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quinta-feira, 12 de outubro de 2023

Bebendo na fonte judaica dos Direitos Humanos


Foi John Locke quem primeiro definiu o conceito de “Direitos Humanos”, uma série de proteções fundamentais aos quais todos os seres humanos teriam direito. Ainda que o termo em hebraico “זכויות האדם”, “z’chuiot haadam”, seja ainda mais recente para designar essa ideia, o judaísmo já desenvolvia a ideia da dignidade inalienável de todo ser humano muito antes de John Locke formular sua teoria.

Na perspectiva clássica judaica, a criação do ser humano “à imagem Divina”,  uma ideia desenvolvida na parashá desta semana, Bereshit, baseia o conceito de que toda figura humana é dotada de dignidade e merecedora de respeito. Nahum Sarna afirma que “a semelhança do homem com Deus revela o valor infinito de um ser-humano e afirma a inviolabilidade da pessoa humana.” [1] O mesmo autor destaca que em outras culturas não era incomum que o rei fosse considerado criado “à imagem Divina” mas que é só na tradição judaica que essa ideia é universalizada, tornando todo ser humano um reflexo da imagem de Deus. O conceito, que poderia ter se mantido como uma curiosidade interessante mas sem aplicação prática, ganha implementação concreta já na próxima parashá, Noach, quando, após o Dilúvio, Deus proíbe o assassinato, afirmando que “quem derrama o sangue de uma pessoa, terá o seu próprio sangue derramado por outra pessoa porque a humanidade foi feita à imagem de Deus.” [2] 

Esse fato, isoladamente, já garantiria a centralidade destes textos na construção de uma visão judaica dos Direitos Humanos. De fato, na tradição rabínica, a expressão “בצלם אלוהים”, “b’tselem Elohim”, “à imagem Divina” é usada para se referir a conceitos que, mas tarde, passariam a ser incluídos na definição de “Direitos Humanos”.

No entanto, há uma dimensão adicional na parashá desta semana que não é capturada meramente pela ideia da criação à imagem de Deus. Durante o processo de Criação, toda vez que Deus produz uma nova espécie de seres vivos, expande a categoria através da expressão “למינהו”, l’minehu, “cada um conforme sua espécie”. Assim é com a vegetação, plantas com sementes, árvores frutíferas, grandes monstros marinhos, todos os seres vivos que restejam e que preenchem as águas, animais domésticos, seres rastejantes e animais silvestres. Quando Deus criou adám, o primeiro ser-humano, no entanto, a expressão “cada um conforme sua espécie” não foi utilizada. Nossos sábios entenderam que a ausência desta expressão indicava que a humanidade toda pertencia à mesma espécie, ainda que apresentássemos características físicas distintas.

Um midrash, percebendo que pessoas nascidas em diferentes partes do Globo tinham cor da pele distinta,  conta que, ao criar o primeiro ser-humano, Deus buscou terras de cores distintas dos quatro cantos da Terra. Dessa forma, quando uma pessoa morresse, a terra do lugar não poderia lhe dizer “volta para o lugar de onde você veio, já que a sua terra não pertence a este lugar.  “Ao contrário”, diz este midrash. “O ser humano pertence a todo lugar aonde for e para lá ele pode voltar.” [4] Que manifestação potente de uma visão de mundo que reconhece a humanidade de toda pessoa e a dignidade do estrangeiro onde quer que ele se encontre!

Hoje em dia, no entanto, não são poucos os círculos nos quais a ideia de Direitos Humanos é apresentada em oposição a uma visão de mundo baseada em valores bíblicos, nos quais o racismo e o preconceito recebem validade religiosa. Que neste primeiro shabat do ciclo de leituras da Torá de 5784, possamos recuperar perspectivas religiosas judaicas profundamente comprometidas com a dignidade de todo ser humano e nos comprometer com políticas públicas que dêem expressão a este valor.

Shabat Shalom,


 

Rabino Rogério

[1] Nahum Sarna, “The JPS Torah Commentary: Genesis”, p. 12.

[2] Gen. 9:6

[3] Gen. 1:11, 21, 24-25.

[4] Yalkut Shimoni, Bereshit 1:13 


quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Mesmo nossos antepassados erraram!


Mesmo nossos antepassados erraram!


Muitas vezes, quando encontramos uma situação já definida, temos dificuldade em imaginar quais foram os processos que determinaram que a as coisas fossem decididas daquela forma. Por que as pessoas andam nas laterais das ruas e os carros no meio, e não o contrário? Por que comemos salada no começo da refeição, e não começamos pelos pratos quentes para que eles não esfriem? Porque as cores do semáforo são verde, amarelo e vermelho, ao invés de cores que não confundissem as pessoas daltônicas? Quando consideramos verdadeiramente estas perguntas sem desconsiderá-las com um “sempre foi assim”, podemos encontrar respostas que façam sentido à nossa sensibilidade contemporânea e respostas que nos expliquem o processos histórico que determinou que as coisas sejam como são — e muitas vezes essas respostas são distintas!


