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sexta-feira, 11 de novembro de 2022

Dvar Torá: Sodoma: uma cidade como as nossas (CIP)


Nesta semana nós tivemos a segunda aula de um curso que eu estou dando com a arte-educadora Karen Greif Amar juntando midrash e as artes plásticas. Como nós começamos o curso algumas semanas depois de Simchat Torá, estamos um pouco atrasados em relação ao ciclo de leitura semanal. Nesta segunda semana do curso tratamos da segunda parashá da Torá: Noach.

Entre os midrashim que lemos, há um [1] que conta que, antes de criar este mundo em que vivemos, Deus criou vários outros. Criou e destruiu, criou e destruiu, criou e destruiu, até que se satisfez com este mundo e resolveu mantê-lo. Ao que parece, a resolução para manter este mundo sem ser destruído não durou muito. Ainda no finalzinho de parashat Bereshit, o texto indicava:
ה׳ viu quão grande era a maldade humana na terra - como todo plano elaborado pela mente humana não era nada além do mal o tempo todo. E ה׳ lamentou ter feito a humanidade na terra. Com o coração entristecido, ה׳ disse: “Exterminarei da terra os homens que criei: os homens com os animais, os répteis e as aves do céu; pois lamento tê-los feito.” [2]
Todos nós conhecemos ao final daquela história: um grande dilúvio veio e matou quase toda a vida sobre a Terra. Noach e sua arca salvaram alguns animais de cada espécie para que pudéssemos continuar nossa jornada por aqui. Para indicar que nunca mais Deus faria outro dilúvio destruir toda vida sobre a terra, Deus estabelece o arco-íris, sinal do pacto que Deus firmava com Noach.

Eu fico pensando na história de Noach quando leio a parashá desta semana, Vaierá — em particular, o começo da história de Sodoma e Gomorra, quando Deus se dá conta do que está acontecendo nestas cidades:
Então ה׳ disse: “A indignação de Sodoma e Gomorra é tão grande, e seu pecado tão grave! Descerei para ver se eles agiram de acordo com o clamor que Me alcançou; se não, tomarei nota.” [3]
Apesar da decisão prévia simbolizada pelo arco-íris, Deus decide — depois de considerar os protestos de Avraham — destruir as cidades, ainda que poupasse o resto do mundo. Podemos ir pela tecnicalidade de que desta vez não foi um dilúvio, mas uma chuva de enxofre e fogo, que matou tudo que lá vivia mas, pela segunda vez, Deus retoma o hábito de criar mundos e destruí-los, que parecia ter abandonado quando criou o nosso universo.

O que pode ter levado Deus a reverter sua decisão depois de tê-la reafirmado após o Dilúvio? Os midrashim buscaram com afinco esta explicação.

Alguns textos [4] afirmam que Sodoma era uma cidade extremamente rica, de solo fértil e cheia de prata, ouro e pedras preciosas. No entanto, apesar de serem caracterizados como as pessoas mais ricas da Terra, seus cidadãos não se preocupavam com o bem estar alheio. Cometiam fraudes contra os visitantes, impediam que as aves pudessem comer dos frutos da terra, cometiam inúmeras injustiças que mantinham seus privilégios intactos.

Algumas história contam que eles estabeleceram regras que proibiam a ajuda aos necessitados, um crime cuja pena era a pena de morte. Há diversas versões com relação a quem foi a jovem e quem ela ajudava, mas os midrashim apontam para uma moça que, tendo ajudado uma pessoa em necessidade e tendo sido descoberta pelos moradores de Sodoma, foi morta na fogueira. Teriam sido os seus gritos que chegaram aos ouvidos de Deus, justificando Sua intervenção. 

Mesmo antes dos midrashim, os profetas já apontavam em direções semelhantes para a má conduta de Sodoma. No livro do profeta Ezequiel, ele diz, em nome de Deus: “Este foi o pecado de sua irmã Sodoma: arrogância! Ela e as filhas tinham muito pão e uma tranquilidade imperturbável; no entanto, ela não apoiou os pobres e necessitados.” [5]

Quando eu comecei a estudar esse assunto, nunca tinha escutado sobre essas histórias que falam de arrogância, de egoísmo, de manutenção de privilégios, de indiferença para com os segmentos mais vulneráveis. Histórias que falam da tendência humana de, muitas vezes, se preocupar apenas com seus próprios desejos e necessidades, sem considerar quem mais é afetado pelas suas ações. Quando conseguimos ser a melhor versão de nós mesmos, reconhecemos estes impulsos e podemos atuar para amenizá-los. Em outras situações, simplesmente nos rendemos e somos tomados pelo que há de pior na humanidade. Por tudo isso, teria sido apropriado que esses midrashim tivessem se tornado os textos básicos de uma religiosidade preocupada com nossa conduta no mundo. Não foi o que aconteceu.

O mais curioso, ou o mais triste, é que a destruição de Sodoma e Gomorra recebeu uma outra narrativa. Ao invés de destacar a falta de solidariedade, de empatia, de generosidade, muitas tradições religiosas preferiram apontar para as práticas sexuais da cidade, insinuando que teria sido a homossexualidade de seus habitantes que teria dado origem à ira Divina. Sodomia, ainda hoje, aparece no dicionário como uma prática de homosexualidade masculina. 

