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terça-feira, 26 de setembro de 2023

Dvar Torá: Lendo nosso Livro da Vida a tempo de poder mudá-lo. Iom Kipur 5784 (CIP)


Meu pai trabalhou praticamente toda a sua vida profissional na mesma construtora. Em uma época sem smart-phones e sem computadores de alta resolução, ele tinha um instrumento que ajudava as pessoas a terem uma ideia de como um azulejo de que as pessoas tinham gostado ficaria quando colocado múltiplas vezes na parede. Eram quatro espelhos articulados, que “envelopavam” o azulejo, criando a sensação de um fundo infinito naquela padrão.

Hoje, com óculos de realidade virtual, os grandes projetos nos oferecem a possibilidade de entrarmos em construções que ainda nem saíram da fase de projetos e ter a sensação de que estamos fisicamente naquela construção.

A tradição judaica, com muito menos tecnologia, também vem há muitos séculos desenvolvendo estratégias para que possamos viver situações diferentes daquelas que experienciamos nas nossas rotinas. O Shabat, por exemplo, é considerado “טַעַם שֶׁל עוֹלָם הַבָּא”, “um tira-gosto do mundo vindouro”. Nele, vivemos 25 horas como se o mundo fosse perfeito. Iom Kipur, por outro lado, é considerado um ensaio da nossa própria morte: vestimos o kitel, como se fossem os tachrichim, as vestes com que somos enterrados; não fazemos muitas das ações que caracterizam o pertencimento ao reino dos vivos, não comemos nem bebemos, não fazemos sexo e evitamos outras atividades que nos dão prazer; recitamos o vidui, a confissão das nossas transgressões, da mesma forma que devemos fazer antes de morrermos.

A experiência de vivermos no Shabat 25 horas como se o mundo perfeito fosse nos inspira a trabalhar para tornar esse ideal uma realidade quando retomamos a experiência da semana no sábado à noite. Ao vivenciarmos Iom Kipur como um ensaio da nossa morte, somos convidados, paradoxalmente, a considerar o que mais valorizamos nas nossas vidas. O rabino Alan Lew expressa este conceito da seguinte forma:


Isso é o que Iom Kipur nos pergunta hoje: Qual é o elemento central da nossa vida? Estamos vivendo de acordo com ele? Estamos nos movendo em direção a ele?

Não devemos esperar até o momento da nossa morte para buscar as respostas. No momento da morte, pode não haver nada que possamos fazer sobre isso, a não ser sentir arrependimento. Mas se buscarmos as respostas agora, podemos agir no próximo ano para nos aproximarmos do nosso elemento central. Esta é a única vida que temos, e todos nós a perderemos. Ninguém sai vivo, mas perder com nobreza é uma coisa linda. [1]


Isso é o que Iom Kipur nos pergunta hoje: Qual é o elemento central da nossa vida? Estamos vivendo de acordo com ele? Estamos nos movendo em direção a ele?

Não devemos esperar até o momento da nossa morte para buscar as respostas. No momento da morte, pode não haver nada que possamos fazer sobre isso, a não ser sentir arrependimento. Mas se buscarmos as respostas agora, podemos agir no próximo ano para nos aproximarmos do nosso elemento central. Esta é a única vida que temos, e todos nós a perderemos. Ninguém sai vivo, mas perder com nobreza é uma coisa linda. Conhecer o elemento central do nosso ser é ir além de vencer e perder.

Poder caminhar por uma casa antes da sua construção começar pode nos dar o estímulo que precisávamos para dar o sinal verde ao projeto; vivenciar o mundo como se já tivéssemos resolvido todas as suas mazelas pode nos dar a força para resolver o que estiver ao nosso alcance; imaginar que estamos próximos ao final da nossa vida nos permite valorizar seus aspectos mais importantes, enxergando além da neblina do dia-a-dia, que limita nossas perspectivas frequentemente. Pagar o condomínio, levar as roupas no tintureiro, fazer a apresentação do projeto em que você passou os últimos dois meses trabalhando, estudar para a prova da qual depende a sua média anual — todas atividades importantes, mas que não constituem quem somos e qual nosso papel no mundo. E, mesmo assim, muitas vezes permitimos que elas fiquem com a maior e melhor parte da nossa atenção.

E se conseguíssemos ganhar uma perspectiva ainda mais ampla das nossas vidas? Se conseguíssemos, por exemplo, acessar o Livro da Vida sobre o qual tanto falamos em Rosh haShaná e em Iom Kipur? Se Deus saísse da sala por uns minutos e nós pudéssemos ler tudo o que está escrito a nosso respeito, como nascemos e como vamos morrer, nossos maiores amores e as grandes decepções. Como será que isso mudaria as nossas condutas na vida?

Em Sucot do ano passado, eu assisti um filme e pensei: “esse será o tema da minha próxima prédica de Izcór”. O filme era baseado no conto “História da Sua Vida”, de Ted Chiang [2], e, ainda que o autor não seja judeu, eu percebi muitas similaridades nos conceitos desenvolvidos pelo conto e as metáforas das Grandes Festas, em particular a do Livro da Vida. A história é sobre a chegada de naves extraterrestres em vários pontos da Terra. Uma linguista é convocada para estabelecer formas de comunicação com os alienígenas e, aos poucos, vai entendendo que essa civilização tem uma forma não linear de lidar com o tempo, algo que temos dificuldade até de conceber.

O tempo, de alguma forma, tem um ritmo fixo para nós. A cada um segundo o ponteiro pequeno se mexe e não há nada que possamos fazer para voltá-lo para trás ou acelerá-lo. É como se o filme das nossas vidas acontecesse no cinema, onde não podemos parar o vídeo para ir ao banheiro nem acelerar uma cena violenta que não queremos assistir. Mas,  e se a nossa vida fosse como um livro de contos, que podemos abrir em qualquer página e sair lendo? Primeiro nosso casamento, depois a nossa adolescência, depois os detalhes do nosso nascimento… Imagine se pudéssemos ver até mesmo a forma como iremos morrer!

É isso que a linguista do filme aprende com os alienígenas — ela passa a ser capaz de ler a sua própria vida como se fosse um livro de histórias, interconectadas, mas também independentes entre si. Se você tivesse esse poder, como isso mudaria a sua vida?

No filme e no conto, ela consegue ver que se casará com um homem a quem ainda nem beijou e de quem se separará alguns anos depois. A filha deles terá uma doença rara para a qual não existe cura e irá morrer muito jovem. E, mesmo sabendo de tudo isso…. ela decide se envolver emocionalmente com ele e decide ter a filha. E os ama como se não soubesse como as coisas terminariam. Se você soubesse das dores envolvidas na sua vida, tomaria as mesmas decisões? 

Em alguns cenários, é mais fácil responder esta pergunta: eu não daria o passo em falso que me fez torcer o pé no ano passado, eu tentaria controlar meu temperamento, especialmente em algumas broncas que dei nos meus filhos. A questão é muito mais complexa quando envolve situações que misturam muita felicidade e muita tristeza, como a relação da protagonista do filme com sua filha… Você começaria o relacionamento  com aquele namorado sabendo que irá se apaixonar loucamente e será muito feliz mas que ele vai quebrar teu coração quando tudo terminar? Aceitaria o emprego onde conseguirá se realizar profundamente mas que também te causará algumas das maiores decepções que você já teve?

