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quinta-feira, 15 de junho de 2023

Orgulho na maioria e na minoria



Para o meu coração matemático, o livro de baMidbar, que em português é chamado de “Números”, é a oportunidade da unir duas paixões: os números e o judaísmo. Desta vez, tenho pensado sobre as aulas de matemática dos primeiros anos, ainda aprendendo sobre o significado de cada um dos símbolos e notações. Lembro-me bem da confusão entre os símbolos “maior” (“>”) e menor (“<”) e das regrinhas que usávamos para saber qual usar em cada situação. Uma regra dizia que a “boca aberta” do símbolo sempre deveria estar na direção da quantidade maior; outra nos ensinava a fazer um tracinho do braço inferior do símbolo – desta forma, um símbolo se tornava um “4” inclinado (o menor) e outro se tornava um “7” inclinado (o maior). Olhando hoje, com algum saudosismo, parece que naquele tempo era mais fácil determinar quais eram as maiores grandezas e quais eram as menores, mesmo que precisássemos recorrer a estes “truques” no processo.


Hoje em dia, os conceitos de “maior” e “menor” se tornaram bem mais complexos, especialmente se considerarmos seus derivados, a “maioria” e a “minoria”. Além dos conceitos numéricos, há situações de poder, nos quais quem está em maior número nem sempre tem mais destaque. Só como exemplo, pensem nas mulheres, que apesar de serem a maioria da população (51,1%), tem claramente muito menos poder que os homens.


Na parashá desta semana, Shelach Lechá, Deus indica a Moshé que escolha emissários para investigar a terra de Israel, na qual eles pretendem ingressar em breve. Das doze pessoas escolhidas, dez voltaram com um relato negativo; apenas duas reportaram que, apesar dos desafios, os israelitas tinham condições de, com o apoio de Deus, conquistar a terra. O grupo majoritário, ao defender que eles não conseguiriam vencer em combate, afirmava que os residentes da terra eram gigantes, que perto deles os hebreus eram como gafanhotos [1]. O povo em sua maioria seguiu a opinião dos dez enviados pessimistas, para indignação Divina. Moshé conseguiu convencer Deus a não matá-los todos logo ali, mas em resposta à falta de confiança daquela geração em si mesma, Deus determinou que eles vagassem pelo deserto por 40 anos, para que aqueles que entrassem na terra de Israel tivessem uma mentalidade distinta daquela visão derrotista.


Em seu comentário sobre esta parashá, o rabino Jeffrey Salkin afirma: “A opinião da maioria nem sempre está certa. (...) Muitas das grandes coisas da história mundial não aconteceram porque a maioria era a favor delas; muitas vezes é preciso uma minoria criativa de pessoas para convencer os outros a expandir sua visão.” [2] 


Vivemos em uma época de imensas e rápidas transformações. Da tecnologia ao meio ambiente, dos valores sociais aos modelos de negócio, o mundo nunca testemunhou tantas revoluções ao mesmo tempo. De um lado, muitos de nós nos sentimos confusos com tantas mudanças o tempo todo, com medo até. De outro lado, novas oportunidades têm sido criadas a cada dia; grupos que viveram silenciados por séculos, que se viam como gafanhotos indefesos frente a gigantes que os destruiriam se chamassem atenção, passaram a ter coragem de se expressar. Como a nova geração que pôde entrar em Israel, estes grupos historicamente silenciados passaram a demandar seu pleno reconhecimento, querem ser enxergados, reconhecidos, ouvidos e respeitados. Em alguns casos, são a maioria ou têm a maioria ao seu lado; em outros, talvez não sejam tão numerosos, mas querem o seu direito de pertencer plenamente. Afinal de contas, nossa tradição ensina que “salvar uma vida é como salvar todo o mundo” [3] ou seja, cada vida é única e tem valor, mesmo quando não está na maioria.