Ao invés de olhar para nossas próprias falhas e identificar áreas em que podíamos crescer, estas abordagens ao texto apontaram para o “outro” como o problema, como a causa da ira Divina. Erramos e perdemos duas vezes: ao não percebermos em Sodoma e Gomorra um espelho para nossas próprias ações de egoísmo, arrogância e violência e ao apontarmos o dedo acusador para grupos inocentes de qualquer culpa.

A prática de responsabilizar o grupo com menos chance de responder ao nosso ataque não ficou restrito às lições religiosas de Sodoma e Gomorra. Ao longo da história — da NOSSA história — inúmeras são as situações em que, ao invés de reconhecer sua responsabilidade pelos problemas que a cercam, a humanidade elegeu atribuir a culpa a um grupo apontado como bode expiatório.

Que as lições da destruição de Sodoma e Gomorra sejam de fato aprendidas, que procuremos nossos fantasmas e resolvamos nossos problemas olhando mais pra dentro e apontando menos o dedo acusador para o primeiro que passar.

Shabat Shalom

[1] Bereshit Rabá 3:7
[2] Gen. 6:5-7
[3] Gen. 18:20-21
[4] Tosefta Sotá 3:3, Pirkei de Rabi Eliezer 25
[5] Eze 16:49-50

domingo, 20 de setembro de 2020

Dvar Torá: Um convite para construirmos juntos o novo anormal (CIP)


Há alguns anos, estava na moda falar no efeito borboleta, parte da teoria do caos que dizia que o bater de asas de uma borboleta no Japão poderia explicar a formação de um tornado nos Estados Unidos. A ideia era que pequenas mudanças nas condições iniciais de um sistema pudessem explicar grandes diferenças nos resultados finais [1].

Em 5780, nós vivemos nossa própria versão do efeito borboleta. Um vírus que começou a se espalhar em uma cidade na China da qual a maioria de nós nunca tinha ouvido falar gerou impactos no mundo todo. Gente que nunca foi pra China, gente que nunca saiu da sua cidade no interior da África ou da sua tribo indígena no meio do Brasil foi impactada pela pandemia de Covid-19. Há muitas décadas, o discurso ambientalista tem destacado que nossos destinos pessoais estão intrinsicamente conectados com o  destino do resto do planeta e que políticas de proteção da natureza têm que ser pensadas em escala global porque a consequência de não fazer nada também é global.  A crise do Corona Vírus parece ter fortalecido o argumento de que não apenas em questão do meio-ambiente, mas também em questões de saúde pública, estamos todos no mesmo barco, não é possível encontrar soluções que salvem só alguns enquanto o resto da humanidade continua vulnerável.

Daqui a alguns minutos, nós vamos cantar o Aleinu de Malchuiot, aquela versão do Aleinu na qual fazemos a prostração total até que nossas testas toquem o chão. Apesar de atualmente encerrar os três serviços diários: shacharit, minchá e arvit, a origem do Aleinu está na liturgia de Rosh haShaná. Há tradições que atribuem sua redação a Iehoshua, o sucessor de Moshé, ainda na época da conquista da Terra de Israel, e normalmente é entendido que Rav, um sábio da época do Talmud, estabeleceu que o poema deveria ser lido antes da seção de Malchuiot em Rosh haShaná. Foi só muitos séculos depois, que o Aleinu se estabeleceu como parte da liturgia diária [2].

Eu confesso que, assim como muitos outros judeus liberais, eu tenho sérios problemas com as primeiras frases do Aleinu. Em sua tradução literal elas dizem: “Nós devemos louvar o Senhor de tudo e expressar a grandeza ao Criador do universo, que não nos fez como as nações das terras e não nos colocou como as famílias do solo, que não fez nossa parte como as deles, nem nosso destino como o de todos eles”. Muitas são as comunidades liberais que mudaram estas linhas nos seus sidurim; outras, como a CIP, mantiveram o original em hebraico mas suavizaram a tradução — vocês podem checar na página 150 do Machzor de Rosh haShaná. 

Há alguns bons anos, eu protestei junto a um professor querido, perguntando por que mantínhamos estas linhas nas nossas rezas diárias. Sua resposta foi que nenhum judeu liberal acredita neste texto e que só o mantemos para honrar a tradição. O problema, na minha opinião, é que ao repetirmos estas palavras três vezes ao dia, corremos o risco de acabar acreditando no que elas dizem. Podemos achar que é possível um futuro no qual o nosso destino não esteja totalmente conectado com o que acontecer com os outros doze milhões de habitantes da cidade de São Paulo ou até mesmo com os outros 7 bilhões de seres humanos com quem compartilhamos o planeta.

Em uma das passagens mais complicadas da Torá, que lemos ontem de manhã, depois que seu filho Itschak nasceu, Sará pediu a Avraham que expulsasse Hagar e seu filho, Ishmael, que também era filho de Avraham e assim ele o fez. O motivo alegado era para que “o filho desta escrava não receba a herança junto com meu filho, com Itschak” [3]. Que ilusão da nossa primeira matriarca! Apesar da expulsão, os descendentes de Itschak e de Ishmael continuamos disputando esta herança até hoje….não só do ponto de vista concreto, com cada lado argumentando que tem a mais sólida justificativa religiosa para possuir a terra de Israel, mas também no nível da narrativa: o quase sacrifício de Itschak, que tradicionalmente lemos no segunda dia de Rosh haShaná e sobre a qual conversaremos daqui a pouco, também faz parte da tradição muçulmana, só que lá o filho querido que Deus pede a Avraham para sacrificar é Ishmael [4]. 