Eu perguntei para uma amiga muito querida, que foi muito próxima do avô e que sofreu muito quando ele faleceu há alguns anos, se, sabendo o tamanho da dor, ela voltaria a ter sido tão próxima dele como foi. “Com certeza”, ela me respondeu e continuou, “só sofre quem vive”. Na mensagem seguinte, emendou: “só sofre quem vive a felicidade”.

Vivemos em uma época na qual muitas vezes nos deixamos ser conduzidos pelos nossos medos, em particular pela aversão à dor. Nas nossas decisões pessoais e naquelas que tomamos pelos outros, evitar a falha e o sofrimento passaram a ter um papel central que antes não tinham. Vejo amigos que aprontavam um monte na sua adolescência, com o consentimento explícito ou tácito dos seus pais, que hoje não permitem que seus filhos saiam na rua ou andem de transporte público, que pratiquem um esporte mais físico, por medo do que lhes pode acontecer. Se soubessem com antecedência que um relacionamento pessoal ou profissional seria cheio de emoções, com muitas alegrias mas com um final trágico, imagino que muitos entre nós escolheríamos não embarcar nele e assim abriríamos mão de tudo de bom que poderia ter acontecido.

E, assim, para evitar o sofrimento, vamos escolhendo o caminho da mediocridade afetiva, não nos envolvemos por medo do sofrimento. A grande surpresa de “A História da Sua Vida” é quando nos damos conta de que a linguista sabia do final trágico da filha antes mesmo de engravidar e que decide ter a filha mesmo assim. Se estivesse no lugar dela, como você teria agido? Se soubesse que um casamento te traria felicidade por 20 anos mas que terminaria em divórcio, decidiria se casar?

Daqui a pouco, vamos dar início ao serviço de Izcor, nos qual relembramos e homenageamos pessoas centrais nas nossas vidas, que nos ajudaram a nos tornarmos quem somos e cuja perda sentimos profundamente. Podemos focar na perda e na falta que sentimos deles — e, às vezes, esse sentimento é inevitável — mas me parece que ganhamos mais quando focamos na luz que eles trouxeram às nossas vidas, nos bons momentos que passamos juntos e nos valores que eles nos inspiraram. 

Se pudéssemos ler nosso Livro da Vida, que papel eles teriam? Se soubéssemos enquanto eles estavam em vida o que sabemos hoje, de que forma teríamos mudado nosso relacionamento com eles?

E, talvez, a pergunta mais importante e mais difícil de responder: sabendo de que forma essas pessoas tocaram nossas vidas e reconhecendo, em Iom Kipur, que as nossas vidas um dia também chegarão ao fim, de que forma podemos mudá-las daqui pra frente para honrar a memória daqueles que nos influenciaram e a vida daqueles que continuarão com os seus desafios mesmo depois de nós termos partido?

Que a luz das suas almas continue iluminando nossos caminhos, nos inspirando e nos oferendo conforto. Que suas presenças sejam sentidas em nossos momentos mais alegres e naqueles em que mais precisamos do seu apoio.

Gmar Chatimá Tová!


 

[1] Alan Lew, This is Real and You Are Completely Unprepared, p. 230.

[2] Ted Chiang, “História da sua vida e outros contos”. O filme no Netflix está aqui: https://www.netflix.com/br-en/title/80117799 


quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Distantes no calendário, próximas nos valores

Muitas vezes, representamos o calendário judaico como um círculo, ao redor do qual escrevemos os meses, os feriados, as estações do ano e as espécies agrícolas cuja colheita na terra de Israel acontecem em cada época. Mais apropriado, me parece, seria representar o ano judaico como uma elipse, na qual existem dois pontos focais: os feriados da primavera, notadamente Pessach e Shavuot, e os feriados do outono, Rosh haShaná, Iom Kipur,  Sucot e Simchat Torá. Muitas são as semelhanças (e também as diferenças) entre as comemorações, apesar das diferentes narrativas e  de estarem diametralmente opostas quando vistas no ciclo anual.

Pessach é conhecida por comemorar a nossa libertação da servidão mas, nas páginas do Talmud, há uma disputa rabínica sobre qual é a servidão da qual fomos libertados. Shmuel acreditava que se tratava da escravidão física aos egípcios e que comemorar Pessach significava celebrar um processo de libertação política. Rav, por outro lado, acreditava que se tratava da escravidão espiritual à idolatria e ao paganismo. Para ele, comemorar Pessach implicava falar de um processo de libertação espiritual.

Rav provavelmente se sentiria validado pelos primeiros feriados de Tishrei, Rosh haShaná e Iom Kipur, que focam no nosso processo de crescimento espiritual, na introspecção e na avaliação das nossas condutas. Shmuel, por outro lado, gostaria de Sucot, na qual mudamos nossa orientação para o que é mais concreto, para a fragilidade dos lugares em que vivemos, em particular os segmentos mais vulneráveis das nossas sociedades.

Em determinado momento do seder de Pessach, abrimos as portas e cantamos Eliahu haNavi, lembrando-nos do profeta que, de acordo com a tradição, anunciará a chegada da Redenção. Sempre pensei que fazíamos este gesto com a esperança de que seria neste ano que chegaríamos à Era Messiânica. Há alguns anos, escutei do rabino Neil Gilman z”l outra interpretação para o gesto: de acordo com ele, depois de passarmos tantas horas cantando sobre a liberdade, poderíamos sair do seder com a ilusão de que o mundo já havia sido libertado. Assim, abrimos a porta para nos dar conta de que há muito trabalho ainda a ser feito para chegarmos a um mundo em que todos possam celebrar sua redenção pessoal e libertação nacional. Da mesma forma, há uma tradição de fincar a primeira estaca da sucá ao sairmos da sinagoga ao final de Iom Kipur. Depois de tantas horas focadas no nosso crescimento espiritual, buscamos equilíbrio trabalhando no mundo, martelo e estacas na mão.

O estudo e a prática da tradição judaica também fazem parte das mensagens destes dois pontos focais do calendário. No foco da primavera, comemoramos em Shavuot a entrega da Torá no Monte Sinai e celebramos passando a noite inteira em estudo; no foco do outono, celebramos a conclusão e o reinício do ciclo de leitura da Torá. Como uma criança que acaba de escutar uma história e, por ter gostado profundamente, pede para que a contem de novo, o povo judeu mal termina um ciclo de leitura da Torá e começa um novo, com muita dança e alegria.

Dois pontos focais na elipse do nosso calendário com mensagens muito semelhantes: a vida judaica deve buscar um equilíbrio entre o crescimento espiritual e o trabalho no mundo e a Torá, com suas setenta faces e inúmeras interpretações, é a ferramenta fundamental para atingir-se este equilíbrio.

Neste domingo à noite (dia 09/10), começamos as comemorações de Sucot e na próxima segunda-feira à noite (dia 17/10), começaremos a comemorar Simchat Torá. Cheque a programação e aproveite a chance de trazer mais significado e textura ao teu ano!

