sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Dvar Torá: Dezembro sem dilema – Judaísmo em diálogo com o mundo em Chanucá (CIP)

Além de muitas coisas para muitos grupos, esta terça feira, 24 de dezembro, marca o shloshim do rabino Henry Sobel. Quem esteve aqui na linda cerimônia que a CIP organizou em sua memória deve ter percebido que eu não compartilhei nenhuma memória dele. Tem um ótimo motivo para isso: nós mal nos conhecíamos. Ele conduziu minha cerimônia de bar-mitsvá, é verdade, mas minha família e eu quase nunca vínhamos à CIP, então ele não teria motivo nenhum para se lembrar de mim passados alguns meses da cerimônia. Um exemplo deste distanciamento: vários anos depois do meu bar-mitsvá, já na faculdade, eu comecei a namorar uma menina muito ativa na CIP. Ela acumulava duas posições profissionais aqui e ainda era ativa como voluntária na Avanhandava e na Colônia. Nosso namoro patinava porque todo tempo livre que ela tinha era passado aqui nesse prédio, para desespero do namorado (eu!), que queria mais tempo juntos. Um dia, eu não lembro bem o motivo, eu estava na CIP com ela e o rabino Sobel apareceu. Com a chutspá típica de um garoto de 20 anos, me aproximei do rabino e lhe pedi que usasse seus contatos no diálogo inter-religioso para converter minha namorada ao catolicismo, argumentando que o envolvimento dela com a comunidade judaica estava matando nosso namoro. O rabino Sobel, que certamente não se lembrava do meu bar-mitsvá, imaginou — é claro — que eu fosse católico! Por que mais alguém pediria ao rabino para converter sua namorada para outra religião?! Então, em palavras proféticas, o rabino me disse: “meu querido, muito mais fácil trazer você para perto de nós do que deixar ela ir embora.” O resto é história, mas hoje aqui estou eu, rabino, desta CIP….

Tem, no entanto, uma prédica do Sobel da qual eu me lembro claramente. Era nesta época do ano e ele se manifestava contra um costume judaico liberal americano: o “Chanukah Bush”, ou a árvore de Natal fantasiada de Chanucá. Ele se manifestava pela viabilidade do diálogo com membros de outras religiões, mas afirmava que era importante que soubéssemos manter também o que era nosso e não se apropriar do que é das outras tradições. Nesta época do ano, com abundância de celebrações conjuntas judaico-cristãs, é fundamental lembrarmos que não precisamos – mais do que isso, não podemos – abrir mão de quem somos quando entramos em diálogo com o outro.

Mais do que isso: para alguns filósofos, o encontro com o outro é passo fundamental para a definição da identidade. Num mundo em que existissem apenas mulheres – como a ilha de onde veio a Mulher Maravilha – ninguém se definiria como mulher; se todos fôssem judeus no mundo, religião não definiria identidade. É só quando encontramos alguém que difere da gente em algum aspecto que aquele aspecto ganha relevância em sua dimensão identitária.

A possibilidade deste diálogo com a diferença está no centro das questões suscitadas pela festa de Chanucá. Até onde é possível nos integrarmos a espaços diferentes de nós mesmos sem abrirmos mão daquilo que nos é mais caro? Os americanos têm uma expressão, “slippery slope”, “uma rampa escorregadia”, para falar do risco de que uma concessão acabe levando a abrirmos mão de tudo. De que forma o diálogo com outras culturas ou outras religiões é a “slippery slope”, da vez? Tomando a história de Chanucá como exemplo, até quanto podemos defender a integração com a cultura ocidental antes de vermos sacrifício de porcos a deuses pagãos em nossos templos religiosos?