As correntes de água e as massas de ar são apenas parte da entropia natural do universo, que faz com que soluções que separem o “nosso” destino do “deles” nunca funcionem.

Neste Dia do Julgamento, um dia em que a prática de tshuvá, o reconhecimento dos nossos erros tem papel central, é importante reconhecermos como permitimos que a mentalidade do Aleinu  determinasse muitas das nossas ações no ano que está terminando: deixamos de ir aos supermercados e aos restaurantes para nos proteger da Covid, enquanto ciclistas e motociclistas dos aplicativos, muitas vezes sem dinheiro para fazer nenhuma refeição nos longos dias que passavam entregando comida para os outros, se expunham aos riscos de contaminação, sem qualquer direito trabalhista [5]. Nos orgulhamos das altas taxas de sucesso dos nossos hospitais para recuperação de pacientes com Covid enquanto os hospitais da periferia, aqueles que tratam nossos co-cidadãos que continuaram se expondo no transporte público e trabalhando nos supermercados, nos açougues, nas farmácias, nas empresas de entrega, tinham pacientes morrendo em taxas absolutamente alarmantes, algumas vezes acima de 90% [6]. Buscamos refúgio em condomínios no interior e no litoral [7] [8], ao mesmo tempo em que boa parte da cidade continuava apertada em seus espaços na periferia ou, ainda pior, jogada nas ruas sem proteção alguma.

Frente a uma realidade que unia todos os destinos, continuamos achando que Deus “לֹא שָׂם חֶלְקֵנוּ כָּהֶם, וגוֹרָלֵנוּ כְּכָל-הֲמוֹנָם” “não fez nossa parte como as deles, nem nosso destino como o de todos eles” e operando dentro desta visão de mundo. Da bondade dos nossos corações, é bem verdade, desenvolvemos inúmeras ações de ajuda, mas foram poucas as que realmente vieram do lugar da Tsedacá, o conceito judaico de justiça social, que entende que o nosso compromisso com o bem-estar do próximo não deve depender da nossa generosidade, mas de uma obrigação permanente para com a construção de uma sociedade justa — que se manifesta tanto no desenvolvimento de ações emergenciais, quanto na luta pela transformação das estruturas que permitiram tanta desigualdade e injustiça.

Agora, temos que imaginar o mundo daqui pra frente e a expressão “novo-normal” me assusta. Nos acostumamos com situações inóspitas quando elas se repetem e se transformam em rotineiras. É um mecanismo de defesa importante, que permite, por exemplo, que saiamos de casa em São Paulo ou no Rio de Janeiro, apesar dos altos números de violência urbana — mas este mesmo mecanismo de defesa pode nos levar a enxergar o inaceitável como normal.

Passamos a aceitar um ritmo mensal de mais de 20.000 vidas perdidas no Brasil para a Covid-19 como se fosse normal; nos acostumamos a aceitar o Pantanal e a Amazônia queimando, cada ano a ritmo recorde, como se fosse normal; nos acostumamos a aceitar famílias inteiras vivendo nas calçadas das nossas ruas como se fosse normal; nos acostumamos a aceitar pacientes morrendo nos corredores dos hospitais públicos da cidade mais rica do Brasil como se fosse normal. 

A verdade é que eu não quero voltar pra esse normal. Eu quero te convidar a imaginar como podemos sair deste estado de coisas e sonhar com a transformação da nossa cidade, da nossa sociedade, do nosso sentido de responsabilidade mútua uns com os outros. Como Avraham, o hebreu contestador sobre quem o rabino Michel falou na 6a feira, eu quero ter a coragem de estar na outra margem, de imaginar como poderia ser e não só descrever como é.

À mentalidade das primeiras linhas do Aleinu, à ideia de que nós temos direito a um destino diferenciado, se opõe a perspectiva da criação de um único ser humano, masculino e feminino, criado à imagem Divina, que comemoramos em Rosh haShaná. De acordo com a Mishná, Deus fez que toda a humanidade descendesse de uma única pessoa para que um não pudesse dizer ao outro “meu pai é maior que o teu” [9]. Estamos juntos nesse bote salva-vidas e somos todos necessários para manter seu equilíbrio. Não há sobrevivência que não envolva cuidarmos uns dos outros.

Deus, a energia viva que corre em todos nós, que hoje estabelece este tribunal em que apresentamos nossas histórias e pedimos a inscrição no Livro da Vida, nos urge a considerar nossa responsabilidade em sermos guardiões de todos os nossos irmãos.  Não sejamos como Cain, o primeiro assassino da Torá, que perguntou a Deus, de forma desafiadora “?הֲשומֵר אָחִי אָנוכִי ”, “E eu sou o guardião do meu irmão?!” [10] Que em 5781 possamos todos responder com um sonoro “Somos!”

Shaná Tová!