Por que as leituras da Torá em Rosh haShaná foram tiradas da mesma parashá, Vaierá? Para quem não se lembra, no primeiro dia de Rosh haShaná lemos sobre o nascimento de Itschác e de como, depois de ter seu próprio filho, Sará pede a Avraham que expulse Hagár, juntamente com Ishmael, o filho primogênito de Avraham; no segundo dia, lemos sobre o quase-sacrifício de Itschac, a akedá. Olhando para esses trechos nas páginas do nosso machzor, podemos imaginar que sempre tenha sido assim, que estas leituras tenham sido estabelecidas para Rosh haShaná desde o inícios dos tempos, mas os registros nas fontes judaicas apontam para uma história bastante fluida na definição de quais trechos seriam lidos no começo do ano judaico. A Mishná, por exemplo, aponta para uma passagem diferente, em Levítico, para o primeiro dia de Rosh haShaná e nem indica que poderia haver um segundo dia de comemoração [1]. A Tossefta, escrita mais ou menos na mesma época, por outro lado, menciona que havia um debate sobre qual deveria ser a leitura e aponta que vozes dissidentes liam a passagem do nascimento de Itschác (como fazemos hoje) [2]. É so no Talmud, concluído vários séculos depois que temos referência à tradição de um segundo dia de Rosh haShaná, no qual era lida a passagem da akedá (o mesmo que lemos hoje). Como quase tudo na tradição judaica, vemos que a definição de quais seriam as leituras de Rosh haShaná não foi imediata, decretada pelos Céus, mas o resultado de idas e vindas, de negociações e debates entre sábios em diferentes momentos, e com as práticas se estabelecendo e sendo revisadas ao longo da história.


A compreensão deste processo histórico, no entanto, ajuda pouco para entendermos porque estas passagens são relevantes para o momento religioso de Rosh haShaná. A este respeito, como em quase tudo que envolve processos interpretativos, até hoje o debate persiste. Para a escolha da leitura do primeiro dia há quem aponte, por exemplo, que a passagem sobre o nascimento de Itschác se inicia com Deus se lembrando de Sará [4] e a memória é um dos temas centrais de Rosh haShaná, assim como é a metáfora desta data como o “nascimento do mundo” (iom harát olám) justifica a escolha de uma data em que ocorre o nascimento de um bebê. Além disso, há um entendimento de que Deus revela Seu aspecto misericordioso ao permitir que Avraham e Sará se tornem pais em suas velhices e, ao ler este trecho, buscamos relembrar o Divino desta história, na esperança de que recebamos a mesma generosidade em nosso próprio julgamento. 


Quanto ao segundo dia, as explicações mais comuns relacionam a leitura da Akedá ao toque do shofar através do carneiro (um dos animais cujos chifres podem ser usados como shofarot) que Avraham sacrifica ao final do episódio. Outra abordagem relaciona a leitura à ideia de Z’chut Avot, um conceito segundo o qual, como não temos méritos suficientes que justifiquem nossa Salvação, apelamos a Deus que reconheça as qualidades de nossos antepassados, como Avraham, que esteve disposto a sacrificar seu próprio filho em devoção a Deus.


Para mim, no entanto, essas abordagens falham ao não reconhecer que tanto Avraham quanto Sará tiveram condutas, no mínimo, questionáveis neste dois episódios. De seu lado, Sará se deixou tomar pelo ciúmes ao exigir que seu marido expulsasse Hagár junto com Ishmael, seu filho mais velho. Quanto a Avraham, não apenas consentiu com o pedido de Sará como também aceitou a ordem Divina para sacrificar seu filho mais novo, Itschác. Na minha opinião, nossos rabinos escolheram estas duas leituras para os dias de Rosh haShaná porque reconheciam que tanto Sará quanto Avraham tinham errado em suas condutas e precisavam fazer t’shuvá pelos seus erros. Ao demonstrarem à comunidade reunida na sinagoga que até mesmo os fundadores do povo judeu tinham sua cota de erros sobre os quais refletir em Rosh haShaná, então nós também podemos sair da ilusão de que tivemos comportamento perfeito no ano que terminou e reconhecer as situações em que não nos orgulhamos da forma como agimos. Assim começa Iom Kipur, a comunidade nos dando licença para rezarmos na companhia de transgressores; assim, também, eu acredito, foram escolhidas as leituras da Torá de Rosh haShaná. 


Ao aceitarmos a premissa básica de que mesmos nossos antepassados de maior reputação não eram perfeitos, aceitamos nossa falibilidade, deixamos cair a máscara de que não temos nada pelo qual fazer t’shuvá e podemos nos engajar verdadeiramente no processo de cheshbon hanefesh, a contabilidade da alma.