Esta semana eu assisti de novo “Truman Show”, um filme de pouco mais de vinte anos, da época em que a Reality TV, os programas do tipo Big Brother, O Aprendiz, The Bachelor, Masterchef, estavam apenas começando. No filme, e aqui não vai nenhum spoiler, toda uma realidade é construída para acompanhar a vida deste sujeito que, desde o nascimento, tem todo segundo de sua vida transmitido ao vivo. Truman Burbank, o sujeito do filme, vive uma enorme mentira cinematográfica, mas acredita estar vivendo a realidade. No filme, o diretor deste enorme projeto afirma: “Aceitamos a realidade do mundo que nos é apresentada. Simples assim” – e eu fiquei me perguntando: “para quantos momentos das nossas próprias vidas, esta frase descreve a nossa abordagem com relação ao que vivemos: nós aceitamos a realidade do mundo que nos é apresentada; simples assim.” O que fazer quando percebemos que a realidade do mundo que nos é apresentada não reflete com exatidão a realidade do mundo como ela é?! Esta parece uma pergunta fundamental em uma época em que a manipulação da verdade tem se tornado cada vez mais comum. Há cerca de um mês, assisti uma matéria da BBC em que apareciam vídeo de Boris Johnson e de Jeremy Corbyn, rivais na eleição britânica da semana passada, pedindo votos um para o outro. As imagens eram as deles, as vozes eram as deles, mas os vídeos eram absolutamente forjados usando recursos computacionais avançados. Evidências manipuladas, falsas narrativas promovidas.

Mentir não é novidade, falsificar evidências também não. Na parashá desta semana, Vaieshev, os filhos de Iaacov apresentam o manto ensanguentado de Iossef como prova de que um animal selvagem o tinha atacado. O que Iaacov não sabia, mas o texto da Torá nos conta, é que os irmãos tinham vendido Iossêf como escravo e molhado sua roupa no sangue de um bezerro que eles tinham abatido. Evidências manipuladas, falsas narrativas promovidas.

Uma das falsas narrativas mais frequentemente promovidas no mundo judaico é a do isolamento da comunidade judaica ao longo dos séculos. Nessa versão da história judaica, nossos antepassados vestiam todos capotes pretos e shtreimel, aqueles grandes chapéus usados pelos ultra-ortodoxos; viviam em um shtetl em que nunca entravam em contato com não-judeus, só conheciam o mundo sob a perspectiva da tradição judaica e seguiam todas as 613 mitsvot ao pé da letra. Todas as tentativas de interação com o mundo não-judaico teriam levado a desastres - nesta versão, os feriados de Purim e Chanucá, por exemplo, seriam evidência da impossibilidade da convivência entre o mundo judaico e nossos vizinhos não judeus. Evidências manipuladas, falsas narrativas promovidas.

Os pesquisadores da história judaica não param de apontar para as interações - algumas positivas, outras nem tanto, entre a cultura judaica e o mundo exterior. O mais interessante é que estas pesquisas apontam para uma  tendência judaica a se apropriar de elementos culturais não-judaicos e re-interpretá-los de acordo com nossos valores e nossas narrativas. O seder de Pessach, eles argumentam, é uma implementação da tradição romana do simpósio — uma experiência culinária que incluía pequenas porções para serem comidas antes do prato principal, jogos para manter as crianças acordadas, vinho antes e depois da refeição, valorizavam perguntas, músicas e louvor a Deus e tinham conversa centrada ao redor do motivo para aquelas comidas. O que o simpósio romano não tinha era a discussão ao redor da liberdade analisada pela perspectiva da tradição judaica. Da mesma forma, os estudiosos da liturgia do casamento dizem que a quebra do copo está ligada a um costume pagão para espantar os maus espíritos, que teriam medo do barulho — apropriamos o costume, mas reconstruímos seu significado e valores, associando a quebra do copo à perspectiva judaica de não acreditar em absolutos e, por isso, trazer alguma tristeza à cerimônia de casamento. No caso de Chanucá, como eu já comentei com alguns grupo neste ano, o sevivon, aquele peãozinho que tem nas laterais as letras “נ, ג, ה, ש”, iniciais da frase “נס גדול היה שם”, “um grande milagre aconteceu por lá”, também teve sua verdadeira história ocultada por uma outra. Na escola, eu aprendi que os gregos não deixavam os judeus estudarem Torá então, nossos antepassados — provavelmente, vestindo capote preto e shtreimel —  estudavam Torá escondidos, mas com os sevivonim em cima da mesa. Quando as autoridades gregas chegavam, eles escondiam seus livros e jogavam sevivon para enganar os gregos. A verdade revelada pelos arqueólogos é bem diferente: o sevivon é originalmente um brinquedo católico irlandês do século XVI, parte de um jogo de apostas chamado “Totum”, ou “tudo” em latim. No século XIX, chega à Alemanha, onde as letras das suas laterais são traduzidas para que o mesmo jogo pudesse ser jogado no idioma local. Quandos as letras em alemão são transliteradas para o ídiche, dão origem à sequência נ, ג, ה, ש. Adaptamos o brinquedo católico, mas fizemos com que ele se tornasse parte de uma narrativa de Chanucá, que valoriza a busca da luz nos nossos momentos mais sombrios, que encoraja a coragem de ter atitude mesmo quando as chances são mínimas, que acredita em um mundo multicultural, em que nem todos precisem adotar as mesmas práticas. 