Shaná Tová e Chag Sameach!


terça-feira, 4 de outubro de 2022

Dvar Torá: Resgatando a tradição do questionar. Iom Kipur 5783 (CIP)


Daqui a pouco nós vamos a primeira sequência do Vidui, as listas de transgressões que confessamos, sempre no plural, porque é capaz que, individualmente, não tenhamos cometido todas elas, mas no coletivo, certamente a lista é inclusiva e correta. Pensando nela, eu me dei conta de que falta uma transgressão importante na lista, pelo menos no meu caso: a procrastinação, a compulsão de deixar para amanhã aquilo que não é absolutamente necessário, mas seria bem melhor se fosse feito hoje. Quem procrastina, como eu, sempre encontra alguma coisa urgente que precisa ser feita no lugar da tarefa que nos chama — até coisas que, em outras situações estaríamos evitando a qualquer custo. No caso das prédicas das Grandes Festas, meu armário nunca esteve tão arrumado, minhas louças tão limpas, minha leitura dos jornais tão em dia. Até as redes sociais eu chequei, coisa que não me dá prazer algum. E foi em uma rede social que eu encontrei uma postagem de um ex-chefe meu falando de uma antiga propaganda da Apple, ainda antes da revolução dos iPods, iPhones e iPads que a transformaram na empresa de maior valor de mercado no mundo. Naquela propaganda, víamos imagens em preto e branco de grandes líderes como Albert Einstein, Bob Dylan, Martin Luther King, Jr., Richard Branson, John Lennon e Yoko Ono, Buckminster Fuller, Thomas Edison, Muhammad Ali, Ted Turner, Maria Callas, Mahatma Gandhi, Amelia Earhart, Alfred Hitchcock, Martha Graham, Jim Henson, Frank Lloyd Wright e Pablo Picasso. Enquanto estas imagens passavam na tela, o narrador lia um texto:
Isto é para os loucos, para os desajustados, os rebeldes, aqueles que criam problemas. As peças redondas nos buracos quadrados. Os que vêem as coisas de forma diferente — eles não gostam de regras e eles não têm nenhum respeito pelo status quo. Você pode citá-los, discordar deles, glorificá-los ou difamá-los, mas a única coisa que você não pode fazer é ignorá-los — porque eles mudam as coisas, eles empurram a humanidade para frente. Enquanto alguns os vêem como loucos, nós vemos gênios. Porque as pessoas que são loucas o suficiente para achar que podem mudar o mundo, são as que de fato, o mudam. [1]
O comercial terminava com a expressão “Think Different”, “Pense Diferente”, que se tornou o slogan da Apple dali pra frente.

Eu assisti este vídeo e fiquei um bom tempo refletindo. Nós precisamos deste loucos gênios para pensarmos diferente e sairmos do buraco em que estamos. Mais do que isso, precisamos nós sermos estes loucos gênios, irreverentes, que ousaram ver as coisas de forma diferente, desafiar e transformar a sociedade ao seu redor. Curiosamente, as imagens que apareciam na tela tinham poucos judeus, mas eu imediatamente pensei em Avraham, nosso primeiro patriarca e iconoclasta arquetípico da narrativa judaica.
 A tradição judaica considera Avraham como a pessoa que rompeu com a visão religiosa pagã que o cercava e desenvolveu o conceito de monoteísmo. A Torá nunca explica como isso aconteceu e, por isso, diversos midrashim procuraram preencher esta lacuna. 

O mais famoso deles, provavelmente o midrash mais famoso de toda a tradição rabínica, diz que Terach, o pai de Avraham, era um vendedor de ídolos. Um dia, quando Terach sai da loja e deixa Avraham tomando conta, o filho destrói todos os ídolos e deixa o bastão na mão do maior ídolo. Quando o pai volta, Avraham lhe diz que houve uma briga entre os ídolos e que o mais forte deles tinha quebrado os demais. “Do que você está falando?!” lhe responde o pai, “são objetos feito de madeira e argila”. “Por que seus ouvidos não escutam o que a sua boca diz?”, foi a forma como Avraham desafiou os conceitos religiosos de seu pai.

Claro que há uma agressividade desnecessária nesta história, mas ela dá origem a uma visão judaica de mundo no qual não há ídolos sagrados que não possam ser questionados. Na inauguração do Primeiro Templo de Jerusalém, uma obra imensa que tinha consumido recursos muito vultosos para o reino todo, o Rei Shlomô teve a coragem de perguntar: “Mas Deus realmente habitará na terra? Mesmo os céus até os seus confins não podem conter Você, quanto menos esta Casa que eu construí!” [2] Se o Templo não podia servir de morada para o Divino, por que gastar tantos recursos em sua construção?! Quem, hoje em dia, teria a coragem de fazer uma pergunta dessas na inauguração de uma obra cara?!

Na haftará de Iom Kipur, a leitura dos profetas que faremos amanhã de manhã, no dia em que uma grande parte do povo judeu passa jejuando, os rabinos tiveram a coragem de questionar o próprio conceito do jejum e trazer uma leitura em que o profeta Isaías desafia a ideia de que Deus se satisfaz com a forma como jejuamos. Nas palavras que serão lidas amanhã:
Acontece que, mesmo quando estão jejuando, vocês só cuidam dos próprios interesses e continuam explorando quem trabalha para vocês. Vocês jejuam entre rixas e discussões, dando socos sem piedade. Não é jejuando dessa forma que farão chegar lá em cima a voz de vocês. (….) O jejum que Eu quero é este: acabar com as prisões injustas, desfazer as correntes do jugo, pôr em liberdade os oprimidos e despedaçar qualquer opressão; repartir a comida com quem passa fome, hospedar em sua casa os pobres sem abrigo, vestir aquele que se encontra nu, e não se fechar à sua própria gente. [3]
De acordo com o rabino Abraham Joshua Heschel, este papel questionador faz parte do job description: “o profeta é um iconoclasta, desafiando aquilo que aparentemente é sagrado, reverenciado e impressionante. Crenças valorizadas como certezas, instituições dotadas com santidade suprema, ele as expõe como pretensões escandalosas.” [4] O rabino Jeffrey Salkin vai além e atribui este job description, não apenas aos profetas, mas a todo o povo judeu: 
A luta judaica milenar tem sido a luta contra os muitos “ismos” da história. Quando necessário, o judeu normalmente se rebelou contra os valores do mundo e procurou mudá-los. O segredo do judaísmo sempre foi ser a materialização de um desajuste criativo. Essa é a descrição do trabalho judaico: ensinar, encorajar, desencorajar, persuadir e influenciar. O judaísmo representa aquilo que é mais do que simplesmente fácil e conveniente. [5]
Novamente, esta conduta nos remete a Avraham. Um dos midrashim que eu mais gosto pergunta porque ele era chamado de Avraham haIvri, “o hebreu”. A resposta que, me parece, mais se relaciona à sua alma e a forma como ele influenciou a conduta judaica no mundo diz que “כל העולם מעבר אחד והוא מעבר אחד”, “o mundo inteiro está de um lado do rio e ele está do outro”. [6]

Para quem acha que é um exagero atribuir estes atributos a todo o povo judeu, talvez seja mesmo — mas ele não é restrito a uns poucos profetas e rabinos. De acordo com o rabino Salkin:
Pode-se facilmente argumentar que a própria modernidade é filha de três judeus que viviam em diferentes graus de intimidade e alienação do judaísmo, e cujo trabalho de vida constituiu uma crítica ao mundo e uma quebra dos ídolos da sociedade: Karl Marx, Sigmund Freud e Albert Einstein. (…)

