, מְנוּחָה, שֶׁקֶט, “calma, descanso, silêncio”;
- מַצָּב לְלֹא מִלְחָמָה, יַחֲסֵי יְדִידוּת, “estado sem gerras, relações de amizade”;
- מַצָּב, מַעֲמָד, “estado, condição”;
- נֻסַּח בְּרָכָה מְקֻבָּל בִּפְגִישַׁת בְּנֵי אָדָם, “fórmula de saudação comum quando duas pessoas se encontram”
(…) paz sem voz não é paz é medoàs vezes eu falo com a vida, às vezes é ela quem dizqual a paz que eu não quero conservar para tentar ser feliz [3]
Todos falam sobre a paz, mas ninguém fala sobre a justiçaPara um é o paraíso e para o outro o infernoQuantos dedos estão sobre o gatilho?Então ficamos sozinhos, falamos com a parede – não há com quem falarSe ao menos entendêssemos que todos somos um – veremos tudo se juntar [7]