Estes exemplos apontam para a contínua capacidade judaica de estar presente no diálogo com o outro; que não vê a diferença como ameaça e, sim, como oportunidade de crescimento; que pretende continuar a milenar tradição judaica de se relacionar com o seu entorno e nunca se esconder dele.

Infelizmente, a perspectiva que nega estas possibilidades, que distorce evidências e manipula narrativas, tem conseguido sucesso em apresentar sua visão judaica construída com base na separação como a única verdadeira. Para alguns, convencidos de que esta visão excludente representa o “judaísmo autêntico”, é motivo para adotarem certos estilos de vida e perspectiva teológicas. Para muitos outros, no entanto, este é motivo para se afastarem totalmente da comunidade judaica, percebida como auto-centrada e desinteressada em participar do mundo como ele é. Na CIP, nós oferecemos um terceiro caminho, que não rejeita, nem o encontro, nem o judaísmo.

Comemorar Chanucá como a festa das possibilidades do diálogo, da luz frente às trevas, das múltiplas narrativas, do diálogo — mesmo com aqueles que acreditam em narrativas religiosas radicalmente diferentes — é se manifestar por um judaísmo de pontes e não de muros, no qual o encontro com outras culturas enriquece nossas perspectivas judaicas e nos ajuda a refinar nossas experiências religiosas.

É bem possível que ainda criem uma narrativa judaica para o Chanukah Bush, a árvore de Natal fantasiada para Chanucá. Diferente do rabino Sobel, eu não descarto sua viabilidade de antemão, mas quero antes entender como sua adoção enriqueceria nossa experiência da Festa das Luzes e não seria apenas uma incorporação de valores e práticas que nos são estranhos. Na minha casa, por enquanto, não tem. O que temos lá são duas chanukiot, uma acendida de acordo com a opinião de Hillel, começando com uma vela e terminando com oito, e outra acendida de acordo com a opinião de Shamai, começando com oito velas e terminando com uma. Assim, expressamos nosso absoluto comprometimento com o pluralismo judaico, com o debate de ideias, com a viabilidade de um judaísmo aberto ao diálogo, ao encontro, cheio de luzes e de kedushá!

Shabat Shalom e Chag Urim Sameach!

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Dvar Torá: Violência contra as mulheres – um problema dos homens! (CIP)

Há pouco mais de 20 anos, a escritora judia norte-americana Anita Diamant publicava a primeira edição de “A Tenda Vermelha”, na qual retratava a vida das mulheres nos tempos bíblicos, em especial na geração de Lea, Rachel, Bilá, Zilpá e suas filhas. Inicialmente, apesar de a autora ir a todos os círculos de leitura que ela conseguia, o livro não teve sucesso e ela precisou de um plano para evitar que as cópias já impressas do livro fossem recolhidas e destruídas pela editora, que achou que elas nunca seriam vendidas. Seu plano envolveu enviar cópias para a Rede de Mulheres Rabinas do movimento Reformista e para a Associação Rabínica Reconstrucionista, além de angariar o apoio de pequenas livrarias locais. Desta forma, o livro cresceu em popularidade e chegou à lista dos mais vendidos no New York Times [1]. Hoje, transformada em uma minisérie de dois capítulos, a história pode ser assistida no Netflix [2].