A esmagação de ídolos reverbera como um tema na cultura judaica moderna. Na música, Arnold Schoenberg criou a escala de doze tons e, assim, quebrou o “ídolo” da tonalidade tradicional. Na literatura, Philip Roth quebrou os ídolos das sensibilidades da classe média judaica. A comédia judaica sempre foi iconoclasta - desde o falecido Lenny Bruce até Sascha Baron Cohen - e Sarah Silverman, que invocou a lenda de Avraham quando brincou: “Lembra do cara que quebrou todos os ídolos na loja de ídolos? A mãe dele teve um ataque cardíaco quando viu a bagunça, mas tenho certeza de que ela se gabou disso mais tarde. Isso somos nós. Essa sou eu. Eu sou judia.” [7]
Mas a verdade é que, apesar de nos enchermos de orgulho quando ouvimos os nomes destes judeus famosos, estamos perdendo a capacidade de sermos iconoclastas, de fazermos perguntas mesmos que elas nos levem a respostas incômodas, de valorizarmos a rebeldia intelectual, mesmo que ela questione as nossas opiniões e nossos privilégios. Nos tornamos conservadores em nossas ideias — mesmo quando parecemos questionadores, dotados de curiosidade intelectual, ela é muitas vezes aparente, desconstruindo argumentos de terceiros mas mantendo seus próprios pontos de vista protegidos de análise. 

Para ser justo, esse não é um fenômeno exclusivamente judaico — temos visto uma radicalização de posições na sociedade como um tudo, a rejeição de opiniões sem considerá-las verdadeiramente. Uma frase famosa de Aristóteles que Maimônides citou na Introdução ao seu Tratado de Oito Capítulos diz “aceite a verdade, quem quer que a diga”. Hoje, pelo contrário, definimos o que é verdade e o que não é baseado em que foi que disse o quê. Quando o meu aliado diz algo é, por definição, verdadeiro. Quando é meu oponente quem o diz é, obviamente, falso.

Idolatramos conceitos, palavras cujo significado nem sempre conseguimos definir com precisão, mas que não podem ser questionadas de forma alguma. Idolatramos referências intelectuais e políticas, instituições e até países cujas opiniões e ações não podem ser escrutinadas sob ameaça de acusações de traição. Apontamos para as contradições nas condutas de outras pessoas, mas perdemos a capacidade de sermos críticos com relação à nossa própria conduta.

Eu comecei brincando que, no meu caso, “procrastinar” deveria estar na lista de transgressões que confessamos neste Iom Kipur — mas a verdade é que deveríamos adicionar “tivemos certezas demais”. Com relação à política, com relação à cultura, com relação ao nosso julgamento das pessoas com quem interagimos, com relação ao judaísmo — tivemos certezas demais e demos espaço de menos para a dúvida, para o questionamento sincero e verdadeiro.

É sempre difícil dizer que estamos no fundo do poço, porque com frequência descobrimos que dava pra descer ainda mais, mas é inegável que vamos mal. Nossas sociedades têm se tornado cada vez mais violentas, intransigentes e pouco acolhedoras às diferenças. O planeta clama para que prestemos atenção à crise ambiental que se torna a cada ano mais intensa e urgente. As redes sociais acirraram discursos extremistas e a pandemia corroeu nossa competência para o contato social com outras pessoas.

Mais do que nunca, precisamos ser capazes de abrir mão das nossas certezas e de fazermos mais perguntas. Perguntas tolas, perguntas difíceis, perguntas para as quais não sabemos se há resposta. O mundo precisa desesperadamente da criatividade que vem quando pensamos diferente, quando temos a coragem de quebrar os velhos ídolos e construir novos caminhos no desconfortável desequilíbrio de não saber.

Voltando ao comercial da Apple, o mundo precisa que sejamos um pouco loucos, desajustados, rebeldes, que criemos problemas. O mundo precisa que tenhamos um pouco mais da chutspá de Avraham. 

Shaná Tová e G’mar Chatimá Tová!

[2] 1 Reis 8:27
[3] Isa. 58:3b-4,6-7
[4] Abraham Joshua Heschel, The Prophets, p. 12.
[5] Jeffrey K. Salkin. The Gods are Broken . Pgs. xv-xvi
[6] Bereshit Rabá 42:8
[7] op. cit. p. xvi-xvii



sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Dvar Torá: Tshuvá por nossa história coletiva (CIP)


No longínquo ano de 2014, eu trabalhava em uma escola judaica de São Paulo e levei uma turma de alunos do Ensino Médio para a Marcha da Vida, a visita aos campos de concentração e extermínio que ajudaram a praticamente exterminar a vida judaica em diversos países europeus durante a Segunda Guerra Mundial. Quando estávamos na Polônia, eu encontrei o Celso Zilbovicius, amigo desta casa e meu amigo pessoal, diretor pedagógico da Marcha dos Universitários, organizada pelo Fundo Comunitário de São Paulo. Eles tinham ido pela primeira vez a Berlim, que não fazia parte do nosso roteiro e eu lhe perguntei como tinha sido. “Eles se encontraram com seu passado e com toda a dor que dele deriva de forma verdadeira e corajosa”, ele me disse. “A partir de agora, nosso roteiro sempre passará a incluir a Alemanha” na Marcha. 
Esse encontro verdadeiro e corajoso com nossos erros tem nome na tradição judaica: “tshuvá”, que vem da raiz “lashuv”, “retornar”. Em hebraico contemporâneo, “tshuvá” quer dizer “resposta”, da mesma forma que, em português, nós dizemos que daremos “retorno” a algum questionamento mais complexo depois de averiguá-lo. Quando mencionamos “tshuvá” no do contexto judaico ao qual eu estou me referindo, é muito frequentemente traduzido como “arrependimento”, mas é um conceito muito mais complexo e estruturado do que o que normalmente entendemos por “arrependimento”.

O rabino Joseph Soloveitchik, a principal referência do Ortodoxia Moderna norte-americana no século XX carinhosamente chamado de “O Rav”, falaou assim sobre a tshuvá:
É um preceito cuja essência não está na realização de certos atos ou feitos, mas sim em um processo que às vezes se estende por toda uma vida, um processo que começa com o remorso, com o sentimento de culpa, com a crescente consciência do homem de que não há propósito para sua vida, com uma sensação de isolamento, de estar perdido e à deriva no vácuo, de falência espiritual, de frustração e fracasso - e o caminho a ser percorrido é muito longo, até que o objetivo do arrependimento seja realmente alcançado. O arrependimento não é uma função de um ato único e decisivo, mas cresce e aumenta de tamanho lenta e gradualmente, até que o penitente sofre uma metamorfose completa, e então, depois de se tornar uma nova pessoa, e só então, ocorre o arrependimento. [1]
Tshuvá é um tema central da preparação espiritual que nos leva a Rosh haShaná e a Iom Kipur e da liturgia das Grandes Festas. Também é, pelo menos gramaticalmente, importante na parashá desta semana, na qual temos 8 variações verbais de “lashuv” em apenas 10 versos [2]. Certamente, não é por coincidência que os rabinos estruturaram o ciclo de leituras da Torá de forma que parashat Nitsvamim caísse quase sempre no Shabat antes de Rosh haShaná.