[1] https://en.wikipedia.org/wiki/Butterfly_effect
[2] https://en.wikipedia.org/wiki/Aleinu
[3] Gen 21:9-14
[4] https://en.wikipedia.org/wiki/Binding_of_Isaac#Muslim_views
[5] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/06/21/entregadores-se-unem-por-melhores-condicoes-de-trabalho-nos-aplicativos-entrego-comida-com-fome-diz-ciclista.ghtml
[6] https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/08/em-uti-de-hospital-da-zona-leste-de-sp-maioria-nao-sobrevive-a-covid.shtml
[7] https://www1.folha.uol.com.br/sobretudo/morar/2020/09/paulistanos-trocam-capital-pelo-interior-e-aquecem-mercado-de-casas-no-campo.shtml
[8] https://brasil.elpais.com/internacional/2020-08-03/bilionarios-se-preparam-para-o-fim-da-civilizacao.html
[9] Mishná Sanhedrin 4:5 
[10] Gen 4:9



sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Dvar Torá: O acolhimento e a exclusão: nas ruas e dentro de casa (CIP)

O próximo domingo, dia 24, será Mitzvah Day Brasil! Uma iniciativa idealizada e coordenada a partir de São Paulo, com ramificações em várias outras partes do país, que tem o potencial de ser transformador para a relação das comunidades judaicas com suas cidades e com a sociedade não-judaica e vice-versa. A partir de um conceito desenvolvido nos Estados Unidos e ampliado no Reino Unido, um grupo de voluntárias da CIP, capitaneados pelas nossas queridas Ruth Bohm, Patricia Strebinger e Carla Rosset, trouxe a ideia pro Brasil: um dia  no qual todo mundo doe um pouco do seu tempo e desenvolva projetos para o bem comum.

Assim como um monte de outras comunidades, a CIP está desenvolvendo várias frentes para o Mitsvá Day - vamos ter projetos em Campos do Jordão, em um restaurante do Bom Prato em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado. No Ensino, o programa de preparação para o Bar e Bat-Mitsvá irá se voluntariar com a ONG Anjos da Cidade, sobre a qual já ouvimos um bocado nas últimas semanas. Pra quem perdeu, de forma reduzida, os Anjos da Cidade distribuem dignidade a moradores de rua usando a comida como pretexto. Se abaixando e sentando na calçada, dando mão e puxando pra um abraço, reconhecendo as pessoas pelos seus nomes e parando pra escutar suas histórias, a transformação empreendida pelos voluntários dos Anjos da Cidade vai muito além das 350 refeições que eles distribuem todas as 3as feiras à noite. Para o Mitzvah Day, os Anjos da Cidade estão preparando um café da manhã especial para um mínimo de 350 moradores de rua na Praça Olavo Bilac em Santa Cecilia. Além da comida — incluindo cookies que nossos alunos vão preparar na próxima semana —, vai ter também palhaço, cabeleireiro, músicos, e nossos alunos do Ensino contando histórias para adultos e crianças.

Em preparação para nossa participação no Mitzvah Day, na última terça feira, um grupo de professores do Ensino se voluntariou para a ação dos Anjos, o rabino Michel e eu entre eles. Cada encontro ao longo da noite foi profundamente transformador, mas eu quero falar de um deles em especial. Esta mulher, que mora em um beco na Barra Funda, parcialmente destruído para a construção de um novo prédio, viu todos os outros moradores daquela quadra expulsos no processo. A sua barraca, no entanto, ficou lá. Com a sua doçura, ela nos contou que fez amizade com o dono da construtora e que, no final, ele acabou achando que a presença da barraca ajudaria a dar segurança à construção. Ela nos contou do livro que está lendo, orgulhosa de já estar na página 70. Ela me reconheceu de outra visita, há algumas semanas, daquela vez com o rabino Ruben. Finalmente, ela nos convidou para visitar sua barraca e nós, sem saber muito bem como responder, fomos lá, acanhados, sem querer invadir, mas percebendo que aceitar o seu convite era participar do processo de reconhecer sua humanidade, perfurar a casca do rótulo “moradora de rua” e encontrar a alma daquela pessoa, tão humana quanto eu ou cada um de vocês.

Tenho pensado muito nisso, no acolhimento e como ele humaniza os dois lados, aquele que acolhe e aquele que é acolhido. Como, ao acendermos ao encontro Eu-Tu de Buber, reconhecemos a nossa própria humanidade e também a da pessoa com quem nos relacionamos. 

Quem escolhemos receber e quem não; como recebemos e como marcamos as diferenças definem, em certa medida, quem somos, como nos apresentamos ao mundo e como permitimos que o mundo se relacione conosco.

Na parashá desta semana, temos alguns exemplos do acolher e do não acolher. Logo no começo da parashá, três homens visitam Avraham, que sai para recebê-los e lhes implora para que parem e sejam recepcionados por ele. Lavam seus pés, têm sombra para se refrescar e descansar da viagem. Juntos, Avraham e Sará preparam e lhes trazem comida: tortas, carne e outras iguarias. Tanta atenção e cuidado destacavam a dignidade, tanto das visitas quanto dos anfitriões. 

Ao partirem, tanto os três homens quanto Avraham e Sará estavam transformados pelo encontro. E as visitas seguiram seu caminho em direção a Sodoma. Lá, Lot, o sobrinho de Avraham, os acolheu em sua casa, também implorando que eles viessem a sua casa, e lhes ofereceu um banquete de matzot. Por outro lado, a população de Sodoma rodeou a casa e exigiu que Lot lhes entregasse os forasteiros.