O que fez dessa história um sucesso tão grande? Ela deu às mulheres das narrativas bíblicas uma voz e um ponto de vista. Sabemos muito sobre os personagens masculinos das histórias do Tanach; sabemos muito menos a respeito das personagens femininas. Aqui está um exemplo: conhecemos o nome de 12 filhos do patriarca Yaacov: Reuven, Shim’on, Levi, Iehudá, Dan, Naftali, Gad, Asher, Issachar, Zevulun, Iossef, and Biniamin — além do número, eles dão nome às tribos do povo de Israel e, por isso, são relembrados constantemente. Há apenas uma filha de Yaacóv cujo nome é mencionado,  Diná, que não tem uma tribo que receba seu nome. A esse respeito, Shadal, o rabino Shmuel David Luzato, que viveu no começo do século 19, disse que era muito improvável que Yaacóv tivesse tido 12 filhos e apenas uma filha e que o nome de Diná só tinha sido mencionado por um episódio que aconteceu com ela (e sobre o qual já vamos falar) — e ele completa: “em todo lugar na história das nossas gerações, são mencionados apenas os homens e as mulheres que tiverem algum evento particular significativo ou que eram famosas por algum motivo” [3]. Pois é, quase que por regra, a história das nossas matriarcas não foi registrada.

A este respeito, minha professora Merle Feld escreveu o seguinte poema:
Todos estivemos juntos 
Meu irmão e eu estivemos no Sinai
Ele tinha um diário
do que ele via
do que ele ouvia
de tudo o que aquilo significava para ele
Eu queria ter um registro assim
do que aconteceu comigo
Parece que toda vez que eu quero escrever
Eu não posso
Estou sempre segurando um bebê
um meu
ou um de uma amiga
sempre segurando um bebê
então minhas mãos nunca estão livres
para escrever coisas
E então
conforme o tempo passa
os detalhes
a informação
de quem o que quando onde porquê
foge de mim
e tudo que me sobra é
o sentimento
Mas sentimentos são apenas sons
As vogais latindo do silêncio
Meu irmão tem tanta certeza do que escutou
afinal, ele tem o registro
consoante após consoante após consoante
Se nós lembrássemos juntos
poderíamos recriar tempo sagrado
fagulhas voando. [4]
Por isso, Anita Diamant tentou recriar este tempo sagrado, escrevendo uma história com a perspectiva das mulheres bíblicas. No centro da história que ela conta está uma passagem da nossa parashá — o tal episódio que aconteceu com Diná. Diz a Torá, em tradução minha:
“Diná, filha de Lea, que tinha dado a luz a Yaacov, saiu para ver as mulheres do local. Shchem ben Chamor, o chivita, o príncipe do local, a viu e a tomou e a violentou com força.” [5]
O texto continua, dando mais detalhes sobre a história: Shchem se apaixona e tenta se casar com Diná e seu povo acaba sofrendo um massacre pelas mãos de Shim’on e Levi. O que falta no texto bíblico é a voz de quem sofreu esta violência. Não sabemos o que se passou com Diná: o que ela sentiu, com quem falou ou no ombro de quem foi chorar. 

A resposta de Yaacov e de seus filhos se preocupa com a honra deles, ninguém fala do que aconteceu com ela! Por isso, Anita Diamant escreveu seu livro e deu voz e opinião às mulheres da história — e, para ser justo, eu adianto que Anita Diamant tem uma leitura totalmente diferente desse episódio.

Esse não é o único caso de violência sexual dessa parashá. No final do capítulo seguinte [6], ficamos sabemos que Reuven, o primogênito de Yaacov, violentou Bilá, a concubina do seu pai. Aqui, eu sigo a leitura de Lia Bass, a primeira brasileira a receber o título de rabina. Ela nota uma questão gramatical: a preposição “et” usada depois do verbo “lishcav, se deitar”  indica o uso de força no ato sexual e aparece apenas três vezes no Tanach, na história de Diná, na história de Reuven e Bilá e na história de Amon e Tamar. Nas palavras da rabina Lia:
Nestas três situações, fica claro que a motivação para o estupro não é o desejo. A questão é o poder, como aprendemos nos nosso tempo. O estupro é um ato violento, um ato de estabelecimento de autoridade e poder através do medo (…) Esta é uma mensagem tão relevante hoje quanto era séculos atrás, pois homens continuam usando e abusando de mulheres como peões em seus jogos de poder.  [7]
Precisamos falar da violência contra as mulheres! Um levantamento do Ministério da Saúde indica que, no Brasil, uma mulher é vítima de violência a cada 4 minutos [8]. Nos quinze minutos que esta prédica deve demorar,  quatro mulheres com nome, com uma história de vida, com sentimentos e dores e desejos e sonhos que terão sofrido algum tipo de violência. Como estima-se que menos de metade das mulheres denunciam essas agressões [9], é possível que neste tempo tenham sido oito ou mais as mulheres que sofreram violência.