Que individual e coletivamente possamos todos reconhecer a aprender dos nossos erros, tomar as ações corretivas com relação às suas implicações e nos transformarmos para não cometer os mesmos erros.


Shaná Tová! Que seja um ano muito doce, cheio de parcerias e encontros, muito amor e saúde!


Rabino Rogério




[1] Mishna Meguila 3:6

[2] Tossefta Meguilá 3:3

[3] Talmud Bavli Meguila 31a

[4] Gen. 21:1

 


quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Faz sentido perguntar “quantas esposas é demais”?!


Quando eu era criança, preciso reconhecer, eu cantava “Atirei o Pau no Gato” sem pensar muito no bem estar dos animais. Quem sabe, se o pau fosse atirado contra um cachorro, não contra um gato, eu teria mais empatia pela vítima da ação, mas como nunca fui lá muito fã dos felinos, nem me dava conta da violência da ação. Quando eu já era adolescente, comecei a escutar versões da música que, ao se proporem um papel educativo, trocavam a letra para dizer “não atire o pau no gato porque isso não se faz, o gatinho é nosso amigo, não devemos maltratar os animais.” Ao mesmo tempo em que cantávamos isso de forma ridicularizada, fazendo pouco caso da preocupação em trocar a letra de uma música infantil para não incentivar a violência contra os animais, eu me dava conta, pela primeira vez, que a letra original era, de fato, violenta e encorajava comportamentos indesejados.

Ao olharmos para o passado, é relativamente comum percebermos comportamentos inapropriados que aceitávamos como naturais e que hoje não são mais aceitáveis. Entramos no mês de Elul, o último do calendário judaico, no qual damos ênfase ao processo de Cheshbón haNéfesh, a contabilidade da alma, no qual olhamos com atenção para nossa ação no ano que passou, identificando onde fomos a pessoa que gostaríamos e onde nos afastamos deste ideal. É também uma oportunidade para expandirmos o olhar e percebermos quais condutas inadequadas continuam naturalizadas e que devem ser reavaliadas.

Na parashá desta semana, Shoftim, o povo recebe autorização para ter um rei depois de entrarem na Terra Prometida. O texto deixa claro que este líder seria um homem, ao mesmo tempo em que estabelece limites para o poder do monarca: ele deve ser israelita, não poderá acumular riqueza excessiva em outro, prata ou cavalos, não mandará seu povo de volta ao Egito e não terá muitas esposas. O texto não explicita quanto seria “muitas” mas parece haver um consenso de que até dezoito esposas seria aceitável; acima desse número, já seria um exagero.

Por muito tempo, os comentaristas desta passagem (homens, todos eles) [1] debateram se o número dezoito era exagerado ou não, se ele poderia ser ultrapassado se todas as mulheres fossem “boas”, se o limite se aplicaria também a uma pessoa que não fosse rei. Ninguém perguntou, no entanto, porque as esposas estavam listadas juntamente às demais riquezas que o rei podia acumular, ainda que com limites. Talvez a maior inovação que o judaísmo trouxe ao mundo foi a ideia de que todos os seres humanos foram criados à imagem e semelhança de Deus e que, portanto, são dotados de dignidade inalienável. Será que as instruções ao rei que tratam suas esposas como propriedade refletem este profundo valor judaico?

Podemos encontrar exemplos semelhantes, nos quais as mulheres não foram tratadas com a devida dignidade em outras histórias da tradição judaica (o livro de Ester ou a história do rei Shlomô e suas 700 esposas, por exemplo) e de outras culturas, mas é chegado o momento de revisitarmos as condutas implicitamente aceitas nessas narrativas e apontarmos para o que não estamos mais dispostos a aceitar. Nos últimos anos, o movimento #metoo tem jogado luz para a forma como homens poderosos abusam de suas posições sociais e profissionais para praticar assédio e violência, práticas sobre as quais muitos sabiam mas que consideravam como “parte do jogo”.

Parashat Shoftim trata também da estruturação de um sistema judicial que torne a busca pela justiça uma característica central da sociedade hebreia. A este respeito, o rabino Eliezer Berkovits escreveu: “Buscar justiça é aliviar os oprimidos. Mas como os oprimidos serão aliviados, se não for julgando o opressor e esmagando sua capacidade de oprimir?! (…) A tolerância à injustiça é a tolerância ao sofrimento humano. Uma vez que os orgulhosos e poderosos que infligem o sofrimento geralmente não cedem à persuasão moral, a responsabilidade pelo sofredor exige que a justiça seja feita para que a opressão seja encerrada.” [2]

Que neste shabat, possamos buscar justiça para todos, em particular desafiando os abusos naturalizados dos poderosos e que assim comecemos o processo de nos transformarmos na versão de nós mesmos que queremos ser.

Rabino Rogério


[1] Veja, por exemplo, os comentário de Rashi, Ibn Ezra, Aderet Eliahu para Deut. 17:17.

