sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Dvar Torá: Sendo gente em um lugar onde falta humanidade (Lar das Crianças)

“Rogério, em uma terra de rinocerontes, se esforce para ser gente.” Eu não lembro dos detalhes da prédica do rabino Sobel no meu Bar Mitsvá, mas eu lembro desta mensagem final.
במקום שאין אנשים, השתדל להיות איש”, “em um lugar em que a humanidade estiver em falta, se esforce para ser gente” [1]
O rabino Sobel tocou milhares de vidas durante sua longa carreira no rabinato. Ele nem sempre conseguiu o consenso, mas ele certamente foi transformador para muitos que entraram em contato com ele. Hoje, no facebook, foi emocionante ver a quantidade de relatos pessoais de como as suas palavras e a sua atitude impactaram as pessoas de maneira muito positiva. 
במקום שאין אנשים, השתדל להיות איש”, “em um lugar em que a humanidade estiver em falta, se esforce para ser gente”
Em um momento da história do nosso país em que se comportar fora das normas da moralidade e da humanidade tinha se tornado aceitável, o rabino Sobel ousou ser gente. Apresentado ao caso de Vladimir Herzog com sinais claros de tortura em 1975, teve a coragem de negar publicamente a narrativa de que ele tinha se suicidado. Não foi a única manifestação do rabino que incomodou a ditadura. Manifestou-se pela democracia da bimá da CIP, nas ruas, em encontros políticos e no famoso ato ecumênico na Catedral da Sé, ao lado do dom Paulo Evaristo Arns e James Wright. Sua coragem de desafiar os poderosos, de ir contra o senso comum, de desenvolver um Judaísmo de relevância para os nossos momentos mais alegres e nossas horas mais sombrias foi contagiante e inspirou uma geração de judeus a se aproximarem do judaísmo e, através dele, sonhar com um mundo melhor.
במקום שאין אנשים, השתדל להיות איש”, “em um lugar em que a humanidade estiver em falta, se esforce para ser gente”