Precisamos falar da violência contra as mulheres!

Nossa autopercepção judaica é que esse não é um problema nosso. Judeus não fazem essas coisas…. ainda bem que o Grupo de Empoderamento e Liderança Feminina da Fisesp pensa diferente [10]! Eles criaram uma Central de Acolhimento à Mulher e uma campanha para a denúncia de casos de violência contra a mulher, sob o lema “Violência Doméstica também é um assunto judaico. Use sua voz” e eles alertam: “Agressão verbal, humilhação, intimidação, isolamento e ameaças também são formas de violência.”

O projeto oferece o apoio de psicólogas, psiquiatras, advogadas para ouvir as histórias, dar acolhimento e oferecer apoio a mulheres que estão sofrendo estas agressões. Além da Fisesp, uma rede comunitária de apoio está se empenhando neste projeto — a CIP, por exemplo, tem ajudado dando orientação ao trabalho para mulheres que, ao saírem de casa, precisam desenvolver sua independência financeira.

Eu conversei com nossa querida Miriam Vasserman, Diretora do Grupo de Empoderamento e Liderança Feminina, que me pediu para não divulgar os números de pessoas atendidas, mas eles me deixaram de cabelo em pé. Ela destacou que muitas dessas mulheres não sabem que estão sendo vítimas de violência, acham que seus namorados ou maridos são apenas ciumentos e acreditam na narrativa de que são elas as verdadeiras culpadas, por causa do comprimento da saia, por causa da maquiagem, pela forma como conversaram com um colega.  
Vamos deixar bem claro: violência é inaceitável e a culpa é sempre do agressor. Toda mulher precisa saber disso, toda menina precisa ser educada sabendo disso. A culpa é sempre do agressor!
Eu sou filho de uma mulher, pai de uma menina e, por isso, esse assunto é pessoal para mim. Esse assunto também é pessoal para mim porque eu eu sou homem, pai de um menino, porque eu sou filho de um homem. Não existe solução para esta questão que não envolva mudanças de atitude em nós, homens.
Mudanças nas piadas, mudanças nos comentários, mudanças profundas nas visões de mundo nas quais fomos criados e que não são mais adequadas para a época em que vivemos. 

Somos grande parte do problema e, enquanto não reconhecermos este fato, teremos que continuar lidando com a triste realidade de quase uma dezena de mulheres sofrendo violência no tempo que eu demoro para ler uma prédica. Podia ser a minha filha, ou a tua, podia ser tua dentista, a engenheira da obra ou tua melhor amiga — ou podia ser eu o agressor, podia ser o teu médico ou o teu advogado. 

Uma mulher a cada quatro minutos. Não dá pra achar que o problema vai se resolver sozinho ou sem mudanças profundas, que são sempre difíceis.

Em outra passagem desta parashá, Yaakov fica sozinho na margem do rio e tem um duelo misterioso durante a noite, que o deixa ferido para o resto da vida. Alguns comentaristas interpretam que ele se encontra consigo mesmo e que este encontro no espelho, confrontando suas próprias falhas, olhando pra dentro de si mesmo como nunca tinha feito antes, o deixa profundamente marcado. Deste encontro, ele ganha o nome Israel, aquele que enfrentou Deus e humanos e prevaleceu.

Esta é nossa hora: temos que nos olhar no espelho e reconhecer nossas verdades mais escondidas, nossa responsabilidade em acabar com a vergonha que são as práticas de violência contra a mulher em nosso país e em nossa comunidade. As mulheres já deram o primeiro passo, agora é a hora de nós, homens, fazermos a nossa parte.

Shabat Shalom!