O motivo pra exigência dos moradores de Sodoma não é claro mas muitos midrashim foram escritos para preencher esta lacuna. Um tema comum em vários deles é a perspectiva de que Sodoma era um lugar de muitas riquezas, que acreditava que a chegada de estrangeiros diminuiria a parcela de cada um dos moradores. Uma passagem de Pirkei Avot diz que a lógica que imperava para os moradores de Sodoma era “שֶׁלִּי שֶׁלִּי וְשֶׁלְּךָ שֶׁלָּךְ”,  “o que é meu é meu, e o que é seu, é seu”, que reflete também o temperamento médio das pessoas. 

Nesta segunda-feira, no Grupo de Estudos da Parashá, nos perguntamos: se esta é a atitude média das pessoas, porque ela é vista com tão maus olhos com relação a Sodoma? Nossa conclusão foi que a atitude do “שֶׁלִּי שֶׁלִּי וְשֶׁלְּךָ שֶׁלָּךְ”,  “o que é meu é meu, e o que é seu, é seu”, quando levada ao extremo, não permite o acolhimento e o reconhecimento da humanidade do outro. O que nos separa, o que nos diferencia, as diferenças entre o que temos, se tornam intransponíveis. Os habitantes de Sodoma estavam tão preocupados com o que era deles e com o que era dos outros que não eram mais capazes de reconhecer a humanidade de quem os visitava. 

O misticismo judaico fala de perspectiva de que tudo o que conhecemos é, na verdade, um só, tudo é Deus. Você, eu, a bimá, o prédio, os moradores de rua, a rainha Elizabeth, tudo somos parte de Deus e, deste forma, somos todos Um. Onde há espaço para esta percepção, em uma visão de mundo que adota radicalmente “שֶׁלִּי שֶׁלִּי וְשֶׁלְּךָ שֶׁלָּךְ”,  “o que é meu é meu, e o que é seu, é seu”?!

Avraham, nosso patriarca, foi a primeira pessoa chamada de “עִבְרִי”, “hebreu”. Um midrash pergunta qual o significado desta palavra; uma das respostas relaciona a palavra “עִבְרִי”, “hebreu” com a palavra “עֵבֶר”, “margem”, dizendo “כל העולם כולו מעבר אחד והוא מעבר אחד”, “todo o mundo está em uma margem e ele está na outra”. De um lado, o midrash representa a personalidade do patriarca Avraham, que tinha a chutspá, a coragem, de discordar do senso comum, mesmo que isso o colocasse sozinho do outro lado do rio. De outro lado, o midrash representa também muitas experiências históricas dos judeus, impossibilitados de fazerem parte plenamente das sociedades em que viviam, isolados na outra margem do rio — não por vontade própria, mas por isolamento.

A professora Nádia Poleto, da escola estadual Branca do Nascimento, em Curitiba, escreveu um poema para descrever uma interação que teve com um aluno seu, uma criança com transtorno do espectro autista, e a sensação de falta de pertencimento que ele tinha:

Pertencer 
Limite de rio é margem
Pertenço à margem,
desejo o rio.
Nele,
sou só sombra.
Com o tempo,
a água leve, que contona a pedra,
desenha seu curso
há riscos,
me arrisco,
me atiro,
suspiro,
a água leve me contorna.Sigo o curso
pertenço ao rio.Agora, contemplo a margem,
não há limites –
sorrio,
pertenço,
sou margem, sou rio. [1]

Quem está na nossa margem, querendo pular e fazer parte do rio? Quem são os grupos para quem nossa atitude se parece com “שֶׁלִּי שֶׁלִּי וְשֶׁלְּךָ שֶׁלָּךְ”,  “o que é meu é meu, e o que é seu, é seu”?

Somos produtos do nosso contexto e, por isso, refletimos os preconceitos da nossa época, mas, graças a Deus, o mundo está mudando e muitos preconceitos estão caindo. A rabina Angela Buchdahl, da Central Synagogue em Nova York, nasceu na Coréia do Sul, de uma mãe coreana e um pai americano — ela fala frequentemente de como ela não se “parece judia” e de como o contato com ela força as pessoas a reverem seus estereótipos e preconceitos. Como será que nossas percepções de quem “se parece judeu” estabelece limites e força alguns de nós a ficarem na margem quando eles gostariam de estar brincando na água? 

Na semana passada, fui convidado para um jantar de shabat de um grupo de judeus LGBT. A pessoa que me convidou achou que seria interessante para um rabino escutar as dimensões em que esta parcela do mundo judaico se sente excluída da nossa comunidade organizada. No final, o convite não se confirmou; talvez um sinal de que as mágoas geradas pela exclusão são tão profundas que a presença de alguém que simboliza o “establishment judaico” ainda não seja bem vinda. Minha mãe, que teve uma infância muito pobre e que escutou um comentário preconceituoso sobre a sua falta de dinheiro expresso pelo seu professor na sinagoga, ainda guarda esta mágoa com ela. Quantos aqui também guardam mágoas semelhantes? 

Quem sabe, com o tempo, com esforço e intencionalidade para realmente sermos plenamente inclusivos e abrirmos mão dos estereótipos que ainda carregamos sobre quem faz parte da nossa comunidade e quem não faz, consigamos curar estas mágoas, derrubar a perspectiva que alguns têm de que não são bem vindos e acolher todos que queiram se conectar com sua espiritualidade e encontrar sua comunidade aqui na CIP.

Vai dar trabalho, vai exigir que repensemos muito do que fazemos hoje, vai demandar que nos esforcemos para falar com gente que já vimos muitas vezes mas com quem nunca conversamos, mas este é o exemplo que recebemos de Avraham, é isto que a história de Sodoma, como exemplo negativo, nos instrui a buscar.