Nesta sexta-feira, teremos na CIP o Cabalat Shabat do Orgulho, uma oportunidade para vermos e sermos vistos, para escutarmos e sermos escutados, para amarmos e sermos amados, para respeitarmos e sermos respeitados. Maioria ou minoria, nos números ou no poder, que possamos todos nos sentir verdadeiros com quem somos e com a coragem de conquistar nossos sonhos, mesmo quando eles parecem inalcançáveis.


Shabat Shalom!



[1] Num. 13:33

[2] Jeffrey K. Salkin, “The JPS B’nai Mitzvah Torah Commentary”

[3] https://bit.ly/3PdnBgO


sexta-feira, 24 de junho de 2022

Dvar Torá: Educar judaicamente para um mundo que não conhecemos (CIP)


Imagina por um minuto que a receita de omelete focasse na forma como ir ao galinheiro e pegar os ovos. Em um contexto urbano, no qual compramos nossos ovos no mercado, uma receita assim ficaria não apenas obsoleta, mas se tornaria irrelevante. Da mesmo forma, em um mundo em rápida transformação como nosso, se torna cada vez mais importante que a Educação Judaica foque no desenvolvimento de uma visão de mundo e de competências para que nossos alunos possam construir sua realidade judaica com certa autonomia na sua vida adulta.

Em todo o mundo da educação, esta é a questão central que se discute hoje: como podemos preparar nossos alunos para uma realidade que ainda não conhecemos. No contexto judaico, certamente esta pergunta não é menos necessária, mas ela talvez ela seja um pouco mais polêmica. De um lado, tem quem acredite que devíamos continuar fazendo tudo como estávamos fazendo antes. Funcionou até agora… por que mudar?! De outro, tem quem defenda que os valores e práticas da tradição judaica nos ajudaram muito até aqui mas perderam sua função na vida contemporânea — educação judaica, nesse sentido, seria um contrassenso.

O projeto de Educação Judaica da CIP se coloca como alternativa a estas duas visões. Acreditamos em um judaísmo comprometido com as nossas vidas, que pode adicionar textura à nossa experiência do tempo e significado às nossas práticas mais banais. 

Em uma das passagens de Pirkei Avot que eu mais gosto, o texto pergunta: “quem é sábio, quem é poderoso, quem é rico e quem é respeitado?”. A resposta vira nossas expectativas de ponta cabeça, afirmando que sábio, não é quem tem muito a ensinar mas quem aprende com todos; poderoso não é que controla os outros, mas a si mesmo; rico não é quem tem muito, mas quem é feliz com o que tem, e respeitado na verdade é quem respeita os outros [1]. De alguma forma, é para esta capacidade de pensar judaicamente fora da caixa que educamos nossos alunos — para que eles consigam enxergar além do óbvio e encontrar soluções judaicas para problemas que ainda nem conhecemos.

Na parashá desta semana, Moshé instrui 12 enviados que foram enviados para observar da terra de Cnaán. “Subam ali pelo Neguev e sigam pela região montanhosa e vejam que tipo de país é este. O povo que nele habita é forte ou fraco, poucos ou muitos? O país que habitam é bom ou ruim? As cidades onde vivem são abertas ou fortificadas? O solo é rico ou pobre? É arborizado ou não?” [2]

Vivendo ainda em seu paradigma anterior — no qual eram escravos e viviam sempre com medo de seus opressores — e sem se dar conta de que sua realidade havia se transformado radicalmente, 10 dos 12 enviados voltaram contando que “os povos que habitam o país são poderosos e as cidades são fortificadas e muito grandes.” [3] Aparentemente, faz sentido o relato que eles apresentaram. Um midrash [4] no entanto, oferece uma leitura diferente da relação entre poder e muralhas, mais em linha com as definições dadas pela passagem de Pirkei Avot. Nas palavras do midrash,  a forma como os enviados olharam a terra deveria ter sido: “Se eles moram em acampamentos, são poderosos e confiam na sua força; mas se estão em fortalezas, são fracos e têm o coração medroso.” Os enviados confundiram demonstração de poder com o próprio poder e, por isso, tiveram que passar 40 anos no deserto até que uma nova geração, que conseguisse enxergar a nova realidade sem os vícios da condição anterior e, assim, pudesse substituí-la.