[2] Conforme citado em Harvey Fields, “A Torah Commentary for Our Times”, vol. 3, p. 140. 

 


quinta-feira, 15 de junho de 2023

Orgulho na maioria e na minoria



Para o meu coração matemático, o livro de baMidbar, que em português é chamado de “Números”, é a oportunidade da unir duas paixões: os números e o judaísmo. Desta vez, tenho pensado sobre as aulas de matemática dos primeiros anos, ainda aprendendo sobre o significado de cada um dos símbolos e notações. Lembro-me bem da confusão entre os símbolos “maior” (“>”) e menor (“<”) e das regrinhas que usávamos para saber qual usar em cada situação. Uma regra dizia que a “boca aberta” do símbolo sempre deveria estar na direção da quantidade maior; outra nos ensinava a fazer um tracinho do braço inferior do símbolo – desta forma, um símbolo se tornava um “4” inclinado (o menor) e outro se tornava um “7” inclinado (o maior). Olhando hoje, com algum saudosismo, parece que naquele tempo era mais fácil determinar quais eram as maiores grandezas e quais eram as menores, mesmo que precisássemos recorrer a estes “truques” no processo.


Hoje em dia, os conceitos de “maior” e “menor” se tornaram bem mais complexos, especialmente se considerarmos seus derivados, a “maioria” e a “minoria”. Além dos conceitos numéricos, há situações de poder, nos quais quem está em maior número nem sempre tem mais destaque. Só como exemplo, pensem nas mulheres, que apesar de serem a maioria da população (51,1%), tem claramente muito menos poder que os homens.


Na parashá desta semana, Shelach Lechá, Deus indica a Moshé que escolha emissários para investigar a terra de Israel, na qual eles pretendem ingressar em breve. Das doze pessoas escolhidas, dez voltaram com um relato negativo; apenas duas reportaram que, apesar dos desafios, os israelitas tinham condições de, com o apoio de Deus, conquistar a terra. O grupo majoritário, ao defender que eles não conseguiriam vencer em combate, afirmava que os residentes da terra eram gigantes, que perto deles os hebreus eram como gafanhotos [1]. O povo em sua maioria seguiu a opinião dos dez enviados pessimistas, para indignação Divina. Moshé conseguiu convencer Deus a não matá-los todos logo ali, mas em resposta à falta de confiança daquela geração em si mesma, Deus determinou que eles vagassem pelo deserto por 40 anos, para que aqueles que entrassem na terra de Israel tivessem uma mentalidade distinta daquela visão derrotista.


Em seu comentário sobre esta parashá, o rabino Jeffrey Salkin afirma: “A opinião da maioria nem sempre está certa. (...) Muitas das grandes coisas da história mundial não aconteceram porque a maioria era a favor delas; muitas vezes é preciso uma minoria criativa de pessoas para convencer os outros a expandir sua visão.” [2] 


Vivemos em uma época de imensas e rápidas transformações. Da tecnologia ao meio ambiente, dos valores sociais aos modelos de negócio, o mundo nunca testemunhou tantas revoluções ao mesmo tempo. De um lado, muitos de nós nos sentimos confusos com tantas mudanças o tempo todo, com medo até. De outro lado, novas oportunidades têm sido criadas a cada dia; grupos que viveram silenciados por séculos, que se viam como gafanhotos indefesos frente a gigantes que os destruiriam se chamassem atenção, passaram a ter coragem de se expressar. Como a nova geração que pôde entrar em Israel, estes grupos historicamente silenciados passaram a demandar seu pleno reconhecimento, querem ser enxergados, reconhecidos, ouvidos e respeitados. Em alguns casos, são a maioria ou têm a maioria ao seu lado; em outros, talvez não sejam tão numerosos, mas querem o seu direito de pertencer plenamente. Afinal de contas, nossa tradição ensina que “salvar uma vida é como salvar todo o mundo” [3] ou seja, cada vida é única e tem valor, mesmo quando não está na maioria.



Nesta sexta-feira, teremos na CIP o Cabalat Shabat do Orgulho, uma oportunidade para vermos e sermos vistos, para escutarmos e sermos escutados, para amarmos e sermos amados, para respeitarmos e sermos respeitados. Maioria ou minoria, nos números ou no poder, que possamos todos nos sentir verdadeiros com quem somos e com a coragem de conquistar nossos sonhos, mesmo quando eles parecem inalcançáveis.


Shabat Shalom!



[1] Num. 13:33

[2] Jeffrey K. Salkin, “The JPS B’nai Mitzvah Torah Commentary”

[3] https://bit.ly/3PdnBgO


quinta-feira, 18 de maio de 2023

Entre os números e a Verdade



São bastante frequentes as situações em que pessoas, adultos, jovens e crianças, me perguntam se acredito na veracidade da Torá como documento histórico: você acredita que o mundo foi criado em seis dias? Acredita que o mar se abriu na saída dos Hebreus, conforme descrito na Torá? Acha que a entrega da Torá aconteceu exatamente como está escrito?