A parashá desta semana se chama “Chaiei Sará”, “a vida de Sará”, e muitos comentaristas destacam o fato de que, apesar deste nome, a parashá fala, logo no seu início, do falecimento de Sará. Fala também, no seu final, do falecimento de Avraham. Juntos, Avraham e Sará deram início à maravilhosa saga judaica. Um casal que teve a coragem de ser iconoclasta, de contestar o senso comum e as verdades absolutas da sua época, de escutar seu chamado interno e abandonar tudo o que conhecia e começar uma nova vida, em um novo lugar. E, mesmo assim, quando lhe pediram algo que desafiava seu senso de justiça, teve a coragem de desafiar o mesmo Deus por quem tinha largado tudo. Desafiar o senso comum exige coragem, mas desafiar a autoridade que tem o poder de punir e que já tinha demonstrado a disposição em punir, exige muito mais.
במקום שאין אנשים, השתדל להיות איש”, “em um lugar em que a humanidade estiver em falta, se esforce para ser gente”
O rabino Sobel se encontra com Avraham e com Sará neste lugar dos tzadikim que ousaram ser pessoas em terras de rinocerontes, de serem pessoas em lugares em que a humanidade estava em falta. Longe de serem pessoas perfeitas, longe de serem apresentados como santos, mas seus eventuais tropeços em nada tiram da enormidade de suas qualidades, do impacto das suas ações e das suas palavras, das milhares de pessoas que foram impactadas por estas personalidades maiores do que a vida. 
במקום שאין אנשים, השתדל להיות איש”, “em um lugar em que a humanidade estiver em falta, se esforce para ser gente”
Comentando sonbre esta parashá, a rabina Rona Shapiro sugere:
“Talvez, esta parashá seja chamada Chaiei Sará, ‘a vida de Sará’, porque, com a morte de Sará, Avraham finalmente aprende a viver a vida dela; ele desce da montanha e se torna um homem do coração, um homem que toma conta dos membros de sua família e vive sua vida no plano humano. Ele aprende a encontrar verdade e significado dentro do contexto de sua família, ao casar seu filho, criar crianças, nos pequenos atos de gentileza que tornam a vida sagrada. Avraham aprende que Deus não está em um trono nos céus, mas está em qualquer lugar em que os humanos O convidarem em suas vidas.” [2]
Com a morte de Sará, Avraham precisa assumir um novo papel na sua relação com Itschak. Em seu livro “A Tenda Vermelha”, a escritora judia norte-americana Anita Diamant nos conta sobre a Tenda de Sará, onde as mulheres se reuniam e se prestavam apoio mútuo, mas quem apoiava Avraham em seu novo papel de tomar conta de Itschak? É a seu servo, Eliezer, que Avraham pede ajuda e o manda para a terra de seus ancestrais, que ele tinha deixado para trás, para encontrar uma esposa para seu filho.
Um ditado popular africano que se tornou popular nos Estados Unidos diz que “it takes a village to raise a child”, “é necessária uma vila inteira para criar uma criança”. A ideia é que a educação de uma criança não é apenas o resultado do esforço dos seus pais, ou nem mesmo da sua família expandida, mas que todo o seu entorno tem uma parte dessa responsabilidade. Em um mundo em que as normas de convívio e de solidariedade se deterioram a cada momento, em que cada um parece se preocupar apenas com seus próprios problemas, nos quais andamos pelas nossas ruas indiferentes à multidão que lá dorme, eu me pergunto onde está a vila que ajuda a criar cada criança.
במקום שאין אנשים, השתדל להיות איש”, “em um lugar em que a humanidade estiver em falta, se esforce para ser gente”
Assim como Avraham, nossos pais, avós e bisavós chegaram a este país deixando um mundo para trás. Deixaram suas famílias, deixaram suas posses, deixaram suas redes de apoio. Assim como Avraham, eles também precisavam de ajuda na criação de seus filhos e, assim, nasceu este Lar das Crianças. Com o tempo, as famílias que precisavam de ajuda já não eram mais as famílias dos nossos imigrantes, mas o Lar foi mudando o seu foco sem diminuir o carinho e a atenção que dá a cada uma das crianças que educa. Numa terra em que impera a escuridão, o Lar acende luzes; numa terra de indiferença, o Lar ensina a solidariedade; numa terra em que cada um cuida dos seus próprios problemas, o Lar nos mostra que alguns problemas são responsabilidade de todos nós.
O Lar é a vila que ajuda os pais a educarem os seus filhos. Muito obrigado pelo papel lindo e gigante que vocês desempenham pelos seus educandos e pela alma de todos nós.
São exemplos como os de Avraham, de Sará, do rabino Sobel, e do Lar que nos ensinam a sermos gente numa terra de rinocerontes; a sermos gente em lugares em que a humanidade está em baixa.

Que eles continuem nos inspirando e iluminando nossos caminhos.

[1] Pirkei Avot 2:5
[2] Elyse Goldstein (ed.), The Women’s Torah Commentary: New Insights from Women Rabbis on the 54 Weekly Torah Portions. Jewish Lights: Woodstock, Vermont. p. 74.

Amores e fraturas nas nossas famílias

Uma das coisas que mais me encanta nas histórias da Torá é a forma como a nossa tradição não evita apresentar nossos ancestrais como pessoas verdadeiras, com suas contradições internas, que acertavam e erravam, às vezes ao mesmo tempo. Da mesma forma, nossos textos sagrados refletem relações humanas, especialmente as relações familiares, em toda a sua complexidade, com conflitos, traições, injustiças, mas também com momentos maravilhosos de generosidade, de amor profundo e de luta pelos injustiçados. 

Nas últimas semanas, lemos histórias complicadas para a família dos nossos patriarcas e matriarcas. A pedido de Sará (que recebe o apoio de Deus em seu pedido), Avraham expulsou Hagar e o filho deles, Ishmael. Em seguida, sem consultar sua esposa, Avraham escutou a ordem de Deus e levou o filho deles, Itschak, para ser sacrificado. Alguns _midrashim_ contam que, quando Sará escutou que seu marido havia levado o único filho dela para ser sacrificado, o terror e a tristeza fizeram com que ela falecesse imediatamente, sem saber que Itschak havia sido poupado [1].

A parashá desta semana, Chaiei Sará, começa com os impactos da morte da nossa primeira matriarca. Refletindo, novamente, a verdadeira intensidade das nossa relações humanas, o texto nos conta como Avraham se abateu com a perda de sua esposa [2] – apesar de esta não ser a primeira morte da Torá, é a primeira oportunidade em que a Torá nos fala sobre alguém ficar enlutado pela perda um parente próximo.