Equipados com uma educação judaica alinhada com a nossa realidade e com a realidade que ainda está por vir, nossos jovens se apresentam à vida cor coragem e orgulho, sem muros e prontos para construirmos juntos sua realidade judaica. 

Que possamos aprender de seu exemplo de uma conduta judaica orgulhosa, corajosa e preparada!

Shabat Shalom!  

[1] Pirkei Avot 4:1
[2] Num. 13:17-20
[3] Num 13: 28
[4] baMidbar Rabá 16:12


quinta-feira, 18 de junho de 2020

O futuro que queremos construir hoje

Imagine que você está de volta a junho de 2019. No meio da limpeza da sua área de serviço encontra uma máquina do tempo e resolve usá-la para ver como o Brasil estará dali a um ano. Chega a este junho de 2020, encontra um país com quase cinquenta mil mortos por uma doença da qual você nunca tinha ouvido falar, a economia completamente desestruturada, as instituições políticas em sua maior crise em quatro décadas, conflitos raciais em várias partes do mundo. A sua máquina do tempo começa a apitar, indicando que está na hora de voltar para 2019 e você corre para não ficar nesse cenário distópico; quando percebe, está de volta à área de serviço da sua casa. 

O que você faria no ano passado se soubesse como estariam as nossas vidas hoje? Você mudaria sua conduta sanitária e passaria a usar álcool gel, luvas e máscaras antes que a pandemia chegasse? Você contactaria as autoridades para que as medidas cabíveis - a nível local ou nacional - fossem tomadas antes da chegada do coronavírus? Simplesmente aceitaria que não havia nada que pudesse ser feito para evitar a crise, alugaria uma casa no interior e tentaria manter a sua família segura?

Na parashá desta semana, Shlách Lechá, Moshé envia doze líderes das tribos para investigar a terra de Israel, na qual os hebreus esperavam entrar em breve, para identificar o que os aguardava: se as pessoas que lá moravam eram fortes ou fracas, se a terra era boa ou ruim, se as cidades eram ou não fortificadas, se o solo era fértil ou não, se nela haviam ou não árvores. Esses enviados investigaram a terra por quarenta dias e, ao voltarem, apresentaram um relato desanimador: a terra era boa e dela fluía leite e mel, mas o povo que lá vivia era muito forte e as cidades fortificadas. Não havia chance de que os hebreus conseguissem conquistar aquele território. Dos doze enviados, apenas dois apresentaram uma narrativa distinta, argumentando que os hebreus, tendo Deus ao seu lado, certamente teriam sucesso na conquista da terra.

Doze enviados, que tiveram a mesma experiência em sua visita à terra de Israel, mas reações radicalmente diferentes. De um lado, frente aos desafios e às incertezas, dez deles decidiram nem mesmo tentar. Aceitaram que, dada a derrota inevitável, o melhor a fazer era lamentar e, quem sabe, convencer o povo a retornar à servidão em Mitsrayim, a terra das águas estreitas. Apenas Iehoshua e Caleb foram capazes de, apesar de enxergar as dificuldades, acreditar também no potencial de superá-las. Por ter dado ouvido aos dez enviados com relatos pessimistas, o povo foi condenado a passar quarenta anos vagando pelo deserto, até que uma nova geração de hebreus estivesse disposta a enfrentar os desafios e entrar na terra de Israel.

Se você soubesse ontem sobre os desafios de hoje, o que faria diferente? Esse exercício, pode parecer fútil quando olhamos só para o passado, afinal de contas não fizemos essas coisas diferentes e não temos como reescrever o passado, nem escapar da situação em que estamos vivendo (a menos que você tenha uma máquina do tempo escondida na sua área de serviço!). Mas se pensarmos em como respondemos aos desafios que já conseguimos enxergar (ou que enfrentamos no presente), podemos alterar o futuro. 