Que tal começar já no kidush desta noite?

Shabat Shalom!

[1] https://podcasts.apple.com/us/podcast/folha-na-sala/id1481109207?i=1000453588703 a partir de 19:27


sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Dvar Torá: Parashat Vayerá (Templo Beth-El, São Paulo)

Vocês já tiveram certeza absoluta de alguma coisa? Aquele sentimento de que não há a mínima chance de estarmos errados? Aquela certeza de que dois mais dois são quatro, ou que o Sol vai nascer amanhã de manhã?

Aquela certeza que o mundo medieval tinha de que a Terra era plana, a certeza que Napoleão tinha de que ganharia a guerra contra a Rússia, a certeza que Hitler tinha de que a culpa pela crise alemã era dos judeus.

Mas também a certeza que o Reverendo Martin Luther King Jr. e o Rabino Abraham Joshua Heschel tinham de que a discriminação racial no sul dos Estados Unidos era errada, a certeza que os Partizanim tinham de que o Nazismo precisava ser derrotado, a certeza que temos tantas vezes de que o amor que sentimos no momento durará para sempre.

Qual destas certezas será que Avraham Avinu, nosso patriarca Abrãao, sentiu quando Deus lhe disse: “Avraham, pegue, por favor, teu filho, teu único filho, aquele que você ama, Itzhak, e vá para a terra de Moriá, e o ofereça em sacrifício em uma das montanhas que eu te mostrarei”?

Se Avraham não teve certeza do que fazer, o texto não dá qualquer indício disto. Pelo contrário, cedo na manhã seguinte, ele acordou e, juntamente com Itzhak, se pôs a caminho de Moriá. Como sabemos, a história tem um final feliz, se é que é possível falar em finais felizes quando um pai se mostra disposto a sacrificar seu próprio filho. No último momento, quando Avraham já tinha levantado a faca para o sacrifício, um anjo apareceu e lhe disse: “Não levante a mão contra o menino e não lhe faça nada de mau, pois agora eu sei que você teme a Deus e que não poupou teu filho, teu único, de mim”.

A literatura rabínica, os midrashim e os comentários, mostram tremendo incômodo com o pedido de Deus e com a disposição de Avraham em atendê-lo sem questionar mas, no final, quase sempre encontram uma forma de justificar a atitude. Um dos meus comentaristas contemporâneos favoritos, Avraham Burg, no entanto, é mais explícito em seu desconforto. Ele diz: “Não pode ser que o Judaísmo, que é uma religião da humanidade tanto quanto é uma fé em Deus, considere a disposição serial de Avraham em sacrificar seus dois filhos como se fosse o teste absoluto da fé. Se esta é a fé, não é a minha fé. Se isto é sucesso, permitam-me falhar”[1]. Ele, então, aponta para o fato de que, apesar da grande intimidade entre Deus e Avraham, dos conselhos mútuos que um tomou do outro, das inúmeras vezes em que conversaram, é um anjo, não Deus, cuja voz ouvimos para parar Avraham no último segundo. Para Burg, este é um sinal de que Deus também acha que Avraham falhou ao aceitar sacrificar seu filho sem questionar.

Será que Avraham foi cegado pelas suas certezas? Será que sua fé absoluta de que Deus nunca lhe pediria para fazer algo errado lhe impediu de se dar conta do que estava prestes a fazer?

Quantos de nós não nos deixamos cegar pelas nossas certezas, fechando os olhos para quaisquer questionamentos e, quando nos damos conta, já fizemos coisas das quais pouco nos orgulhamos? Muitas vezes nos colocando em risco e colocando em risco aqueles que amamos – inclusive nossos filhos, como fez Avraham. Outras vezes, colocamos em risco os valores que juramos defender através das nossas certezas.

Meus professores no seminário rabínico enfatizavam um mundo em que faltam certezas, a necessidade de um olhar com ambivalência, que perceba nuances, que trate da nossa carência em reconhecer os dois lados de cada questão. Êta tarefinha difícil, às vezes quase impossível. Em um artigo publicado esta semana no blog do Estadão, Renato Essenfelder escreveu:

Viver em dúvida é uma ideia apavorante para a maioria das pessoas, que, preventivamente, apegam-se a certezas: religiosas, científicas, morais. Mas a vida é mais poesia do que ortodoxia. Acontece nos intervalos das certezas, nas reentrâncias das convicções, nos intervalos do martelo.  Nos buracos de centenas de fechaduras em centenas de portas abertas, semiabertas, fechadas, a vida se desenrola como um filme experimental, sem roteiro, sem legendas, em plano seqüência.[2]

A neurociência explica que nosso cérebro precisa de um pouco de previsibilidade e que usa as informações que consegue capturar do ambiente para fazer predições. Quando estas predições se mostram corretas, há uma sensação de recompensa. Talvez daí venha a explicação química para a aversão que às vezes temos para a incerteza. O problema é que a realidade que nos cerca não corresponde a esta nossa necessidade fisiológica.