[3] Comentário de Shadal para Gen. 37:35, no qual fala-se em :"filhos e filhas de Iaacov" (no plural para os dois gêneros
[4] Merle Feld, “We All Stood Together”, A Spiritual Life, p. 205. Tradução minha.
[5] Gen. 34:1-2
[6] Gen. 35:22
[7] Rabbi Lia Bass, “No Means No”, in Rabbi Elyse Goldstein (Ed.) The Women’s Torah Commentary, p. 85. Tradução minha.

Saindo das nossas bolhas de ressonância

Em épocas de divisões ideológicas profundas como estamos vivendo hoje, não é incomum que a maioria das nossas discussões se transformem em Fla-Flu, nos quais defendemos as posições daqueles com quem nos identificamos, sem ao menos considerar os argumentos que são efetivamente levantados. Nas potentes caixas de ressonância das redes sociais, as posições que defendemos servem de distintivo que marcam nosso pertencimento a este ou a aquele grupo. A velha piada sobre o judeu náufrago que constrói duas sinagogas na ilha em que vive sozinho, “em uma, eu rezo diariamente; na outra, eu nem passo na frente!”, passou a refletir partes crescentes das nossas posições.

Na parashá desta semana, Vaishlách, os irmãos Iaacóv e Essáv se reencontram depois de ficarem separados por vinte anos. Esse momento é cercado de tensão, pois Iaacóv tinha fugido da terra de Cnaán depois de trapacear seu irmão pela benção de seu pai e Essáv ter jurado matá-lo. Ao se aproximar da terra em que seus pais viviam, Iaacóv manda mensageiros com mensagens de paz e, quando ele descobre que seu irmão está vindo em sua direção na companhia de 400 homens, ele entra em pânico e desenvolve uma estratégia quase-militar, dividindo seu grupo em dois (para facilitar a fuga) e enviando presentes que adoçassem o coração do seu irmão.

O encontro foi exatamente o oposto do que Iaacóv temia. Essáv abraçou-o e beijou-o e, juntos, os dois irmãos choraram. Essáv propõe que os dois caminhem juntos, uma tentativa de reconstruir a relação fraternal que havia se perdido. Iaacóv recusa: ele deseja paz, mas não proximidade.

Para os comentaristas clássicos, as intenções de Essáv são, necessariamente, as piores possíveis -- o grande debate é se Iaacóv agiu de forma correta ao enviar presentes e tentar, assim, apaziguar a ira do malvado Essáv. A associação entre Essáv (também chamado de Edom, ou “vermelho”) e o Império Romano (que tinha no vermelho a sua cor) restringiam a possibilidade de que nossos rabinos, que viviam sob opressão do império, tivessem uma leitura generosa do irmão do nosso patriarca. No entanto, ao ler o texto da Torá, eu não encontro nada que desabone a conduta de Essáv. Se a beleza está no olhar de quem a enxerga, a percepção de que Essáv tinha más intenções também depende menos de suas ações do que de quem as observa. A verdade é que a opinião rabínica a respeito de Essáv tem muito pouco a ver com o que ele faz e muito a ver com o fato de que ele é o antagonista do nosso patriarca - não muito diferente da conduta que verificamos nas redes sociais de hoje.

Essa semana, escutei em um podcast sobre os campos de detenção para uma minoria muçulmana na China, os Uighur [1]. Mais de um milhão de pessoas já foram detidas e, de acordo com algumas fontes, submetidas a processos de lavagem cerebral que buscam convencê-los a abandonar suas crenças religiosas [2], além de outros tipos de violência.

O povo judeu, ao longo de sua história, vivenciou inúmeros episódios em que fomos atacados e massacrados pelo único motivo de termos nossas crenças e práticas religiosas; episódios nos quais o silêncio do mundo, não apenas nos ofendeu profundamente, mas também custou milhões de vidas judias. A tradição judaica ensina que devemos aprender dos episódios de opressão que vivenciamos para que protejamos aqueles que passam por situações semelhantes nos dias de hoje, sem deixar que nossos preconceitos contra qualquer grupo nos impeça de identificar a injustiça onde quer que ela ocorra. Nesse sentido, é nossa obrigação judaica nos solidarizarmos com os Uighur na China e não economizarmos esforços para interromper o brutal assalto do qual eles estão sendo vítimas.