Se formos como os dez enviados que retornaram da Terra Prometida com relatos pessimistas, aceitarmos que nossas ações não são capazes de transformar a situação, estaremos fadados à nossa versão dos quarenta anos no deserto.

Se por outro lado, seguirmos os exemplos de Iehoshua e Caleb, reconhecermos as dificuldades e procurarmos enfrentá-las de verdade, talvez consigamos ainda estancar o avanço da pandemia e saiamos dessa crise com cidades mais humanas e menos desiguais, com a consciência de que todos precisamos trabalhar para criar justiça racial no Brasil, com uma democracia mais estável e respeitosa das suas instituições, com um povo que se vê valorizado em seu direito à vida e à saúde.

Sabendo o que você sabe hoje, qual amanhã você vai construir?

Shabat Shalom!

sexta-feira, 28 de junho de 2019

Dvar Torá: Abrace a mudança! (CIP)

Sabe aquele final de viagem, em que você não vê a hora de voltar pra casa e  dormir na sua cama? Pois quando eu era pequeno, o que eu mais gostava no final de longas viagens era ver as novidades, o que tinha mudado. Eu adorava ficar prestando atenção aos novos outdoors no caminho do aeroporto e, chegando em casa, pegar as edições acumuladas de Veja e olhar as notícias às quais não tínhamos prestado atenção.

Pequenas mudanças, com certeza, mas que sempre me deixavam animado, ansioso por estar de volta. Quando será que a gente perde esta excitação infantil com a novidade e começa a temer tudo o que seja novo?

Na parashá desta semana, Moshé é instruído por Deus a enviar 12 pessoas, um líder de uma das 12 tribos, para ver a situação da Terra de Israel, na qual o povo, tendo cruzado o Deserto, esperava entrar dali a pouco. Moshé instrui estes enviados, dizendo: “subam pelo Neguev e subam pela montanha e vejam a terra, como ela é: Como é o povo que vive nela, se são fortes ou fracos, se são muitos ou poucos? Como é a terra na qual eles vivem, ela é boa ou ruim, como são suas cidades, são como acampamentos ou são fortificadas? Como é a terra, ela é farta ou escassa, há nela árvores ou não? Usem um pouco de força e tragam alguns frutos da terra.” [1]

E, assim, estas 12 pessoas foram e passaram 40 dias em visita de reconhecimento à terra de Israel. Após este período, eles voltaram e deram um relatório de suas impressões, assim como Moshé tinha pedido. Falaram de uma terra linda, de onde flui o leite e mel, onde as frutas eram gigantes e eles trouxeram cachos gigantes de uva para provar. Falaram de cidades fortificadas, de gigantes que moravam naquela terra e aos olhos de quem os hebreus se pareciam com pequenos grilos. Das doze pessoas que tinham sido enviadas, dez diziam que os hebreus não tinham nenhuma chance contra os poderosos habitantes da terra de Israel; só dois dos enviados, Iehoshua ben Nun e Caleb ben Iefunê, discordaram da conclusão, dizendo que os hebreus - com o apoio de Deus - tinham condições de conquistar a terra. O povo, em desespero, começa a se perguntar porque Deus não os tinha deixado morrer no Egito ou no deserto, e a planejar como eles podiam voltar para o Egito. 

Deus, muito irritado, conta a Moshé seus planos de dar cabo ao povo e começar tudo de novo, um novo povo a partir só de Moshé. Moshé argumenta contra a ideia, e Deus lhe diz: “סָלַחְתִּי כִּדְבָרֶךָ”, “eu os perdoo, conforme você me pediu” [2], mas também declara que nenhum deles poderá entrar na terra de Israel, eles passarão 40 anos vagando pelo deserto (um ano para cada dia da excursão de reconhecimento dos líderes em Israel), até que toda a geração que tinha sido libertada do Egito falecesse no deserto. No Talmud[3], este episódio é mencionado como tendo acontecido em Tishá b’Av, a origem das séries de tragédias comunais judaicas associadas a esta data.