Hoje eu queria propor um exercício um pouco diferente daquele que vamos fazer em Rosh haShaná e Iom Kipur. Lá, o foco será, na maioria das vezes, os erros que cometemos individualmente, as pessoas que ofendemos pessoalmente, as formas como nos afastamos da pessoa que gostaríamos de ser. Hoje, eu queria que pensássemos em um processo mais coletivo de tshuvá, de pensarmos como comunidade, como sociedade, como nação, as formas como erramos no nosso passado e a forma como, em muitos destes casos, a tshuvá verdadeira e profunda, como definiu o Rav Soloveitchik.

Como vocês devem saber, eu escuto muitos podcasts e nas últimas semanas, uma coincidência de efemérides me levou a pensar em nossos erros históricos cujos processos de tshuvá ainda estão no início: de um lado, os 200 anos da Independência do Brasil, em especial quando avaliados em perspectivas distintas daquelas que eu aprendi na escola — olhando para estes processos a partir do olhar de mulheres, de negros, de indígenas e de outros grupos cujas experiências históricas foram quase apagadas mas que agora começam a re-aparecer [3]. De outro lado, a semana que vem marcará 30 anos do Massacre do Carandirú, no qual 111 presos foram brutalmente assassinados, sem que nenhuma pessoa tenha ido para a prisão. Estes são dois temas caros para mim, que talvez não sejam para vocês, mas podemos todos concordar que merecemos um encontro profundo e verdadeiro com nosso passado, que este processo será dolorido e nos causará constrangimento, mas que ao final dele sairemos melhores e mais fortes. Guardadas as proporções, o exemplo da Alemanha sempre ecoa nos meus ouvidos quando penso neste tema — certamente não foi fácil para um geração de alemães que não tinham nascido quando a Shoá foi perpetrada por seus pais, avós e bisavós falar dos erros como se fossem pessoalmente deles, mas nenhum processo que levasse a menos do que isso levaria à transformação necessária.

A rabina Danya Ruttenberg publicou há algumas semanas um livro sobre este assunto entitulado “On Repentance and Repair”, “Sobre o Arrependimento e o Reparo”, no qual ela se baseia nos ensinamentos de Maimônides sobre a tshuvá para analisar o momento que a sociedade norte-americana vive hoje. Em suas palavras:
O trabalho de se arrepender completamente é o trabalho de transformação. É o trabalho de enfrentar histórias falsas e se envolver com a realidade dolorosa. É o trabalho de estar aberto para nos ver como realmente somos, de entender que as necessidades e a dor de outras pessoas são pelo menos tão importantes - se não mais - do que as nossas. É sobre descobrir como ser o tipo de pessoa que vê o sofrimento dos outros e assume a responsabilidade por qualquer papel que possamos ter em causar isso. É sobre reconhecer sua responsabilidade - reconhecer quem fomos e o que fizemos, e também reconhecer a pessoa que somos capazes de nos tornar.
Na estrutura que ela adota, fortemente baseada na que propôs Maimônides, há cinco etapas no processo de tshuvá:
  1. Reconhecimento do erro e da sua responsabilidade por ele. Aqui, a rabina Danya destaca que é fundamental ser o mais específico possível e indicar porque essa ação machucou outras pessoas. Pedidos genéricos de desculpas, sem indicar o motivo ou sem reconhecer nossa culpa não levam ao processo de tshuvá verdadeiro. Nas suas palavras: “Uma pessoa não pode se arrepender se não entender por que o que aconteceu é realmente um grande problema – por que a pessoa que foi magoada está realmente ferida.” O exercício de empatia, de reconhecer uma situação da perspectiva de outra pessoa, que não necessariamente tem os mesmos valores que você, e entender como tuas ações a machucaram não é trivial mas é profundamente necessário, como reconhecemos quando somos nós as vítimas da ofensa.
  2. Começar a mudar. Nas palavras de Maimônides: “O que é arrependimento completo? O [caso de] alguém que tinha o poder de repetir uma transgressão, mas se separou dela e não o fez porque se arrependeu” [4]. Mudar sempre é difícil. Carregamos conosco nossos vícios, nossas manias — nos acostumamos com eles, não queremos abrir mão de quem fomos até agora. No entanto, se não nos transformarmos, continuaremos tomando as mesmas decisões e cometendo os mesmos erros.  Não há processo verdadeiro de tshuvá sem uma mudança de algo significativo em quem somos. Na época de Maimônides, as ferramentas para esta etapa incluíam a reza em súplica, a doação financeira, colocar-se em situação de vulnerabilidade — como ir morar em outro lugar — para desinflar o ego e permitir que a mudança ocorresse. A rabina Danya propõe uma atualização desta lista, adicionando terapia, meditação, e se educando sobre os temas relacionados à ofensa para garantir uma compressão mais sofisticada e complexa do que está em jogo. 
  3. Restituição e Aceitação das Consequências. Maimônides listou cinco categorias nas quais a restituição deveria ser paga em casos de dano físico: pela ofensa em si mesma, pela dor, pelos custos médicos, pelo tempo sem trabalhar e pela humilhação.  Para cada uma destas categorias, poderíamos pensar qual sua melhor aplicação em cada caso. Se uma pessoa, em função de um ato causado por outro, perdeu a oportunidade de continuar na sua área profissional, por exemplo, a restituição pode incluir o custo de treiná-la em outra profissão, de tal forma que ela possa voltar a ter um emprego.
  4. Desculpas. Mesmo depois que uma pessoa fez “restituição da dívida monetária, ela é obrigada a apaziguar [a pessoa prejudicada] e implorar seu perdão. Mesmo que ela só tenha ofendido a outra pessoa verbalmente, ela deve apaziguar e implorar até que [a parte prejudicada] a perdoe.” De acordo com a rabina Danya, “um verdadeiro pedido de desculpas não se destina à pessoa que foi ferida, mas é dada em relação a ela. Requer vulnerabilidade e escuta empática; exige uma oferta sincera de arrependimento e tristeza por suas ações. Requer compreensão de quando aproximar-se de uma vítima pode prejudicá-las ainda mais e navegar por isso com sensibilidade. O objetivo não é fazer mais danos, mas fazer um trabalho que seja de cura, de reparação. Isso significa que as necessidades da vítima devem sempre estar no centro do processo.”
  5. Tomando decisões diferentes. O processo de tshuvá só está completo quando, apresentado com um contexto semelhante, tomamos decisões distintas. Somos frutos do hábito e, sem querer, tomamos decisões muito parecidas uma vez depois da outra. Mudar esta forma de agir exige intencionalidade e reconhecimento do impacto das nossas ações.
A rabina Sharon Brous, de cuja comunidade eu tive a honra de fazer parte em algum momento, sempre diz que o judaísmo é paradoxalmente exigente e otimista ao mesmo tempo. De um lado, nos aponta com frequência a necessidade de tshuvá, de transformação profunda; de outro, sempre acredita no nosso potencial de nos transformarmos e oferece inúmeras oportunidades para fazê-lo. Neste sentido, a rabina Danya cita Rav Nachman de Brestlav: “Se você acredita que pode causar danos, acredite que pode consertar. Se você acredita que pode machucar, acredite que pode curar.”