Que nesse Shabat possamos superar a estreiteza das nossas posições habituais e estarmos abertos para desenvolver empatia pela situação dos aflitos, mesmo aqueles que não fazem parte do nosso círculo tradicional de aliados.

Shabat Shalom, 

sexta-feira, 22 de novembro de 2019

Dvar Torá: Sendo gente em um lugar onde falta humanidade (Lar das Crianças)

“Rogério, em uma terra de rinocerontes, se esforce para ser gente.” Eu não lembro dos detalhes da prédica do rabino Sobel no meu Bar Mitsvá, mas eu lembro desta mensagem final.
במקום שאין אנשים, השתדל להיות איש”, “em um lugar em que a humanidade estiver em falta, se esforce para ser gente” [1]
O rabino Sobel tocou milhares de vidas durante sua longa carreira no rabinato. Ele nem sempre conseguiu o consenso, mas ele certamente foi transformador para muitos que entraram em contato com ele. Hoje, no facebook, foi emocionante ver a quantidade de relatos pessoais de como as suas palavras e a sua atitude impactaram as pessoas de maneira muito positiva. 
במקום שאין אנשים, השתדל להיות איש”, “em um lugar em que a humanidade estiver em falta, se esforce para ser gente”
Em um momento da história do nosso país em que se comportar fora das normas da moralidade e da humanidade tinha se tornado aceitável, o rabino Sobel ousou ser gente. Apresentado ao caso de Vladimir Herzog com sinais claros de tortura em 1975, teve a coragem de negar publicamente a narrativa de que ele tinha se suicidado. Não foi a única manifestação do rabino que incomodou a ditadura. Manifestou-se pela democracia da bimá da CIP, nas ruas, em encontros políticos e no famoso ato ecumênico na Catedral da Sé, ao lado do dom Paulo Evaristo Arns e James Wright. Sua coragem de desafiar os poderosos, de ir contra o senso comum, de desenvolver um Judaísmo de relevância para os nossos momentos mais alegres e nossas horas mais sombrias foi contagiante e inspirou uma geração de judeus a se aproximarem do judaísmo e, através dele, sonhar com um mundo melhor.
במקום שאין אנשים, השתדל להיות איש”, “em um lugar em que a humanidade estiver em falta, se esforce para ser gente”