Em um trecho bastante famoso do Talmud, nossa tradição reconhece que nem tudo é previsível, que múltiplas e contraditórias verdades podem co-existir:

Por três anos, as escolas de Shamai e Hillel debateram - cada um dizendo que a lei deveria seguir a sua opinião. Então, veio uma voz divina e disse Elu v’Elu divrei Elohim chayim, "tantos estas quanto aquelas são as palavras vivas de Deus" e a lei segue a opinião da Escola de Hillel.[3]

Como as opiniões das escolas de Shamai e Hillel, que não podiam ser conciliadas mesmo depois de serem debatidas por três anos, podem ser simultaneamente as palavras vivas de Deus? Esta história é um convite para que nos dispamos, por um momento que seja, das nossas próprias certezas e tentemos enxergar o mundo através da certeza do outro que, afinal, também pode ser verdadeira.

O texto do Talmud continua:

Por que a Escola de Hillel mereceu determinar a formulação da lei? Por que eles eram gentis e humildes e ensinavam tanto a sua opinião quanto a opinião da Escola de Shamai. Não apenas isto, mas eles até ensinavam a opinião da Escola de Shamai antes da sua própria.[4]

Nossas divergências não podem ser maiores que nossa humanidade. Muito além das ideias que nos separam, estão fatores que nos unem e é fundamental que tenhamos isto sempre em mente. Só isso, já nos fará percorrer o mundo com um pouco mais de ambivalência.

Quem se lembra da cena histórica de Itzhak Rabin apertando as mãos de Yasser Arafat nos jardins da Casa Branca, naquele 13 de setembro de 1993? Arafat estendeu sua mão para cumprimentar Rabin, que considera por alguns segundos antes de fazer o mesmo. Apesar da assinatura do acordo, sua linguagem corporal não dá sinais de certezas, ao contrário, indica um homem dividido, que consegue ver os prós e os contras do processo que ele formalizava.

Pouco mais de dois anos depois, Igal Amir não parecia considerar os dois lados quando decidiu interromper o Processo de Paz assassinando o Primeiro Ministro de Israel. Seus tiros chocaram o país, o povo judeu e o mundo e determinaram a estagnação do processo de paz. Nesta última terça-feira, marcamos o 19o aniversário do assassinato de Itzhak Rabin, uma dolorosa lembrança dos riscos de posições políticas e religiosas que têm espaço apenas para certezas.

Nas palavras do poeta israelense Yehuda Amihai:

Do lugar em que temos razão
jamais crescerão
flores na primavera.

O lugar em que temos razão
está pisoteado e duro
como um pátio.

Mas dúvidas e amores
escavam o mundo
como uma toupeira, como a lavradura.

E um sussurro será ouvido no lugar
onde houve a Casa
que foi destruída.[5]
`
Uma lição que não podia ser mais importante nesta nossa cidade, neste nosso país, tão cheios de certezas sobre nós mesmos e sobre os outros, especialmente como resultado das últimas eleições. O grau de ódio que nos acostumamos a ver diariamente online, nas paredes e nas conversas é de estarrecer. Ainda mais estarrecedor é o fato de que, na grande maioria das vezes, as pessoas percebem apenas o ódio do outro, não reconhecendo quanto do mesmo mal está presente na fala de cada um de nós.

Esta eleição, tão pobre que foi em civilidade política, trouxe à tona nossos lados mais intolerantes, maniqueístas e preconceituosos, e aqui me refiro a pessoas ao longo de todo o espectro político. Deixamos de ouvir a outra verdade, deixamos de reconhecê-la como potencialmente a palavra viva de Deus. Trancamo-nos em um universo em que apenas nossa opinião, nosso candidato e seus eleitores podiam estar certos. Ao final,  saímos todos perdendo, qualquer que tenha sido nosso voto. Assim como Avraham, deixamo-nos cegar pelas nossas certezas e quase matamos a criança no processo.

Parafraseando Burg, “Se esta é a certeza, não é a minha certeza. Se é assim que se atinge o sucesso, permitam-me falhar.” Que os cacos desta eleição nos permitam procurar um tikun, reconhecendo o potencial que existe na visão do outro, talvez ela também uma expressão das divrei Elohim chayim, das palavras vivas de Deus.

Shabat Shalom.






[2]. http://blogs.estadao.com.br/renato-essenfelder/2014/11/03/certezas/
[3]. Talmud Bavli, Eruvin 13b
[4]. Ibid.
[5]. http://poeticia.blogspot.com.br/2010/04/poetas-do-mundo-yehuda-amichai.html Fiz uma pequena alteração no final da tradução (troca de “uma casa que foi destruída” por “a casa que foi destruída”, para manter a possível referência de “הבית” como o Templo de Jerusalém).

domingo, 16 de setembro de 2012

Dvar Torah: Rosh haShanah 5775 (UIUC Hillel)


When I try to understand what happened in the past few weeks in the Middle East, it is hard not to be shocked by the lack of respect and mutual understanding demonstrated by people that call themselves religious. On the one hand, we have a video that was designed to be disrespectful to Islam in the most extreme way, produced by people who were aware of its explosive content. On the other hand, a popular reaction that has no limits to its violence, and general accusations to a whole country and a way of living.

 

And although it never got to similar levels of violence, Israel experienced its episode of religious violence earlier this year, when girls were attacked in Beit Shemesh because of the allegedly lack of modesty of their clothes.

 

In common, these episodes have the belief, held by the perpetrators of the violence, that they - and they only ‐ have the absolute monopoly of religious truth. That their understanding of the mysteries of the universe are 100% right, and that everyone else is, therefore, 100% wrong.

 

The Israeli poet, Yehuda Amihai, expressed it best:

 

The place where we are right

From the place where we are right 

Flowers will never grow

In the spring.