Que estas Grandes Festas sejam uma experiência transformadora para todos nós, individual e coletivamente e que em 5783 nos encontremos com a versão de nós mesmos que sempre sonhamos ser.

Shabat Shalom! Shaná Tová!


[1] Pinchas Pelo, “On Repentance: The Thought and Oral Discourses of Rabbi Joseph Dov Soloveitchik”, p. 75
[2] Deut. 30:1, 2, 3 (3x), 8, 9, 10
[4] On Repentance and Repair, p. 52/381 (e-book) 

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Dvar Torá: Um conversa entre Unetanê Tokef e Col Nidrei. Iom Kipur 5782 (CIP)


Era uma vez um reino no qual viviam dois príncipes que nunca se encontravam. Eram primos entre si e muito queridos pelos habitantes do reino. Na verdade, havia gente de fora do reino que viajava por horas apenas para poder estar na companhia de um deles… 

E, apesar das suas inúmeras aparições públicas, sempre cheias de gente ao redor, ninguém jamais tinha visto os dois príncipes juntos — e muitos se perguntavam como seria o encontro entre os dois príncipes, tão carismáticos e tão diferentes.

Um deles, aquele que todos consideravam o mais novo, alternava entre uma abordagem doce e paterna com a postura rígida de um membro da família real. Quando brincava de faz-de-conta, gostava de assumir todos os papéis ao mesmo tempo: era o rei, o juiz, a testemunha, o perito, e também a vítima e o algoz. Na mistura destes papeis, encorajava a todos a serem muito cuidadosos em suas condutas e a procurarem reparar qualquer mal que tivessem causado.

O outro príncipe era bastante mais formal. Quando falava, usava palavras estranhas, que as pessoas não costumavam usar no dia-a-dia, quase como se tivessem saído das páginas de um contrato ou de um procedimento jurídico. Quando via outra criança chorando, com medo das consequências de algo que tinha dito, lhe dizia que não fazia mal, que as palavras poderiam ser anuladas e até lhes ensinava um truque para que as palavras fossem anuladas antes mesmo de serem ditas. Algumas crianças saíam destes encontros recompostas, prontas para retomarem a brincadeira sem maior malícia; outras, no entanto, acabavam aproveitando o truque para dizerem o que bem quisessem, sem se importar se magoassem alguém.

Muitas eram as pessoas do reino que se perguntavam como seria um encontro entre os dois príncipes: o que um diria ao outro. Será que se abraçariam ou se tratariam com frieza?

Quem sabe você vive ou conhece uma situação similar à dos dois príncipes?! Nas páginas dos nossos machzorim, parece que algumas rezas também poderiam ganhar bastante do encontro e do diálogo com outras que vivem a poucas páginas de distância. Para quem tem o Machzor Chatimá Tová da CIP nas mãos, eu vou pedir para vocês abri-lo na página 4, que tem o final do Col Nidrei e deixar um dedinho aí e colocar um outro dedo na página 198, no comecinho do Unetanê Tokef. Para quem tem o Machzor Completo, que a Hebraica usa, coloquem o primeiro dedo na página 244 da primeira seção, dedicada a Rosh haShaná e o segundo dedo na página 21 da segunda seção, dedicada a Iom Kipur.

Se essas duas rezas se encontrassem, o que será que diriam uma à outra?

Podiam começar contando suas histórias e seus mitos de origem. Um mito, que eu escutei pela primeira vez na escola judaica onde estudei, diz que o Unetanê Tokef foi escrito no século 11 pelo rabino Amnon de Mainz, que foi obrigado a se converter ao Cristianismo pelo arcebispo da sua cidade. Em uma tentativa de atrasar o processo, o rabino teria pedido 3 dias para pensar, mas imediatamente se arrependeu de ter dado a impressão de que consideraria a proposta, e pediu que sua língua fosse cortada. Ao invés disso, o arcebispo teria ordenado suas pernas e braços amputados. Alguns dias depois, em Rosh haShaná, o rabino teria pedido para ser levado à sinagoga. Lá, agonizando, o rabino teria proclamado as duras palavras do Unetanê Tokef em seus últimos suspiros. Apesar da popularidade desta história, fragmentos descobertos na guenizá do Cairo, o imenso acervo de documentos históricos judaicos encontrados no sótão de uma sinagoga no Egito, indicam que a composição do Unetanê Tokef é bem anterior, sendo conhecida, pelo menos, desde o século 8. 

Frente a uma história de origem tão rica para o Unetanê Tokef, o Col Nidrei também poderia contar a sua origem [1]. Na época dos gueonim, no meio do século 9, o sidur de Amram Gaon menciona que o antecessor do seu antecessor, um século antes, tinha ouvido sobre o Kol Nidrei — uma reza que cancelava votos e promessas e sobre a qual nenhum destes sábios tinha nada simpático a dizer. Apesar das críticas quase universais, o mundo judaico foi se apegando ao Col Nidrei, até que quatro séculos depois, no século 13, já era uma reza estabelecida como prática em Iom Kipur. Foi nesta época que a linguagem, que até então cancelava votos e promessas feitos no ano passado, foi alterada para cancelar votos e promessas que seriam feitas no ano seguinte. Apesar da sua popularidade, com o surgimento do Iluminismo Judaico na Europa Central e o desenvolvimento de leituras críticas da tradição judaica, o Col Nidrei voltou a ser o alvo de ataques no século 19 por colocar em risco a credibilidade judaica em um contexto que tentava garantir a igualdade civil perante a lei. E, mesmo assim, o Col Nidrei ficou — um sobrevivente litúrgico frente a tantas críticas.

Unetanê Tokef, então contaria, um pouco do que diz. Engrossaria a voz, endireitaria a coluna e declamaria:

Em Rosh Hashaná está escrito, e no jejum de Yom Kipur é selado!

Quantos vão passar, e quantos vão nascer; quem vai viver e quem vai morrer; que viverá uma vida longa e quem chegará a um fim prematuro; quem morrerá pelo fogo e quem pela água; quem pela espada e quem por animais; quem pela fome e quem pela sede; que pelo terremoto e quem pela peste; quem será estrangulado e quem será apedrejado; quem estará em paz e quem será perturbado; quem estará sereno e quem estará perturbado; quem estará tranquilo e quem estará atormentado; quem empobrecerá e quem ficará rico; quem cairá, quem se levantará.  

Mas tshuvá, tfilá e tzedaká têm o poder de transformar a dureza do decreto. 

Assim como o shofar, o Unetanê Tokef é um alarme que nos convida a contemplar como alteraríamos nossa conduta no mundo se descobríssemos que este ano é o último, que não vamos receber uma segunda chance.

De algum jeito, passamos este último ano inteiro nos fazendo esta pergunta: “e se não passarmos deste ano?”