Nas próximas semanas, leremos sobre complicações na relação entre a segunda geração desta família, Itschak e Rivcá, em particular no que tange ao relacionamento de seus filhos. Nesta parashá, tomamos conhecimento do momento em que os dois se conhecem: quando Rivcá desce do seu camelo ao vê-lo à distância [3] e como ele levou-a à tenda de sua mãe, tomou-a para esposa e amou-a [4] – a primeira vez em que a Torá nos conta sobre o amor entre um casal. Muitos comentaristas discutem a ordem dos verbos: se o amor não deveria vir antes do casamento e apontam para um tipo de amor relacionado à parceria do dia-a-dia, que se desenvolve ao longo do relacionamento e que se soma ao amor que havia anteriormente.

No final da parashá, Avraham também falece, aos 175 anos. Em seu enterro, Itschak reencontra seu meio-irmão, Ishmael, que havia sido expulso pelo pai deles. 

Nas histórias da nossa parashá, entre Avraham e Sará, entre Rivcá e Itschak, entre Avraham e seus filhos, Itschak e Ishmael, o amor é a chave da superação dos conflitos. Seres humanos são criaturas complexas, que reagem de formas, algumas vezes, imprevisíveis e inexplicáveis. Certas crises são facilmente superadas com um toque de bom senso; para outras, temos que engolir o ego e dar o primeiro passo para reconstruir relacionamentos fraturados. Nas relações mais tranquilas e naquelas mais tumultuadas, o amor é a chave que possibilita e dá significado ao que construímos em parceria, em particular aos nossos relacionamentos familiares. Percebemos o amor no choro de Avraham ao perder Sará, no carinho que o texto deixa claro entre Itschak e Rivcá, no reencontro de Ishamel com seu meio-irmão e com seu pai. Exemplos dos quais precisamos aprender e exercitar nas nossas próprias rotinas.

Que este seja um shabat de muito amor, de encontros e de reencontros, em que saibamos reconhecer a importância daqueles que nos são mais próximos e queridos em toda a sua complexidade e beleza.

Shabat Shalom!


[1] Veja, por exemplo, o comentário de Rashi para Gen. 23:2.
[2] Gen. 23:2.
[3] Gen. 24:64.
[4] Gen. 24:67.

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Dvar Torá: O acolhimento e a exclusão: nas ruas e dentro de casa (CIP)

O próximo domingo, dia 24, será Mitzvah Day Brasil! Uma iniciativa idealizada e coordenada a partir de São Paulo, com ramificações em várias outras partes do país, que tem o potencial de ser transformador para a relação das comunidades judaicas com suas cidades e com a sociedade não-judaica e vice-versa. A partir de um conceito desenvolvido nos Estados Unidos e ampliado no Reino Unido, um grupo de voluntárias da CIP, capitaneados pelas nossas queridas Ruth Bohm, Patricia Strebinger e Carla Rosset, trouxe a ideia pro Brasil: um dia  no qual todo mundo doe um pouco do seu tempo e desenvolva projetos para o bem comum.

Assim como um monte de outras comunidades, a CIP está desenvolvendo várias frentes para o Mitsvá Day - vamos ter projetos em Campos do Jordão, em um restaurante do Bom Prato em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado. No Ensino, o programa de preparação para o Bar e Bat-Mitsvá irá se voluntariar com a ONG Anjos da Cidade, sobre a qual já ouvimos um bocado nas últimas semanas. Pra quem perdeu, de forma reduzida, os Anjos da Cidade distribuem dignidade a moradores de rua usando a comida como pretexto. Se abaixando e sentando na calçada, dando mão e puxando pra um abraço, reconhecendo as pessoas pelos seus nomes e parando pra escutar suas histórias, a transformação empreendida pelos voluntários dos Anjos da Cidade vai muito além das 350 refeições que eles distribuem todas as 3as feiras à noite. Para o Mitzvah Day, os Anjos da Cidade estão preparando um café da manhã especial para um mínimo de 350 moradores de rua na Praça Olavo Bilac em Santa Cecilia. Além da comida — incluindo cookies que nossos alunos vão preparar na próxima semana —, vai ter também palhaço, cabeleireiro, músicos, e nossos alunos do Ensino contando histórias para adultos e crianças.