Para alguns aspectos desta pergunta, especialmente para os quais a ciência oferece claras respostas, existe algum consenso dentro do mundo judaico liberal de que podemos entender as palavras da Torá de forma metafórica e que seu objetivo não é converter-se em um manual de ciências. Há alguns anos, tive a oportunidade de participar de uma conversa com o renomado físico brasileiro Marcelo Gleiser, onde estas questões foram endereçadas. [1]


Há outras questões, no entanto, para as quais as respostas da ciência não são tão claras e veementes – elas podem até apontar para a falta de evidências arqueológicas para histórias da Torá, mas isso não necessariamente indica que essas histórias não aconteceram como estão escritas lá. O arqueólogo Eric Cline escreveu a este respeito na história do Êxodo: “Não temos um único fragmento de evidência até o momento. Não há nada [disponível] arqueologicamente para atestar qualquer coisa da história bíblica. Não para as pragas, não para a abertura do Mar Vermelho, não para o maná do céu, não para o vagar por 40 anos. No entanto, devo acrescentar que também não há evidências arqueológicas que provem que não ocorreu. Portanto, neste momento, o registro arqueológico não pode ser usado para confirmar nem negar a existência do Êxodo.” [2]


Nestes casos nos quais a falta de evidências arqueológicas pode apontar para qualquer lado, questionar a narrativa bíblica pode tornar-se bastante polêmico. Há pouco mais de vinte anos, David Wolpe, que já era o rabino sênior do Sinai Temple, uma das maiores e mais antigas sinagogas de Los Angeles, proferiu uma prédica na qual afirmava que a história da saída dos hebreus do Egito como descrita na Torá, provavelmente, não era precisa. “A verdade é que praticamente todos os arqueólogos modernos que investigaram a história do Êxodo, com pouquíssimas exceções, concordam que a maneira como a Bíblia descreve o Êxodo não é como aconteceu, se é que aconteceu”, ele disse. A prédica causou tanto alvoroço entre quem acredita na literalidade histórica do texto da Torá que chegou até as páginas do Los Angeles Times [3].


Na parashá desta semana, baMidbar, temos uma passagem sobre o Êxodo que também tem confundido os comentaristas medievais e contemporâneos. De acordo com o texto, de acordo com um censo dos israelitas, foram contados 603.550 homens em idade de combate [4] indicando, de acordo com os especialistas, que  uma população total de 2 milhões de israelitas teria saído do Egito. A ideia de uma população semelhante à de Curitiba deslocando-se pelo deserto sem ter deixado imensos vestígios arqueológicos coloca em cheque a veracidade destes números. Além disso, o texto também fala em 22.273 primogênitos homens com idade acima de um mês de idade [5]. Considerando que o número de mulheres primogênitas fosse igual ao de homens, a relação entre os primogênitos e a população total apontaria para um primogênito (homem ou mulher) a cada 45 pessoas, o que não parece razoável. 


Frente a essas discrepâncias, muitas pessoas passaram a rejeitar completamente a veracidade histórica do Êxodo do Egito, assim como o rabino Wolpe havia afirmado em sua prédica. “A conclusão de que o Êxodo não aconteceu no tempo e da forma descrita na Bíblia parece irrefutável (...)” afirmaram Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman em uma best seller que investigou a arqueologia bíblica. [6] 


Mais recentemente, no entanto, renomados autores têm revisitado a questão de forma menos categórica e afirmado que aceitar a narrativa bíblica como uma descrição exata dos eventos históricos ou rejeitá-la categoricamente não são as únicas alternativas possíveis. Avraham Faust, por exemplo, afirma que “Embora haja um consenso entre os estudiosos de que o Êxodo não ocorreu da maneira descrita na Bíblia, surpreendentemente, a maioria dos estudiosos concorda que a narrativa tem um núcleo histórico e que alguns dos colonos das terras altas vieram, de uma forma ou de outra, do Egito.” [7] Mesmo nos questionamentos mencionados acima, a afirmação é de que o Êxodo não teria acontecido da forma descrita na Torá, e não que ele não teria acontecido de forma alguma.


No artigo do Los Angeles Times publicado após a prédica do rabino Wolpe, o jornalista afirma que “o consenso acadêmico parece ser que a história é uma mistura brilhante de mito, memórias culturais e núcleos de verdade histórica (...) Quaisquer que sejam os fatos da história, esses valores centrais perduraram e inspiraram o mundo por mais de três milênios - e isso, muitos dizem, é o ponto central.” De fato, a história da redenção dos israelitas do Egito tem dado esperança a pessoas em situação de opressão e inspirado movimentos de libertação ao longo dos últimos dois mil anos; a mensagem de proteção ao estrangeiro e às demais vítimas da opressão se transformou em um dos aspectos centrais da mensagem religiosa judaica; a idéia de que cada um de nós precisa examinar suas atitudes para que não se transforme em um faraó dos nossos dias é uma lição importante que aprendemos destes textos, ao lê-los no nosso contexto.


