segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Encontrando consolo na história de amor de uma saudita

Para usar um título de álbum dos Titãs, sexta-feira (19/08) foi um exemplo de “tudo ao mesmo tempo agora.” Era Tu beAv (15 de Av), a data judaica que comemora o amor, e meu 15o. aniversário de noivado. Além disso, era véspera de Shabat Nachamú, o primeiro sábado depois de Tishá beAv (9 de Av), no qual a leitura dos profetas começa com נחמו, נחמו, עמי (“nachamú, nachamú, Ami”, “ofereçam grande consolo ao Meu povo”.) 

Estávamos nos aproximando do final da olimpíada do Rio, onde às alegrias e às dores naturais de vitórias e derrotas em competições esportivas, tinham se somado preconceitos contra a cidade, contra nacionalidades, contra religiões, contra a torcida, contra atletas. Incrível a força destrutiva do preconceito, capaz de criar escuridão mesmo frente a esforços coletivos para manter a luz.

Falando em preconceitos, durante a semana, tinha me envolvido em uma conversa online sobre um artigo falso (“hoax”), no qual argumentava-se que cientistas saudistas tinham “descoberto” que mulheres eram mamíferos, ainda que não fossem humanas. Depois de debater o assunto em páginas individuais, tinha resolvido colocar um comentário na minha página:
Há dois dias, uma amiga postou um artigo falso (hoax) sobre a relação às mulheres na Arábia Saudita (que está longe de ser equilibrada, mas o artigo relatava verdadeiros absurdos como se fossem verdade).
Em quinze minutos, alguém postou uma resposta, mostrando que o artigo era falso. Mesmo assim, outras pessoas começaram a compartilhá-lo como se fosse verdadeiro. Entrei nas postagens de alguns deles (um deputado estadual do RJ, uma ONG ambiental no RS) e os alertei de que a notícia era falsa. Nada aconteceu...
Em dois dias, já são mais de 180 compartilhamentos da notícia. Minha amiga mudou seu comentário para indicar que a notícia é falsa, mas a grande maioria daqueles que a replicaram mantiveram seus comentários preconceituosos.
Claro que a Arábia Saudita, um país em que mulheres não podem dirigir, tem lá seus problemas na questão da igualdade entre homens e mulheres –– mas a maioria dos comentários que eu li não tinham nada de construtivo. Pelo contrário, eles chamavam os muçulmanos de animais – e a impressão que ficava era que qualquer pretexto valia para extravasar o ódio pelo "outro da vez". Quem realmente se importa com a condição das mulheres na Arábia Saudita procura fortalecer a sociedade civil lutando para mudar a situação por lá, não sai por aí distilando seu ódio pelos árabes e muçulmanos.
O ódio ao diferente tem um poder de destruição que me amedronta!
A tradição judaica nos ensina que devemos proteger o estrangeiro / "outro" / oprimido (גר) por que um dia fomos estrangeiros / "outros" / oprimidos na terra de Mitzrayim, mas ainda há muitos nas comunidades judaica e muçulmana que se vêem como inimigos naturais e eternos. É hora de dizer "chega!" e garantir que "nunca mais!" realmente signifique "nunca mais!”.
Esses debates online acabam drenando minhas forças, especialmente minha energia espiritual, e chegava ao final de semana precisando de uma boa recarregada. Mal sabia que ela viria de uma fonte inusitada.
Meu telefone indicava que estava ficando sem espaço, então comecei a rever o que eu podia limpar. Fotos, vídeos, músicas, arquivos, podcasts…. Lá no fundo deste baú digital, encontrei um episódio de podcast que eu tinha gravado mas nunca escutado. 

Há alguns anos, o programa Radio Diaries organizou um concurso para ver quem compartilharia clipes de áudio com seus ouvintes, como se fosse um diário digital. Entre os mais de mil candidatos do concurso, eles escolheram Majd Abdulghani, uma jovem saudita que compartilhou, por dois anos, suas experiências, encontros, emoções, impressões com os ouvintes. Dos 19 ao 21 anos, a acompanhamos na universidade, nas suas disputas com o irmão sobre o comportamento apropriado para mulheres muçulmanas, em seu estágio no laboratório de genética, no começo e desenvolvimento de um relacionamento amoroso. Neste resumão de meia hora, descobrimos um pouquinho do que aconteceu em dois anos na vida de Majd.
Não devia ser surpresa para ninguém que, apesar das idiossincrasias de cada lugar, as experiências humanas se repetem em toda parte. Por mais que sua história seja apenas isso: uma experiência pessoal sem maiores pretensões, a potência da contação de histórias é incrível. O relato de Majd dá dimensões pessoais que nenhuma discussão no facebook poderia; contra preconceitos, sua história dá o exemplo pessoal das dificuldades que ela enfrenta como mulher na Arábia Saudita e das possibilidades que ela tem abertas à sua frente.
Escutava sua história enquanto preparava o jantar e, assim, fui me livrando dos problemas da semana e ganhando uma inspiração diferente. Na confluência de fatores que falavam e de amor e de restauração, não podia ter mensagem mais apropriada para me trazer a este shabat!