sexta-feira, 23 de junho de 2023

Dvar Torá: Uma educação judaica para os nossos tempos (CIP)


Há algumas semanas, eu recebi um pedido por WhatsApp da Priscila Karaver, coordenadora do Man’higut, o programa de preparação de madrichim e desenvolvimento de lideranças da CIP. Na mensagem, ela perguntava quais textos judaicos eu achava que eram essenciais na formação de um madrich. Aos ouvidos de um rabino, um pedido assim é a música que mais gostamos de escutar.

Desde então, tenho pensado em quais seriam estes textos na minha opinião e tenho visto meus colegas também procurando os textos essenciais na opinião deles. Curioso, fui olhar na pasta que Pri tinha compartilhado comigo para ver quais respostas já tinham sido enviadas e fiquei satisfatoriamente surpreso ao encontrar na lista um livro para bebês, daquele com muitas ilustrações, pouco texto e impresso em cartão grosso. O livro, de autoria da rabina Sandy Sasso, se chama “What is God’s Name?” e apresenta uma pluralidade de visões sobre o Divino, em um contexto que é simultaneamente muito judaico e intensamente plural. Usa uma linguagem acessível para crianças pequenas sem banalizar um assunto com o qual muitos de nós temos dificuldade de falar com abertura, especialmente com crianças pequenas, dando espaço para que elas desenvolvam suas próprias hipóteses parar onde está Deus no nosso mundo. Sandy Sasso é, na minha opinião, a melhor autora de livros infantis judaicos, tratando de assuntos importantes em linguagem acessível a crianças e a adultos, levantando questões muito significativas para todas as idades.

Há alguns anos, eu estava no carro e pude escutar uma entrevista dela na rádio. Uma ouvinte ligou e lhe perguntou:

Eu fui criada na Igreja Batista. Eu explorei uma variedade de religiões, tudo do judaísmo ao paganismo e voltei ao cristianismo e me juntei à Igreja Episcopal, porque é o que parece certo para mim. O que eu luto é como dar ao meu filho de sete anos e à minha filha de três anos a liberdade de encontrar seu próprio caminho para Deus e para a verdadeira espiritualidade, você sabe, em oposição à religião imposta pelos pais. Meus dois filhos gostam do aspecto social da igreja e, você sabe, fazem as perguntas habituais sobre Deus, mas quero que eles encontrem a paz que encontrei e não tenho ideia de como encorajar isso.

Era um domingo de manhã, eu voltava da sinagoga onde eu fazia meu estágio e quase bati o carro com essa pergunta para a rabina, pensando que pais judeus tipicamente não querem que seus filhos explorem opções religiosas diferentes das suas — mas a verdade é que gostaríamos que eles encontrassem nas suas vidas respostas que fossem verdadeiras para eles, incluindo no âmbito religioso. A rabina Sasso desviou dos aspectos mais polêmicos da pergunta e focou sua resposta no ensino de valores: 

Nós lemos toneladas de livros, o que dar de comida para [nossos filhos], como criá-los, como fazê-los dormir, como ensiná-los a usar a privada. Devemos também nos empenhar em nos educar sobre nossa própria vida espiritual, porque é muito difícil compartilhar com as crianças o que você está pensando se não estiver pensando sobre essas questões. Então, acho que primeiro precisamos nutrir nossa própria vida espiritual. E a maior parte do que fazemos em termos de nutrir a espiritualidade de nossos filhos realmente acontece quando ninguém mais está olhando, o que significa que nem tudo está planejado. É o que acontece todos os dias. Quero dizer, o que você faz quando vê uma pessoa em situação de rua na rua? Como você reage quando um animal é atropelado na estrada, um esquilo, por exemplo? Como agimos com outras pessoas? Todas essas são mensagens para nossos filhos sobre o que realmente importa na vida, o que é precioso, o que é mais importante do que ganhar a vida e seguir nossa rotina diária.

Acho que a sociedade faz um trabalho muito bom em nos ensinar como ser consumidores e um trabalho muito bom em nos ensinar como sermos concorrentes.

A pergunta que acho que os pais estão lutando para responder é como não apenas ensinamos a mente de nossos filhos, mas como ensinamos suas almas? E essa é uma questão muito mais profunda. E sei que queremos que nossos filhos sejam mais do que consumidores e concorrentes.