Ellie Wiesel, famosamente afirmou que “há eventos que aconteceram e não são verdadeiros; outros, são, ainda que nunca tenham acontecido”. Que consigamos realmente aprender e incorporar as verdades e as lições religiosas da Saída do Egito, ainda que os números e os detalhes não sejam exatamente como descritos no texto.


Shabat Shalom,


Rabino Rogério Cukierman




[1] https://bit.ly/41Vhb8J

[2] Conforme citado por Richard Elliott Friedman. “The Exodus” (2017), p. 33/424

[3] https://bit.ly/3WjJP2v

[4] Núm. 2:32

[5] Núm. 3:43

[6] Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman, “The Bible Unearthed” (2002), p. 63.

[7] Avraham Faust, “The Emergence of Iron Age Israel: On Origins and Habitus”, p. 476.


quinta-feira, 20 de abril de 2023

Porque gravidez não é doença, nem fonte de impurezas


Não foram raras as vezes em que ouvi pessoas estabelecendo uma relação entre a palavra hebraica para “compaixão”, rachamim, e a palavra para “útero”, réchem, e, a partir daí, comentarem que o Divino não tem gênero, incorporando aspectos masculinos (como o poder, guevurá, e o julgamento, din) e femininos (como a compaixão, rachamim). Deixando de lado o essencialismo que considera o poder e a justiça atributos inerentemente masculinos, enquanto a compaixão seria uma qualidade inerentemente feminina, poderíamos considerar que a tradição judaica teria uma visão positiva da maternidade e da capacidade de gerir outra vida dentro de seu próprio corpo.


Em algumas passagens bíblicas, claramente, esta expectativa é confirmada. Em Isaías 66:13, por exemplo, Deus se apresenta como uma mãe para o povo judeu, afirmando “Como uma mãe consola seu filho, assim eu os consolarei; Você encontrará conforto em Jerusalém”. 


Em outras passagens da Torá, no entanto, a maternidade é vista de forma crítica. Quando o fruto proibido é comido, o castigo da mulher é expresso desta forma: “Duplicarei e reduplicarei as dores da sua gestação; você dará a luz com dor, contudo seu desejo será para o seu homem e ele governará sobre você.” [1] Ao invés de ser vista como um momento maravilhoso no qual nova vida está sendo criada, a gestação é apresentada neste texto como um evento doloroso, em particular o culminar deste processo, o parto.


Na parashá-dupla desta semana, Tazría-Metsorá, a questão da maternidade volta a ser endereçada sem que a maravilha da gestação da vida seja reconhecida. Pelo contrário: o tom das instruções relaciona a participação feminina no processo reprodutivo como uma fonte de impurezas e culpa. De um lado, temos questões relativas ao estado de impureza ritual de mulheres durante o seu fluxo menstrual (e nos dias subsequentes) [2], parte indissociável do processo reprodutivo. De outro lado, o tratamento dado a parturientes, novamente as relaciona à impureza ritual, indicando o número de dias que elas devem permanecer isoladas de objetos rituais, a depender de se o bebê tiver sido um menino ou uma menina. Além disso, ao final do período elas deviam oferecer um sacrifício de chatáat, uma oferta pela purificação de uma transgressão. [3] Com a destruição do Templo no ano 70 EC e o decorrente abandono dos sacrifícios animais pelo judaísmo rabínico, estas práticas perderam a relevância mas a visão que enxerga na gravidez e no parto obstáculos que representam perigos e desafios ainda se mantém em práticas judaicas contemporâneas. Ainda hoje, muitos sidurim e rabinos indicam que uma mulher que acabou de dar à luz deve dizer bircat hagomêl, a benção que alguém diz depois de ter passado por uma doença séria ou por uma cirurgia. 


É necessário e urgente que tenhamos a coragem de olhar criticamente para estes textos e para estas práticas. A rabina e teóloga Rachel Adler, a respeito das passagens nesta parashá-dupla escreveu “Sagrado não precisa significar inerrante; basta que o sagrado seja inesgotável. Nas profundezas da Tua Torá, eu procuro Você, Eheyeh, criador de um mundo de sangue. Rasgo a Tua Torá verso a verso, até que esteja quebrada e sangrando assim como eu." [4]


Gravidez não é doença. O ciclo reprodutivo feminino não é fonte de impurezas. Ainda que hajam riscos envolvidos na gravidez e no parto, estes são momentos a serem desfrutados e celebrados, situações em que a parceria entre Deus e humanos se torna clara e visível [5] e nossas práticas rituais devem refletir esta postura de estarmos maravilhados e incrivelmente felizes quando uma criança nasce. 