Ao longo dos séculos, muitos comentaristas se perguntaram se a punição era apropriada ao pecado. Afinal de contas, Moshé tinha sido instruído por Deus a enviar a excursão de reconhecimento e eles tinham reportado de acordo com a sua impressão. Parece mais um caso de culpar a imprensa por notícias ruins… 

O Lubavitcher Rebbe, o rabino Menachem Mendel Schneerson, deu uma explicação bastante interessante para a motivação do relato negativo:

No deserto, cada uma das necessidades dos israelitas era satisfeita por um presente direto de D'us. Eles não trabalhavam para ter comida. Seu pão era o maná que caía dos céus; a água deles vinha do poço de Miriam; suas roupas não precisavam de conserto. A posse da terra de Israel significava um novo tipo de responsabilidade. O maná cessaria. Pão viria apenas através da labuta. Os milagres providenciais seriam substituídos pelo trabalho; e com o trabalho viria o perigo de uma nova preocupação. (…) Seu temor era que a preocupação de trabalhar a terra e ganhar a vida pudesse, no final das contas, deixar os israelitas com cada vez menos tempo e energia para o serviço de D'us. Eles disseram: “É uma terra que consome seus habitantes”, significando que a terra e seu trabalho, e a preocupação com o mundo materialista, “engoliriam” e consumiriam todas as suas energias. Sua opinião era de que a espiritualidade floresce melhor na reclusão e na retirada, na paz protegida do deserto, onde até mesmo a comida era “dos céus”. [4]

Os dez líderes que deram o relato negativo estavam acostumados com a vida no deserto, podia não ser ideal, mas era conhecida. Em sua leitura do comentário do Lubavitcher Rebbe, o rabino Jonathan Sacks, diz que os enviados “não estavam com medo do fracasso; eles estavam com medo do sucesso”[5]. Além disso, eles estavam receosos da transição de uma vida na qual suas necessidades físicas eram supridas por Deus para uma na qual eles tivessem que trabalhar a terra para ter seu sustento e na qual eles não poderiam mais dedicar toda sua energia ao trabalho espiritual. A este respeito, o Lubavitcher Rebbe diz: “os espiões estavam errados. O propósito de uma vida vivida na Torá não é a elevação da alma: é a santificação do mundo.”

Há nesses poucos parágrafos de comentário, material para conversarmos por horas, mas eu tenho mais alguns poucos minutos – e eu quero gastá-los pensando na santificação do nosso cotidiano, das nossas vidas dentro e fora dos limites deste prédio.

Quando a animação pelo novo que toda criança tem vira o medo da ruptura e da quebra das rotinas?
Vivemos em um mundo de transições aceleradas. Há poucas décadas, a homoafetividade era um tabu sobre o qual ninguém falava; o assédio a mulheres nos ambientes de trabalho eram percebidos como preço que mulheres precisavam pagar para terem uma vida profissional; mesmo meu pai ficava muito incomodado porque eu gostava de brincar com bonecas. Quando minha filha nasceu, ela faz 11 anos no mês que vem, não existia a possibilidade de que ela pudesse receber uma aliá na Torá nesta sinagoga, nem ao menos sentar ao meu lado. 

Hoje, somos orgulhosos dos passos que demos na direção de um judaísmo mais inclusivo e igualitário, que reconhece nossas diferenças mas esperqa que possamos tratar a todos com a mesma dignidade e respeito. Na semana passada, o prédio da prefeitura de São Paulo foi iluminado com as cores do arco-íris em homenagem à Parada do Orgulho Gay, que aconteceu neste último domingo. Durante o Ticún da Virada, tivemos uma judia trans apresentando uma sessão sobre questões de gênero no judaísmo, juntamente com um dos líderes do grupo LGBTQ no facebook. 