  • porque estávamos preocupados com nossa própria saúde e com a das pessoas que nos são mais importantes e queridas no mundo;
  • porque percebemos que haviam sinais de uma iminente crise sanitária global e continuamos vivendo sem tomarmos as precauções ou nos preparamos para lidarmos com suas consequências;
  • porque vendo o impacto desigual que a pandemia teve sobre os segmentos mais oprimidos das nossas sociedades, nos demos conta de que precisamos urgentemente fazer Ticún Olam e transformar a estrutura de um mundo que constantemente produz desigualdade e injustiça extremas;
  • porque ao assistirmos passivamente a Amazônia e o Pantanal queimarem e fenômenos climáticos radicais acontecerem ao redor do globo, nos perguntamos que mundo estamos deixando para nossos filhos e netos;
  • porque vimos democracias serem questionadas em várias partes do planeta, incluindo no nosso cantinho, vislumbramos o retorno a um passado que imaginávamos enterrado.

Não faltaram erros que nos levaram a este 5781 complicado. Erros são importantes, desde que os reconheçamos, enderecemos e busquemos mudar nossas condutas. Este processo, que a tradição chama de tshuvá, o retorno à melhor versão de nós mesmos, não é possível sem o reconhecimento de erros e sem transformações profundas — sejam elas pessoais ou sociais. Somos todos criaturas do hábito e evitamos mudar a todo custo. Unetanê Tokef e o ano de 5781 escancararam na nossa frente que não é mais possível adiar. Expostos a esta realidade, muitos de nós decidimos fazer de 5782 uma experiência radicalmente diferente do ano passado.

Col Nidrei escutava tudo isso pensativo, cabisbaixo. Quando, depois de pensar sobre tudo o que Unetanê Tokef dizia, resolveu se manifestar, ele leu um pedaço do seu texto:

 “todos os votos, proibições, juramentos (…) deste Iom Kipur até o próximo Iom Kipur (…) sejam todos cancelados, de todos nos arrependemos, sejam abandonados, interrompidos, anulados e invalidados, não ocorridos e inexistentes. Que os votos não sejam votos, que os juramentos não sejam válidos.”

Houve um grande silêncio. Se as decisões que tomamos frente ao desafio da nossa própria mortalidade e a do nosso planeta foram canceladas, isso quer dizer que permanecemos livres para continuar nos caminhos que nos trouxeram até esta crise? Será que Col Nidrei também anula nossas resoluções de transformação profunda?

Por um tempo, eu perdi meu próprio caminho nesta conversa entre Unetanê Tokef e Col Nidrei. Um artigo da rabina Ruth Durchslag me ajudou a reencontrá-lo, justamente no silêncio. Ela mostra como Col Nidrei opera sob a premissa de que as palavras das nossas promessas e votos não têm importância e nos traz uma série de outros exemplos de como as palavras são valorizadas na tradição judaica. Afinal de contas, foi através das palavras que Deus criou o mundo! As duas perspectivas têm eco na tradição!

Nas palavras da rabina Durchslag:

Se mesmo as palavras do dia-a-dia são importantes, então nossas palavras de promessa e confissão deveriam ser ainda mais importantes. Como, então, podemos declarar nossas promessas nulas e sem efeito em Iom Kipur? Como pode ser que façamos algo tão essencialmente "não-judaico" em um dos dias mais sagrados do ano?

Talvez a resposta esteja no que acontece quando retiramos nossas palavras. O objetivo de retirar as palavras pode não ser para anular seu impacto, mas para revelar o silêncio que permanece quando elas se vão. Vladimir Horowitz, o grande pianista, certa vez explicou seu gênio musical dizendo: “Eu não toco as notas melhor do que muitos pianistas, mas as pausas entre as notas - ah! É aí que reside a grande arte."

Parece que Deus também entendeu a importância das pausas. Se Deus criou o mundo com palavras, o Shabat deve ter sido o momento para Deus permanecer em silêncio. No Shabat, Deus simplesmente parou de falar para refletir sobre o que o Divino havia dito e, portanto, feito. Deus entendeu o poder de refletir sobre nossas vidas de um lugar de silêncio. Os judeus conhecem o poder criativo das palavras, mas também entendemos que o silêncio é um espaço sagrado. [2]

E assim, no silêncio, os dois primos se encontraram — as palavras canceladas, mas a descoberta verdadeira da mesma forma.

Que do encontro entre a rigidez do Unetanê Tokef e a leniência do Col Nidrei, encontremos compreensão no nosso próprio silêncio. Que as palavras ditas e não ditas nos nossos processos pessoais e coletivos de tshuvá gerem sentimentos, emoções, intuições que nos permitam ir além do simples significado das palavras e nos sustentem no processo. Que aquilo que não foi dito seja capaz de nos encorajar a buscar a transformação com afinco ao mesmo tempo em que somos generosos com nossas próprias limitações. Que mesmo com o toque de um grande shofar, ainda consigamos escutar um pequeno suspiro.

Shaná Tová! Gmar chatimá Tová!


[1] Lawrence A. Hoffman - “Morality, Meaning, and the Ritual Search for the Sacred” in All These Vows: Kol Nidre, p. 3-21.. 
[2] Ruth Durchslag,”Words Mean Everything , Words Mean Nothing — Both Are True”, All These Vows: Kol Nidre, p. 137-141.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Dvar Torah: Yom Kippur Morning (UIUC Hillel)


It was not an easy decision to start walking with a kipah six or seven years ago. I wanted it to be a constant reminder that l was walking in God's presence, that I am here to serve the world and not the other way around, that the people I interact with, from the prospective student to the University president, from Hillel's largest donor to the beggar at the street corner, from my newborn baby to my 100-year-old grandmother, we are all created in the Divine image and we deserve to be treated with dignity. It was also a symbol to the rest of the world, showing that l was serious about my engagement with my Jewish tradition, and that l was studying to become a rabbi. My reluctance, on the other hand, had to do with expressing what kind of religious Jew I was becoming, a message that was not carried by my kipah, even when I tried a gorgeous pink one.

 

But back to acknowledging Gods presence in all moments of my life, which was a huge factor in the decision. What about the moments in which I don't want anyone with me? Times in which I am about to do something that I know is wrong ‐ or simply, when I want to go the bathroom? Yeah.... The bathroom was one of my big crisis with my kipah for quite some time and it took me two or three years to stop taking my kipah off when I went there. Lets acknowledge: there is the beauty of religion, the intricate poems we read and the lofty sermons we hear at services - and there is the messiness of life, with bathrooms and dirt, and poverty, and wars; and we are all much better served if we can keep these two worlds (the synagogue and the real world) as separate as possible.

 

Except that this approach is the very opposite of what the Jewish tradition has to say on the matter. Judaism, as a way of living, is not limited to the four walls of this room. If Torah is really meant to become a tree of life, it needs to encounter life, and this encounter can only happen when we open our whole lives to the values we talk about during religious services.  Without being with us when we meet our daily lives and dirt, and poverty, and wars, Judaism loses much of its power and significance. 