Na Escola Lafer acreditamos que o judaísmo precisa nos ensinar a sermos humanos mais capazes, que vão além de seus papéis como consumidores e concorrentes.

Eu tenho um amigo que estudo educação física na faculdade e que sempre me disse "educação física não é educação do físico; educação física é educação pelo físico". De alguma forma, o mesmo conceito se aplica à educação judaica. Claro que educação judaica é ensinar judaísmo mas também é ensinar através do judaísmo. É como ensinamos os nossos filhos o que fazer ao encontrar uma pessoa em situação de rua ou um animal atropelado na estrada, o que fazer no encontro com outras pessoas.

Há um outro livro sobre o qual eu tenho falado muito nos últimos anos, em particular com meus alunos de educação adulta, chamado "Here All Along", algo como "Sempre esteve aqui", de Sarah Hurwitz. [2] Na introdução do livro, ela conta que era uma aluna de bat-mitsvá em uma sinagoga de subúrbio nos Estados Unidos e achava o que aprendia absolutamente chato. Ela consegue enrolar os pais para trocar de sinagoga, para uma em que o curso era mais fácil e menos vezes por semana. Depois de trocar, ela se arrepende e se dá conta de que, mesmo chato, o primeiro curso era bem melhor, mas já não tinha o que dizer aos pais para voltar para a primeira sinagoga. Ela aprendeu essa versão chata do judaísmo e nunca mais se engajou com educação judaica. Ela teve uma carreira de sucesso, tendo se tornado a redatora-chefe dos discursos da primeira-dama dos Estados Unidos. Quando o governo terminou, ela, sem ter muito o que fazer, resolveu se inscrever em um curso de judaísmo para adultos. Sobre o que ela aprendeu, ela escreveu: "Este não era o velho e rotineiro judaísmo da minha infância. Era algo relevante, infinitamente fascinante e vivo."

O desafio que temos na educação dos nossos jovens é como apresentar um judaísmo que não é só preocupado com a ordem do acendimento das velas da chanukiá, mas é preocupado com as questões mais importantes das vidas deles e das nossas. Como diz a rabina Sandy Sasso, se o judaísmo não for um fator nas nossas vidas, não tem como transmití-lo para os nossos filhos.

Na parashá desta semana, Côrach lidera uma rebelião contra Moshé: "se somos todos parte de uma nação de sacerdotes, por que só você está na liderança?" Ao final da história, Moshé continua como líder, mas podemos ler esta história e focar nas minúcias da narrativa ou podemos nos perguntar como ela se conecta com o momento que estamos vivendo, com a questão da democracia, sobre a forma de contestar o sistema político. Podemos usar a tradição judaica para ficar só nela, para ficar olhando para dentro de nós mesmos cada vez mais, ou podemos educar para um judaísmo que é sofisticado, que serve de lente, através da qual nos relacionamos com o mundo. 

Esse é o trabalho que fazemos na Escola Lafer. Em geral, as pessoas pensam que é um programa de preparação para B-Mitsvá mas é um programa de preparação de adultos judeus, no qual a cerimônia é só a desculpa que usamos para convencer as famílias a virem conversar com a gente, mas o trabalho que fazemos é pensar como estes jovens adultos judeus poderão funcionar em um mundo cujas dinâmicas nem conhecemos ainda, mas no qual esperamos que o judaísmo seja um fator importante nas suas decisões e nos seus valores.

Se vocês conhecem crianças que poderiam aproveitar uma abordagem assim, liga pra gente para pensarmos juntos como o judaísmo pode ser um fator na vida deles.

Shabat Shalom!


 

quinta-feira, 15 de junho de 2023

Orgulho na maioria e na minoria



Para o meu coração matemático, o livro de baMidbar, que em português é chamado de “Números”, é a oportunidade da unir duas paixões: os números e o judaísmo. Desta vez, tenho pensado sobre as aulas de matemática dos primeiros anos, ainda aprendendo sobre o significado de cada um dos símbolos e notações. Lembro-me bem da confusão entre os símbolos “maior” (“>”) e menor (“<”) e das regrinhas que usávamos para saber qual usar em cada situação. Uma regra dizia que a “boca aberta” do símbolo sempre deveria estar na direção da quantidade maior; outra nos ensinava a fazer um tracinho do braço inferior do símbolo – desta forma, um símbolo se tornava um “4” inclinado (o menor) e outro se tornava um “7” inclinado (o maior). Olhando hoje, com algum saudosismo, parece que naquele tempo era mais fácil determinar quais eram as maiores grandezas e quais eram as menores, mesmo que precisássemos recorrer a estes “truques” no processo.