Para muitos de nós, estas mudanças são bem vindas e ansiadas por muito tempo. Para outros, elas são uma ruptura com práticas sociais conhecidas e que, ainda que elas não fossem perfeitas, havia um conforto na estabilidade. Jason Clarke, em uma palestra TED sobre o medo do novo[6], diz que o status quo, a forma como as coisas eram feitas antes, é conhecido, estruturado, provado, certo e reconfortante. O novo, por outro lado, é desconhecido, desestruturado, ainda precisa ser provado, é incerto e esquisito.
Na parashá Lech Lechá, quando Deus pede que Avraham deixe tudo para trás e comece uma nova vida no lugar que Deus indicaria, eu tenho certeza que Avraham também ficou assustado e amedrontado. Lech Lechá: vá para você mesmo. Na nossa parashá, Shlach Lechá: envie para você mesmo, o medo toma conta da reação do povo.

A escritora Karen Thompson Walker, também em uma palestra TED [7], comparou o medo com a contação de histórias. Segundo ela, criamos narrativas nas nossas mentes de que há um monstro embaixo da cama, de que há um risco do piloto errar algo durante o voo e o avião cair, de que as mudanças no Judaísmo como o conhecíamos levarão à total destruição da nossa tradição, de que não há estabilidade possível nas novas formas como a sociedade está se estruturando. Ela cita o escritor Vladimir Nebukov, que argumentava que há duas modalidades muito distintas para lermos uma história: a artística e a científica. Na modalidade artística, adoramos os cenários mais vívidos, gráficos, até sensacionalistas. Gostamos de filmes em que o inconcebível acontece pelas lindas cenas de explosão que propicia. Na modalidade científica, por outro lado, nos perguntamos qual a real probabilidade de que estes cenários aconteçam de fato: é o chato que reclama de um filme de ficção científica, dizendo que no espaço não há propagação do som. Para Walker, não precisamos negar o medo, mas precisamos lê-lo com o temperamento científico e nos perguntarmos se os cenários que está arrepiando nossos fios de cabelo é realmente o resultado esperado das condições que observamos.

Os dez enviados que voltaram com a percepção pessimista leram a realidade que encontraram apenas de forma artística. Um cenário em que a terra tinha gigantes e  que devorava os que nela viviam tomou conta de seu imaginário. Apenas Iehoshua e Caleb usaram leram suas impressões de forma científica, acreditando que o Deus que os havia tirado do Egito com mão forte e braço estendido ajudaria também na conquista da terra.

O mundo está mudando e rápido. Para alguns, é excitante e para outros é desesperador. O rabino Jonathan Sacks, citando o Salmo 23, disse: “ ‘Apesar de andar no vale da sombra da morte, eu não temo pois Você está comigo’ – nós podemos enfrentar qualquer futuro sem medo desde que saibamos que não o enfrentaremos sozinhos.” [8]

Que as palavras do rabino Sacks nos inspirem a continuarmos sonhando e mudando, reconhecendo os desafios representados por estas dinâmicas e nos apoiando mutuamente para superá-los.

Shabat Shalom!


 [1] Num 13:17b-20a
 [2] Num 14:20
 [3] Talmud Bavli Sotá 35a
 [4] Schneerson, Menachem M., Torah studies. Brooklyn, N.Y: Kehot Publication Society, 1996. Minha própria tradução.
 [5] Sacks, Jonathan. Covenant & conversation, a weekly reading of the Jewish Bible : Numbers, the wilderness years. New Milford, CT: Maggid Books & The Orthodox Union, 2017. p. 149. Minha própria tradução.
[6] https://www.youtube.com/watch?v=vPhM8lxibSU
[7] https://www.ted.com/talks/karen_thompson_walker_what_fear_can_teach_us?language=pt
[8] https://www.ted.com/talks/rabbi_lord_jonathan_sacks_how_we_can_face_the_future_without_fear_together