 

The place where we are right

Is hard and trampled

Like a yard.

 

But doubts and loves

Digup the world Like a mole, a plow.

And a whisper will be heard in the place

Where the ruined 

House once stood.

 

As a rabbi, a father, a person, I am much more interested in the questions than in the answers. I have learned from great teachers who knew how to ask great questions and to acknowledge they did not have all the answers, that the possibility that they were completely wrong was very real.

 

I have found like‐minded individuals here in this community - people both inside the Jewish world and out of it, with whom I can share my questions and get their help in our mutual search for meaning in our lives. Although our paths might be very different, we are all seekers expressing similar values.

 

Today's Torah reading reminds of this search. It is the famous story of how God approached Abraham and asked him to sacrifice his son Isaac, and how Abraham agreed to God's request, only to be stopped at the very last second by an angel.

 

I have to confess I have a terrible time trying to understand this story. How could God ask such a thing from Abraham? And how could this father, who tradition says is our collective father, agree to such a senseless demand?

 

But more interesting for our purpose here today - Why was this passage chosen to be the reading of Rosh HaShanah? (and just to be clear: in more traditional services, this section is read on the second day of Rosh HaShanah. The reading of the first day is the equally troubling episode of Sarah asking Abraham to send his other son, Ishamel, away.)

 

Tradition has a couple of different answers for this question. Let's turn to the text on page 125 to see what they are:

 

1.     The very first verse in our reading announces that "There came a time when God put Abraham to the test." Rosh HaShanah is considered the day of our annual trial, and here is the link to the test.

2.     The ram . At the end of the scene, as the angel stops Abraham from killing the boy, Abraham sees a ram, which is offered as a sacrifice. The ram's horns are like a shofar, and this is the link to the Rosh HaShanah.

3.     The third traditional answer is a combination of the previous two. We are being judged, but unfortunately, we are short on good deeds that are needed for our acquittal. This is what we sing on "Avinu Malkenu:

 

Avinu Malkeinu, be gracious and answer us, for we have little merit. Treat us generously and with kindness and be our help.

 

The shofar and our Torah reading remind God of our ancestor's Abraham, his total devotion to the point of being willing to sacrifice his own son. In this reading, Abraham passed his trial with flying colors and we are trying to get some of the benefits by association.

 

My big problem with this reading is that it takes for granted that Abraham passed his test - or at least that the Rabbis who designed the ceremony of Rosh HaShanah thought he did. It assumes a naïveté I am not willing to grant to people I envision with the highest levels of sophistication. I imagine the Rabbis who wrote the Talmud and defined our liturgy also being seekers, loving questions more than answers, and being troubled by a God that demands and a father that agrees with a son's sacrifice.

 

As I mentioned before, the traditional reading for the first day of Rosh HaShanah, is the story of Sarah sending away Hagar together with Abraham's oldest son. Again, a story that tells me more about failure than about achievement; more about the danger of deep convictions than recipes for success.

 

So.... we are left with the original question: why do we read this passage today?

 

In my opinion, this passage teaches us about failure. It is not our get‐out-of‐jail‐free card but rather the contrary: in a season in which we are asked to engage in cheshbon nefesh, or accounting of the soul, the process of introspection that helps us grow, we are reminded that we are not alone in making bad decisions some times, in failing our tests. Even Abraham, the founder of our big Jewish family, did not get everything right - we are in good company in our failure, but that should not serve as an excuse to avoid confronting our mistakes and growing as a result. We do it collectively, by reading in synagogue about times in which we really missed the mark.

 

It is also a strong warning about the kind of absolute certainty that leads people to create hate movies, or to kill in response, or to stone young kids who dress in a way that is not exactly like yours. Abraham almost lost his son because of his absolute certainty - and this story, in which God prevents him at the last minute, shows that this is not how we are expected to behave.

In his best moments, Abraham was able to argue with God in defense of Sodom and Gomora and that became a Jewish tradition. Moshe argued with God in defense of the Israelites right after the sin of the golden calf. In a famous passage from the Talmud, in which God tries to intervene in a Rabbinic dispute, God is told to back‐off, and leaves laughing at how the children have now defeated the parent. Our tradition teaches that the internal voice advising us to take extreme positions needs to be challenged and the story we just heard today reminds us all of the risk of neglecting to do so.

 

For all of this, I find today's Torah portion a great lens for us to look though at the persons we are becoming and ask if this is the direction we really want to pursue.

 

But if I've described Abraham's decision as a radical one, there is also something to be said about his faith and commitment and his willingness to sacrifice his most valued possession - his own son! - for the things he believed in. As we move from the examination of our past year into the envisioning of the new one, what are our deepest beliefs and commitments? What are we willing to sacrifice in order to remain true to our values? Our tradition also teaches us not to be a bystander, but to take an active role in improving the world we live in. What do YOU stand for and what are YOU doing?

 

This is the balance of the lack of certainty. Our tradition asking two opposite things from us ‐ to be committed without being an extremist, to take action for the things you believe in without declaring war on those with different points of view. From this space, where there is no absolute answer, may flowers, and you, and I grow in the Spring.

 

Shanah Tovah - may all of our journeys be books full of life!

 

In your booklet, there is a poem called "Sarah's choice" that retells this story from a different perspective. I find it provocative in the best sense of the word and I invite you to read it at some point during these holidays.