Que neste shabat possamos nos alegrar e maravilhar com a vida e com uma tradição religiosa que nos surpreende e nos provoca e na qual o questionamento e inovação não são apenas aceitos, são também valorizados.  




[1] Gen. 3:16

[2] Lev. 16:19-26

[3] Lev. 12:1-8

[4] Lifecycles 2: Jewish Women on Biblical Themes in Contemporary Life, , p. 206

[5] Veja, por exemplo, BT Nidá 31a



quinta-feira, 30 de março de 2023

Da palavras, símbolos e resistência


Vários anos atrás, fui visitar um templo religioso na região de Chicago, onde me assustei ao encontrar um desenho muito parecido com uma suástica encravado em suas paredes. Ao questionar a pessoa que guiava nossa visita pelo espaço, fui informado de que aquele desenho já era um símbolo religioso muito antes de ser apropriado pelos nazistas como a marca de seu partido. Ainda que eu compreendesse a lógica explicada pelo guia, era difícil entender como naquele edifício, cuja construção tinha sido completada em 1953, o significado mais difundido que aquele símbolo tinha ganhado no século XX, ofensivo como era a milhões de pessoas, não tivesse sido levado em conta para que ele não fosse adotado na decoração das paredes.


Assim como os símbolos gráficos, as palavras também podem ganhar vida própria, como bem atestam os poetas. Palavras são muitas vezes escolhidas em alguns contextos pelos duplos significados que possuem, levando a situações cômicas, ou são evitadas exatamente porque podem ter seu significado mal interpretado.


A parashá desta semana, Tsáv, retorna ao tema dos sacrifícios animais, seus contextos e regras. Um dos tipos de sacrifícios oferecidos a Deus era a “olá”, na qual um animal era inteiramente queimado no altar. A tradução adotada para este termo para o grego foi “holokauston”, um conceito que já era conhecido de religiões helenísticas e que significava queima (kaustos) completa (holos) e que foi traduzido para o português como “holocausto”. 


No final do século XIX, a palavra “holocausto” passou a ser usada pela imprensa norte-americana para designar massacres de imensas proporções, como o genocídio armênio de 1915-1917. Ao final da Segunda Guerra, quando a dimensão total das atrocidades nazistas começou a ser revelada, “Holocausto” (agora escrita com inicial maiúscula e muitas vezes precedida pelo artigo definido “O”) passou muitas vezes a designar o quase-extermínio da população judaica da Europa, com o assassinato brutal e sistemático de 6 milhões de pessoas.


Assim como eu me assustei ao encontrar uma suástica em um templo religioso, muitas pessoas se assustam ao encontrar o termo “holocausto” em uma tradução da Torá, em particular em referência a uma prática religiosa. O assassinato sistemático de seres humanos e o descarte de seus corpos em fornos crematórios é a antítese da busca de relacionamento com o Divino – de tal forma, que muitos são os que rejeitam o termo “holocausto” para tratar deste trágico evento da história mundial e judaica. Entre os termos sugeridos como alternativa, “Shoá”, um termo bíblico que significa “catástrofe” acabou se transformando no termo adotado preferencialmente no mundo judaico para tratar destes eventos.


Enquanto a Shoá ainda estava em curso, um grupo de jovens militantes dos movimentos juvenis judaico-sionistas lideraram um levante contra as forças nazistas que esvaziavam o Gueto de Varsóvia e enviavam seus residentes para Campos de Extermínio. Na véspera de Pessach de 1943, que neste ano cairá na próxima quarta-feira (05/04), quando as forças da SS entraram no Gueto, se viram atacadas por combatentes judeus, que foram capazes de manter o combate por quase dois meses, constituindo um imenso ato de resistência frente a um exército em muito maior número, melhor treinado e com armamentos muito mais poderosos. Ao comentar o significado do Levante, um dos seus líderes, Itschak Cukierman, afirmou: 


“Não creio que seja realmente necessário analisar a Revolta em termos militares. Esta foi uma guerra de menos de mil pessoas contra um poderoso exército e ninguém duvidou de como seria. Este não é um assunto para estudar na escola militar. (...) Se existe uma escola para estudar o espírito humano, este deveria ser um grande tema de estudo. As coisas importantes eram inerentes à força demonstrada pela juventude judaica após anos de degradação, para se levantar contra seus destruidores e determinar qual morte escolheriam: Treblinka ou Revolta.” [1]


Neste ano, em que o Levante do Gueto de Varsóvia comemora 80 anos, a CIP homenageará sua história no Cabalat Shabat de 28 de abril, com a presença do Coral Tradição, da Casa do Povo.


Que neste shabat, possamos recuperar a força das palavras, dos símbolos e o controle sobre as nossas próprias histórias, valorizar a vida e a resistência em sua defesa. 


Shabat Shalom.