 

And before we get to the topic of sex, let me start with a story and a request. First, the story:

 

A few months ago, Lisa Brown, a Michigan State Representative, was suspended from speaking on the House Floor because she mentioned the word "vagina." Does anyone here know what she said before she got to the word vagina? Here it is the text:

 

Yesterday we heard the representative from Holland speak about religious freedom. Im Jewish. I keep kosher in my home. I have two sets of dishes, one for meat and one for dairy, and another two sets of dishes on top of that for Passover. Judaism believes that therapeutic abortion, namely abortions performed in order to preserve the life of the mother, are not only permissible but mandatory. The stage of pregnancy does not matter. Wherever there is a question of the life of the mother or that of the unborn child, Jewish law rules in favor of preserving the life of the mother. The status of the fetus as human life does not equal that of the mother. The status of the fetus as human life does not equal that of the mother. I have not asked you to adopt and adhere to my religious beliefs. Why are you asking me to adopt yours?

And finally Mr. Speaker, I'm flattered that you're all so interested in my vagina but no means no.

 

Regardless of your position on the abortion debate, Rep. Brown was making a thoughtful claim for religious freedom in this country - and, yet, most people don't have any idea of what she said, and she is now famous nationally because of one word: vagina.

 

So, this is my request: today we are going to talk a bit about sex but, more importantly, we are going to talk about human dignity. Keep that in mind. Dont let the word "sex" prevent you from listening to the values that we will discuss here today.

 

And, for the record, before my speaking privileges are also revoked for speaking about sex on Yom Kippur ‐ I am not the one who made the choice of topic. It's part of the traditional liturgy for this day. The text that is traditionally read on Yom Kippur afternoon is Leviticus 18, which you will find in your blue booklets and deals with rules of proper sexual behavior. There we find prohibitions against incest, and against sexual acts practiced as part of pagan religious ceremonies, and against sex with animals. We also find the following statement: “do not lie with a man in the ways of lying down with a woman; it is an abomination. (verse22) This verse had been used as textual proof that homosexuality [at least male homosexuality) is absolutely forbidden by the Jewish religion.

 

Now... let me go on a detour and give you some background for how I think we need to read this text, and all of Torah for that matter. I do not see Torah as a lesson plan, a document telling me how to conduct my life, step by step. God created us in the Divine image and gave us the intellect and the capacity to discern right and wrong, good and bad and, therefore, make our own decisions. To stay within the realm of metaphors in the field of education, I see Torah as a set induction. Set induction are the activities the teacher does in the beginning of a class to stir peoples interest in the matter.

 

So, when I read the verse do not lie with a man in the ways of lying down with a woman; it is an abomination," I do not read it as an absolute condemnation of same sex relationships, I read as an invitation to discuss the ethics of intimate relationship and get to conclusions that are relevant to me, my generation, my values and the world I live in. Homosexuality might even be one of the topics of the conversation, but it is certainly not the only one - and while Iwant Jewish values at the center of this process, I have the right to get to conclusions that are not the traditional ones. In the words of Rabbi Mordechai Kaplan, one of the most influential Jewish thinkers of the 20th century, "Tradition has a vote, but not a veto.

 

It might sound revolutionary, but it is the traditional rabbinic way of reading the Torah. In Deutoronomy 21:18-21, parents are instructed to take their rebellious children to the gates of the city, so they could be stoned to death. I have met many rebellious children in my life (and I might have been one myself.) but I have never heard of anyone being stoned because of this. The rabbis understood that the text was an invitation to discuss relationships between children and their parents - not a free card to physical punishment as a form of education. A rabbinic text from the 2nd century asks why these commandments were included in the biblical text and the answer is, so that you can learn it, discuss it , and be rewarded through your growth.

 

Many Reform, Reconstructionist and Conservative communities have, for many years, abstained from engaging in this conversation. Different from the perspective I am trying to transmit here, it was understood that this passage was not an appropriate reading for Yom Kippur. You wont find it in your Reform Machzor. But this approach has been challenged in the past 10 or 20 years. In the words of Jewish Feminist Theologian, Judith Plaskow,

 

As someone who has long been disturbed by the content of Leviticus 18, I had always applauded the substitution of an alternative Torah reading - until a particular incident made me reconsider the link between sex and Yom Kippur. After a lecture I delivered in the spring of 1995 on rethinking Jewish attitudes toward sexuality, a woman approached me very distressed. She belonged to a Conservative synagogue that had abandoned the practice of Leviticus 18 on Yom Kippur, and as a victim of childhood sexual abuse by her grandfather, she felt betrayed by that decision. While she was not necessarily committed to the understanding of sexual holiness contained in Leviticus, she felt that in quietly changing the reading without communal discussion, her congregation had avoided issues of sexual responsibility altogether. She wanted to hear her community connect the theme of atonement with issues of behavior in intimate relationships, to have it publicly proclaim the parameters of legitimate sexual relations on a day when large number of Jews gather. (Judith Plaskow, Sexuality and Teshuva: Leviticus 18" in Beginning Anew, p. 291)

 

I don't want to scare anyone, but I find it important to talk about some of the statistics of sexual violence on college campuses:

   One in five women are raped during their college years.

   In two third of the cases, the attackers were classmates or friends. In 25%, they were boyfriends or exboyfriends.

   More than one in 5 men report "becoming so sexually aroused that they could not stop themselves from having sex," even though the woman did not consent.

   In a survey of students at 171institutions of higher education, alcohol was involved in 74% of all sexual assaults. http://wwwnyu.edu/shc/pmmotion/svstat.html

 

We simply cannot afford not to have this conversation or to claim that this is not a Jewish issue! Risks are simply too high ‐ there is too much at stake.

 

Remember my kipah and my attempt to be always reminded that every person I meet was created in the Divine image and deserves to be treated with dignity. Treating with dignity, in my view, involves not humiliating or hurting another person; not manipulating people for our own satisfaction; recognizing their feelings, thoughts and desires as much as we recognize our own. Are you being treated  with dignity when you go out at night, or when you are in a loving relationship? Are you treating other with dignity? How would you define dignity? What role can Judaism have as you think about these questions?

 

Talking about these issues is not easy - and the topic itself is a complicated one. Rabbi Danya Ruttenberg, who is nowworking at the Fiedler Hillel in Northwestern University, wrote,

 

Jewish sexuality is nothing if not complex. And, perhaps, Jewish sexuality ‐ or, at least, our understanding of it - may be more complex now than ever before. Over the last generation or so, the effects of postmodernism, feminism, and queer libration have become all too keenly felt, creating something of a sea change in how we address sex and sexuality. More people than ever are talking about how to maximize sexual empowerment between consenting adults, and the belief that sexuality itself is a societal construct worthy of examination is becoming increasingly widespread. As a result of work both in the academy and in people's real lives, a whole new set of questions with which to address our time-honored traditions has become apparent. There are new ways to challenge the tradition's underlying assumptions, to think about how an ancient idea might speak to our current, ever evolving understanding of human potential, and perhaps to offer thorny sources a little sexual healing.

 

Our tradition teaches לא עליך המלאכה לגמור ולא אתה בן חורין לבטל ממנה. It is not upon you to finish the work, but you are not fee to desist from it. We are not going to finish addressing these questions here today - but l wanted to instill the seeds for this conversation to continue happening and Hillel is interested in creating the framework - a safe space for thoughtful, honest and respectful conversation on the topic of Jewish sexual ethics, aiming at both learning and getting to your own conclusions. If you would like to be part of it , please come talk to me or send me an email.

 

Gmar Chatimah Tovah - may we all be inscribed and sealed in the book of life for a year full of joy, happiness, growth and engagement with the world.