Em preparação para nossa participação no Mitzvah Day, na última terça feira, um grupo de professores do Ensino se voluntariou para a ação dos Anjos, o rabino Michel e eu entre eles. Cada encontro ao longo da noite foi profundamente transformador, mas eu quero falar de um deles em especial. Esta mulher, que mora em um beco na Barra Funda, parcialmente destruído para a construção de um novo prédio, viu todos os outros moradores daquela quadra expulsos no processo. A sua barraca, no entanto, ficou lá. Com a sua doçura, ela nos contou que fez amizade com o dono da construtora e que, no final, ele acabou achando que a presença da barraca ajudaria a dar segurança à construção. Ela nos contou do livro que está lendo, orgulhosa de já estar na página 70. Ela me reconheceu de outra visita, há algumas semanas, daquela vez com o rabino Ruben. Finalmente, ela nos convidou para visitar sua barraca e nós, sem saber muito bem como responder, fomos lá, acanhados, sem querer invadir, mas percebendo que aceitar o seu convite era participar do processo de reconhecer sua humanidade, perfurar a casca do rótulo “moradora de rua” e encontrar a alma daquela pessoa, tão humana quanto eu ou cada um de vocês.

Tenho pensado muito nisso, no acolhimento e como ele humaniza os dois lados, aquele que acolhe e aquele que é acolhido. Como, ao acendermos ao encontro Eu-Tu de Buber, reconhecemos a nossa própria humanidade e também a da pessoa com quem nos relacionamos. 

Quem escolhemos receber e quem não; como recebemos e como marcamos as diferenças definem, em certa medida, quem somos, como nos apresentamos ao mundo e como permitimos que o mundo se relacione conosco.

Na parashá desta semana, temos alguns exemplos do acolher e do não acolher. Logo no começo da parashá, três homens visitam Avraham, que sai para recebê-los e lhes implora para que parem e sejam recepcionados por ele. Lavam seus pés, têm sombra para se refrescar e descansar da viagem. Juntos, Avraham e Sará preparam e lhes trazem comida: tortas, carne e outras iguarias. Tanta atenção e cuidado destacavam a dignidade, tanto das visitas quanto dos anfitriões. 

Ao partirem, tanto os três homens quanto Avraham e Sará estavam transformados pelo encontro. E as visitas seguiram seu caminho em direção a Sodoma. Lá, Lot, o sobrinho de Avraham, os acolheu em sua casa, também implorando que eles viessem a sua casa, e lhes ofereceu um banquete de matzot. Por outro lado, a população de Sodoma rodeou a casa e exigiu que Lot lhes entregasse os forasteiros.

O motivo pra exigência dos moradores de Sodoma não é claro mas muitos midrashim foram escritos para preencher esta lacuna. Um tema comum em vários deles é a perspectiva de que Sodoma era um lugar de muitas riquezas, que acreditava que a chegada de estrangeiros diminuiria a parcela de cada um dos moradores. Uma passagem de Pirkei Avot diz que a lógica que imperava para os moradores de Sodoma era “שֶׁלִּי שֶׁלִּי וְשֶׁלְּךָ שֶׁלָּךְ”,  “o que é meu é meu, e o que é seu, é seu”, que reflete também o temperamento médio das pessoas. 

Nesta segunda-feira, no Grupo de Estudos da Parashá, nos perguntamos: se esta é a atitude média das pessoas, porque ela é vista com tão maus olhos com relação a Sodoma? Nossa conclusão foi que a atitude do “שֶׁלִּי שֶׁלִּי וְשֶׁלְּךָ שֶׁלָּךְ”,  “o que é meu é meu, e o que é seu, é seu”, quando levada ao extremo, não permite o acolhimento e o reconhecimento da humanidade do outro. O que nos separa, o que nos diferencia, as diferenças entre o que temos, se tornam intransponíveis. Os habitantes de Sodoma estavam tão preocupados com o que era deles e com o que era dos outros que não eram mais capazes de reconhecer a humanidade de quem os visitava. 

O misticismo judaico fala de perspectiva de que tudo o que conhecemos é, na verdade, um só, tudo é Deus. Você, eu, a bimá, o prédio, os moradores de rua, a rainha Elizabeth, tudo somos parte de Deus e, deste forma, somos todos Um. Onde há espaço para esta percepção, em uma visão de mundo que adota radicalmente “שֶׁלִּי שֶׁלִּי וְשֶׁלְּךָ שֶׁלָּךְ”,  “o que é meu é meu, e o que é seu, é seu”?!