Hoje em dia, os conceitos de “maior” e “menor” se tornaram bem mais complexos, especialmente se considerarmos seus derivados, a “maioria” e a “minoria”. Além dos conceitos numéricos, há situações de poder, nos quais quem está em maior número nem sempre tem mais destaque. Só como exemplo, pensem nas mulheres, que apesar de serem a maioria da população (51,1%), tem claramente muito menos poder que os homens.


Na parashá desta semana, Shelach Lechá, Deus indica a Moshé que escolha emissários para investigar a terra de Israel, na qual eles pretendem ingressar em breve. Das doze pessoas escolhidas, dez voltaram com um relato negativo; apenas duas reportaram que, apesar dos desafios, os israelitas tinham condições de, com o apoio de Deus, conquistar a terra. O grupo majoritário, ao defender que eles não conseguiriam vencer em combate, afirmava que os residentes da terra eram gigantes, que perto deles os hebreus eram como gafanhotos [1]. O povo em sua maioria seguiu a opinião dos dez enviados pessimistas, para indignação Divina. Moshé conseguiu convencer Deus a não matá-los todos logo ali, mas em resposta à falta de confiança daquela geração em si mesma, Deus determinou que eles vagassem pelo deserto por 40 anos, para que aqueles que entrassem na terra de Israel tivessem uma mentalidade distinta daquela visão derrotista.


Em seu comentário sobre esta parashá, o rabino Jeffrey Salkin afirma: “A opinião da maioria nem sempre está certa. (...) Muitas das grandes coisas da história mundial não aconteceram porque a maioria era a favor delas; muitas vezes é preciso uma minoria criativa de pessoas para convencer os outros a expandir sua visão.” [2] 


Vivemos em uma época de imensas e rápidas transformações. Da tecnologia ao meio ambiente, dos valores sociais aos modelos de negócio, o mundo nunca testemunhou tantas revoluções ao mesmo tempo. De um lado, muitos de nós nos sentimos confusos com tantas mudanças o tempo todo, com medo até. De outro lado, novas oportunidades têm sido criadas a cada dia; grupos que viveram silenciados por séculos, que se viam como gafanhotos indefesos frente a gigantes que os destruiriam se chamassem atenção, passaram a ter coragem de se expressar. Como a nova geração que pôde entrar em Israel, estes grupos historicamente silenciados passaram a demandar seu pleno reconhecimento, querem ser enxergados, reconhecidos, ouvidos e respeitados. Em alguns casos, são a maioria ou têm a maioria ao seu lado; em outros, talvez não sejam tão numerosos, mas querem o seu direito de pertencer plenamente. Afinal de contas, nossa tradição ensina que “salvar uma vida é como salvar todo o mundo” [3] ou seja, cada vida é única e tem valor, mesmo quando não está na maioria.



Nesta sexta-feira, teremos na CIP o Cabalat Shabat do Orgulho, uma oportunidade para vermos e sermos vistos, para escutarmos e sermos escutados, para amarmos e sermos amados, para respeitarmos e sermos respeitados. Maioria ou minoria, nos números ou no poder, que possamos todos nos sentir verdadeiros com quem somos e com a coragem de conquistar nossos sonhos, mesmo quando eles parecem inalcançáveis.


Shabat Shalom!