[1] http://bit.ly/3KkxwOO



quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Receber a Torá é duelar com ela


Há alguns anos, recebi uma mensagem de um amigo de que a Academia da Lingua Hebraica tinha adotado novos parâmetros para a conjugação de gênero: grupos em que a maioria fosse constituída por mulheres passariam a adotar o sufixo feminino (“ot”) mesmo que neles houvesse uma minoria de homens; grupos em que a maioria fosse masculina continuariam adotando o sufixo masculino (“im”). Em tempos de fake-news, é sempre apropriado fazer uma checagem antes de difundirmos notícias assim — e foi isso que eu fiz. Rapidamente, descobri que não bastava de um boato e comuniquei ao meu amigo que, apesar de ambos termos ficado animados com a notícia, ela ainda não era verdadeira.


A questão do gênero que usamos ao nos referirmos a grupos que incluem homens e mulheres tem chegado cada vez mais frequentemente por aqui, para quem fala português. De um lado, há quem aplauda os esforços, salientando que eles ampliam o senso de acolhimento e inclusão; de outro lado, há quem critique o chamado “politicamente correto”, apontando para o fato de que as regras gramaticais precisam ser respeitadas se quisermos garantir a consistência do idioma. Se alguém incluir, além do “todos” e “todas”, também um “todes”, é aí que a discussão ganha corpo e os ânimos ficam mais exaltados.


Na parashá desta semana, Itró, temos o momento da Revelação no Monte Sinai, com raios e trovões e a entrega das Dez Afirmações (que a maioria chama de “Dez Mandamentos”). De alguma forma, as Tábuas do Pacto com as Dez Afirmações se tornaram um ícone na cultura ocidental para regras básicas que todos e todas (todes também?!) devem conhecer e respeitar. Mesmo assim, os comentaristas divergem sobre a disposição do texto nas Tábuas.


Há quem diga que as Afirmações estão dispostas com as cinco primeiras em uma Tábua e as cinco últimas na outra. No entanto, as cinco primeiras Afirmações, que lidam com a relação da pessoa com o Divino (ou com práticas religiosas), são bem mais extensas enquanto as cinco últimas, que lidam com a relação entre uma pessoa e outra, são bastante curtas. Desta forma, ao dispormos cinco em cada Tábua, haveria uma assimetria na quantidade de texto em cada uma delas. Alguns comentaristas argumentam que, assim, seria possível escrever as obrigações entre um ser humano e outro em letras maiores, indicando sua importância para uma vida religiosa judaica.


Outros comentaristas argumentam que cada uma das duas Tábuas continha as Dez Afirmações: na primeira, a versão que aparece na parashá desta semana [1]; na segunda, a versão que aparece na parashá Vaetchanán [2]. Desta forma, teríamos um lembrete permanente da diversidade e do pluralismo inerentes à tradição judaica.


O que estes comentários não endereçam é quem deve ser incluído no público a quem estas afirmações foram ditas. De alguma forma intuímos que todos os homens, mulheres e crianças que estavam presentes naquele momento faziam parte deste público. A décima afirmação, no entanto, coloca em cheque esta percepção intuitiva, ao afirmar “não cobice a casa do teu próximo e não cobice a esposa do teu próximo, nem seu escravo ou sua escrava, seu boi, seu jumento e tudo o que o teu próximo tem.” O texto não diz “não cobice o cônjuge do teu próximo” ou “não cobice o marido ou a esposa do teu próximo.” 


Parece que o texto se esqueceu de ser politicamente correto em um dos momentos centrais da experiência judaica e, diferentemente dos textos que escrevemos hoje em dia, não podemos alterá-lo para que seja mais inclusivo. Como, então, dar resposta a este desafio? Será que há algo nos valores da centralidade da relação com o próximo e do pluralismo judaico expressos na diagramação do texto nas Tábuas da Torá que podem nos ajudar?


Perguntaram ao rabino Menachem Mendel Morgensztern, um mestre chassídico do século 19, por que Shavuot é chamada a festa da entrega da Torá e não a festa do recebimento da Torá. Afinal de contas, do ponto de vista humano, a Torá foi recebida — é apenas do ponto de vista Divino que ela foi entregue. O rabino respondeu: “A Torá foi dada em um dia, mas a recebemos a todo momento.” Receber a Torá implica a disposição de lê-la, entendê-la, interpretá-la e também duelar com ela quando sentimos que o texto central da nossa tradição não nos enxerga como realmente somos. Entender que a Torá é nossa inclui não ter medo de apontar para passagens que gostaríamos que tivessem sido escritas de forma distinta, mais inclusiva, com valores mais próximos dos que temos hoje. Quando tivermos essa coragem, aí sim, teremos vivenciado a Entrega da Torá.


Que este dia não tarde e chegue para todos ainda nos nossos dias!


Shabat Shalom!




[1] Ex. 20:2-14

[2] Deut. 5:6-18