Avraham, nosso patriarca, foi a primeira pessoa chamada de “עִבְרִי”, “hebreu”. Um midrash pergunta qual o significado desta palavra; uma das respostas relaciona a palavra “עִבְרִי”, “hebreu” com a palavra “עֵבֶר”, “margem”, dizendo “כל העולם כולו מעבר אחד והוא מעבר אחד”, “todo o mundo está em uma margem e ele está na outra”. De um lado, o midrash representa a personalidade do patriarca Avraham, que tinha a chutspá, a coragem, de discordar do senso comum, mesmo que isso o colocasse sozinho do outro lado do rio. De outro lado, o midrash representa também muitas experiências históricas dos judeus, impossibilitados de fazerem parte plenamente das sociedades em que viviam, isolados na outra margem do rio — não por vontade própria, mas por isolamento.

A professora Nádia Poleto, da escola estadual Branca do Nascimento, em Curitiba, escreveu um poema para descrever uma interação que teve com um aluno seu, uma criança com transtorno do espectro autista, e a sensação de falta de pertencimento que ele tinha:

Pertencer 
Limite de rio é margem
Pertenço à margem,
desejo o rio.
Nele,
sou só sombra.
Com o tempo,
a água leve, que contona a pedra,
desenha seu curso
há riscos,
me arrisco,
me atiro,
suspiro,
a água leve me contorna.Sigo o curso
pertenço ao rio.Agora, contemplo a margem,
não há limites –
sorrio,
pertenço,
sou margem, sou rio. [1]

Quem está na nossa margem, querendo pular e fazer parte do rio? Quem são os grupos para quem nossa atitude se parece com “שֶׁלִּי שֶׁלִּי וְשֶׁלְּךָ שֶׁלָּךְ”,  “o que é meu é meu, e o que é seu, é seu”?

Somos produtos do nosso contexto e, por isso, refletimos os preconceitos da nossa época, mas, graças a Deus, o mundo está mudando e muitos preconceitos estão caindo. A rabina Angela Buchdahl, da Central Synagogue em Nova York, nasceu na Coréia do Sul, de uma mãe coreana e um pai americano — ela fala frequentemente de como ela não se “parece judia” e de como o contato com ela força as pessoas a reverem seus estereótipos e preconceitos. Como será que nossas percepções de quem “se parece judeu” estabelece limites e força alguns de nós a ficarem na margem quando eles gostariam de estar brincando na água? 

Na semana passada, fui convidado para um jantar de shabat de um grupo de judeus LGBT. A pessoa que me convidou achou que seria interessante para um rabino escutar as dimensões em que esta parcela do mundo judaico se sente excluída da nossa comunidade organizada. No final, o convite não se confirmou; talvez um sinal de que as mágoas geradas pela exclusão são tão profundas que a presença de alguém que simboliza o “establishment judaico” ainda não seja bem vinda. Minha mãe, que teve uma infância muito pobre e que escutou um comentário preconceituoso sobre a sua falta de dinheiro expresso pelo seu professor na sinagoga, ainda guarda esta mágoa com ela. Quantos aqui também guardam mágoas semelhantes? 

Quem sabe, com o tempo, com esforço e intencionalidade para realmente sermos plenamente inclusivos e abrirmos mão dos estereótipos que ainda carregamos sobre quem faz parte da nossa comunidade e quem não faz, consigamos curar estas mágoas, derrubar a perspectiva que alguns têm de que não são bem vindos e acolher todos que queiram se conectar com sua espiritualidade e encontrar sua comunidade aqui na CIP.

Vai dar trabalho, vai exigir que repensemos muito do que fazemos hoje, vai demandar que nos esforcemos para falar com gente que já vimos muitas vezes mas com quem nunca conversamos, mas este é o exemplo que recebemos de Avraham, é isto que a história de Sodoma, como exemplo negativo, nos instrui a buscar.

Que tal começar já no kidush desta noite?

Shabat Shalom!

[1] https://podcasts.apple.com/us/podcast/folha-na-sala/id1481109207?i=1000453588703 a partir de 19:27