[1] Num. 13:33

[2] Jeffrey K. Salkin, “The JPS B’nai Mitzvah Torah Commentary”

[3] https://bit.ly/3PdnBgO


sexta-feira, 2 de junho de 2023

Dvar Torá: O culpado pelo ciúme é o ciumento (CIP)


Outro dia, eu estava com a minha filha de 14 anos (quase 15!) na cozinha e ela me disse: “pai, quando eu tiver 18 anos eu vou escrever um livro sobre você, que vai chamar ‘Meu Pai, o Rabino.’” Segundo ela, aqui nas prédicas eu me apresento como uma pessoa séria, respeitada, e ela queria apresentar o outro lado do pai dela. Um desses lados sobre o qual minha filha queria escrever no livro é o fato de que eu, com uma frequência incrível, choro nas séries ou nos filmes que assistimos juntos. O curioso é que eu não acho que me apresente aqui tão sério, e, mesmo que de fato minhas relações pessoais, especialmente com meus filhos, incluam facetas da minha personalidade que eu não necessariamente revelo profissionalmente, já aconteceram algumas vezes de a minha voz embargar e eu ter que segurar o choro em várias das minhas prédicas.

Esses dias, entre lágrimas, eu assisti o último episódio da série Ted Lasso, que passa na Apple TV+. Essa série, sobre um treinador de futebol americano universitário contratado para treinar um time de futebol profissional na Premier League inglesa, foi um fenômeno global em termos de reconhecimento dos críticos e prêmios para os quais foi indicada e que efetivamente venceu. No entanto, como a plataforma Apple TV+ não é das mais populares por aqui, imagino que a grande maioria de vocês não a tenha assistido — mesmo assim, eu vou tentar não dar nenhum spoiler importante.

O que me atraiu na série foi a forma como ela vai na contramão de várias outras séries de sucesso. Em um mundo no qual o culto à personalidade é tão forte como no futebol profissional, ele tenta nadar contra a maré. Ted Lasso é o que, no linguajar judaico, chamaríamos de mensch. Além dele, ao longo das três temporadas da série, os demais personagens se transformam profundamente, na maioria dos casos, procurando ser pessoas melhores. No episódio final, um dos personagens que mais cresceu, reúne um grupo de amigos para dizer que, apesar de estar tentando se tornar uma pessoa melhor, ele está inconsolável frente à percepção de que ele continua sendo a mesma pessoa. “Mas você queria ser outra pessoa?!”, Ted lhe pergunta. “Sim, alguém melhor”, ele responde, emendando com a pergunta, “As pessoas podem mudar?”. Outro personagem responde: “eu não acho que mudemos, só aprendemos a aceitar quem sempre fomos”. Um terceiro personagem, que neste finalzinho da série está imerso em um processo de t'shuvá, de recohecimento dos seus erros, e tentando corrigi-los, diz: “eu acho que as pessoas podem mudar. Vocês sabem, às vezes para pior e às vezes para melhor.” Mais alguém entra na conversa, dizendo: “seres humanos nunca serão perfeitos. O melhor que podemos fazer é continuar pedindo ajuda e aceitando-a quando pudermos. E se você continuar fazendo isso, você sempre estará indo na direção de melhorar.”

Nesse momento, com os olhos vermelhos e o rosto molhado, eu fico pensando que eles têm razão. Não somos perfeitos e o máximo que podemos pedir é que, de maneira geral, estejamos caminhando na direção da melhora. Na tradição judaica, ou pelo menos na parte da tradição judaica pela qual eu me apaixonei, Deus tampouco é perfeito — são inúmeros os midrashim em que Deus se arrepende de algo que tenha feito. Há um midrash, por exemplo, de acordo com o qual Deus criou vários mundos antes do nosso, mas não ficou contente com o resultado, os destruiu e criou um novo. [1] Mesmo depois de estar com este mundo completo, Deus decide destrui-lo através do Dilúvio e, frente ao comportamento dos israelitas, propõe a Moshé mais de uma vez destruir todo o povo hebreu e começar de novo, só com Moshé.

Eu tinha um chefe que dizia que os erros da equipe não o incomodavam, desde que cada vez cometêssemos um erro novo. Segundo ele, nossos erros indicavam que estávamos tentando coisas novas, nos arriscando; algumas dessas tentativas dariam certo e outras, não. Se não fôssemos capazes de aprender dos nossos erros, no entanto, aí teríamos um problema. Nessa mesma linha de pensamento, quando a Fundação Kohelet criou um prêmio para a Educação Judaica, uma das 6 categorias foi “tomada de risco e fracasso” [2] — só não erra quem não toma riscos e mantermo-nos parados no mesmo lugar de sempre é a receita mais certeira para nos tornarmos irrelevantes muito em breve.

Essa forma de reconhecer e encarar nossa imperfeição e a intenção de caminharmos para frente pode ser aplicada também a coletivos, a sociedades e até mesmo à nossa tradição religiosa. Ter a coragem de reconhecer tanto os aspectos maravilhosos do judaísmo quanto as áreas nos quais ele nos frustra é o primeiro passo para sabermos para onde caminhar. Na parashá desta semana temos um exemplo de uma passagem problemática que nem sempre recebeu o olhar crítico que precisaria.

De acordo com a Torá, quando um marido tem ciúmes de sua esposa e teme que ela o tenha traído, ele deve levar a esposa ao sacerdote, que preparará uma mistura de água santificada e terra, na qual dissolverá a tinta com a qual escreveu um pergaminho com maldições caso as suspeitas ciumentas do marido sejam verdadeiras. A esposa deve, então, beber a mistura de água, terra e tinta. Se ela, de fato, tinha traído o marido “seu ventre se distenderá e sua coxa se enfraquecerá e a esposa se tornará uma maldição em meio ao seu povo.” [3] Por esta doutrina, caso não houvesse qualquer motivo para o ciúmes, ao beber a água com terra e tinta, a esposa não sofreria dos mesmos males. Neste caso, nem o marido, nem o sacerdote oferecem ao menos um pedido de desculpas por terem forçado-a a passar por este ritual.

A violência e a humilhação refletidas neste ritual devem chocar a todos. Lembremos que não existe na Bíblia qualquer procedimento semelhante para o marido que, estando casado com uma esposa, tem um relacionamento com outra pessoa. Na verdade, em tempos bíblicos, homens podiam casar-se com mais de uma esposa sem que isso fosse considerado traição do pacto nupcial.

Na literatura rabínica, ao perceberem adequar o ritual bíblico à realidade que eles conheciam de que a mágica não funcionava, os rabinos adicionaram um conceito de acordo com o qual mulheres que tinham mérito podiam ter as consequências por seus atos postergadas. [4] Ou seja: mesmo depois de sobreviver o ritual vexatório, ela ainda não era considerada inocente, mas podia ser que sua punição só tivesse sido retardada. Na Mishná, Rabi Shimón chega a alertar os outros rabinos de que “aquele que diz que o mérito atrasa a punição, enfraquece o poder da água frente a todas as mulheres que a bebem. Além disso, você difama as mulheres inocentes que a beberam, pois as pessoas dirão: ‘elas são impuras mas seu mérito atrasou a punição.’”  Apesar do aviso, rabi Iehudá haNassi, o redator da Mishná, decidiu manter esse conceito, dizendo que elas poderiam sobreviver, mas se tornariam estéreis e sua saúde deterioraria gradativamente. 

O ritual acabou sendo abolido, não por qualquer objeção moral a ele, mas porque o rabino Iochanán ben Zacái achou que, considerando o alto grau de infidelidade matrimonial no final do período do 2º Templo, não fazia mais sentido acusar ninguém deste pecado. [5]

Ao encontrarmos estes textos na nossa tradição, tanto a passagem bíblica como o tratamento que ele recebeu na Mishná, temos que denunciá-los, reafirmar que o ciúmes é uma doença do ciumento, que é ele que deve procurar ajuda e tratamento. Que a vítima do ciúmes nunca pode ser penalizada; ela deve ser acolhida e empoderada, encorajada a refletir se o relacionamento é saudável e se deseja continuar nele. Sempre vale destacar e divulgar o trabalho de prevenção da e resposta à violência doméstica desenvolvido pelo Grupo de Empoderamento e Liderança Feminina da FISESP. Informe-se mais visitando o site elf.ong.br

Que nas nossas vidas pessoais e comunitárias, nos nossos textos e nas nossas tradições, possamos aceitar nossas próprias falhas e as dos outros, sem nunca deixar de procurar a melhoria constante.

Shabat Shalom!



 

[1] Bereshit Rabá 3:7 

[2] https://koheletprize.org/pd-category/risk-taking-failure/

[3] Num. 5:27

[4] Mishná Sotá 3:4-5

[5] Mishná Sotá 9:9