A parashá desta semana se chama “Chaiei Sará”, “a vida de Sará”, e muitos comentaristas destacam o fato de que, apesar deste nome, a parashá fala, logo no seu início, do falecimento de Sará. Fala também, no seu final, do falecimento de Avraham. Juntos, Avraham e Sará deram início à maravilhosa saga judaica. Um casal que teve a coragem de ser iconoclasta, de contestar o senso comum e as verdades absolutas da sua época, de escutar seu chamado interno e abandonar tudo o que conhecia e começar uma nova vida, em um novo lugar. E, mesmo assim, quando lhe pediram algo que desafiava seu senso de justiça, teve a coragem de desafiar o mesmo Deus por quem tinha largado tudo. Desafiar o senso comum exige coragem, mas desafiar a autoridade que tem o poder de punir e que já tinha demonstrado a disposição em punir, exige muito mais.
במקום שאין אנשים, השתדל להיות איש”, “em um lugar em que a humanidade estiver em falta, se esforce para ser gente”
O rabino Sobel se encontra com Avraham e com Sará neste lugar dos tzadikim que ousaram ser pessoas em terras de rinocerontes, de serem pessoas em lugares em que a humanidade estava em falta. Longe de serem pessoas perfeitas, longe de serem apresentados como santos, mas seus eventuais tropeços em nada tiram da enormidade de suas qualidades, do impacto das suas ações e das suas palavras, das milhares de pessoas que foram impactadas por estas personalidades maiores do que a vida. 
במקום שאין אנשים, השתדל להיות איש”, “em um lugar em que a humanidade estiver em falta, se esforce para ser gente”
Comentando sonbre esta parashá, a rabina Rona Shapiro sugere:
“Talvez, esta parashá seja chamada Chaiei Sará, ‘a vida de Sará’, porque, com a morte de Sará, Avraham finalmente aprende a viver a vida dela; ele desce da montanha e se torna um homem do coração, um homem que toma conta dos membros de sua família e vive sua vida no plano humano. Ele aprende a encontrar verdade e significado dentro do contexto de sua família, ao casar seu filho, criar crianças, nos pequenos atos de gentileza que tornam a vida sagrada. Avraham aprende que Deus não está em um trono nos céus, mas está em qualquer lugar em que os humanos O convidarem em suas vidas.” [2]
Com a morte de Sará, Avraham precisa assumir um novo papel na sua relação com Itschak. Em seu livro “A Tenda Vermelha”, a escritora judia norte-americana Anita Diamant nos conta sobre a Tenda de Sará, onde as mulheres se reuniam e se prestavam apoio mútuo, mas quem apoiava Avraham em seu novo papel de tomar conta de Itschak? É a seu servo, Eliezer, que Avraham pede ajuda e o manda para a terra de seus ancestrais, que ele tinha deixado para trás, para encontrar uma esposa para seu filho.
Um ditado popular africano que se tornou popular nos Estados Unidos diz que “it takes a village to raise a child”, “é necessária uma vila inteira para criar uma criança”. A ideia é que a educação de uma criança não é apenas o resultado do esforço dos seus pais, ou nem mesmo da sua família expandida, mas que todo o seu entorno tem uma parte dessa responsabilidade. Em um mundo em que as normas de convívio e de solidariedade se deterioram a cada momento, em que cada um parece se preocupar apenas com seus próprios problemas, nos quais andamos pelas nossas ruas indiferentes à multidão que lá dorme, eu me pergunto onde está a vila que ajuda a criar cada criança.
במקום שאין אנשים, השתדל להיות איש”, “em um lugar em que a humanidade estiver em falta, se esforce para ser gente”
Assim como Avraham, nossos pais, avós e bisavós chegaram a este país deixando um mundo para trás. Deixaram suas famílias, deixaram suas posses, deixaram suas redes de apoio. Assim como Avraham, eles também precisavam de ajuda na criação de seus filhos e, assim, nasceu este Lar das Crianças. Com o tempo, as famílias que precisavam de ajuda já não eram mais as famílias dos nossos imigrantes, mas o Lar foi mudando o seu foco sem diminuir o carinho e a atenção que dá a cada uma das crianças que educa. Numa terra em que impera a escuridão, o Lar acende luzes; numa terra de indiferença, o Lar ensina a solidariedade; numa terra em que cada um cuida dos seus próprios problemas, o Lar nos mostra que alguns problemas são responsabilidade de todos nós.
O Lar é a vila que ajuda os pais a educarem os seus filhos. Muito obrigado pelo papel lindo e gigante que vocês desempenham pelos seus educandos e pela alma de todos nós.
São exemplos como os de Avraham, de Sará, do rabino Sobel, e do Lar que nos ensinam a sermos gente numa terra de rinocerontes; a sermos gente em lugares em que a humanidade está em baixa.

Que eles continuem nos inspirando e iluminando nossos caminhos.

[1] Pirkei Avot 2:5
[2] Elyse Goldstein (ed.), The Women’s Torah Commentary: New Insights from Women Rabbis on the 54 Weekly Torah Portions. Jewish Lights: Woodstock, Vermont. p. 74.

Amores e fraturas nas nossas famílias

Uma das coisas que mais me encanta nas histórias da Torá é a forma como a nossa tradição não evita apresentar nossos ancestrais como pessoas verdadeiras, com suas contradições internas, que acertavam e erravam, às vezes ao mesmo tempo. Da mesma forma, nossos textos sagrados refletem relações humanas, especialmente as relações familiares, em toda a sua complexidade, com conflitos, traições, injustiças, mas também com momentos maravilhosos de generosidade, de amor profundo e de luta pelos injustiçados. 

Nas últimas semanas, lemos histórias complicadas para a família dos nossos patriarcas e matriarcas. A pedido de Sará (que recebe o apoio de Deus em seu pedido), Avraham expulsou Hagar e o filho deles, Ishmael. Em seguida, sem consultar sua esposa, Avraham escutou a ordem de Deus e levou o filho deles, Itschak, para ser sacrificado. Alguns _midrashim_ contam que, quando Sará escutou que seu marido havia levado o único filho dela para ser sacrificado, o terror e a tristeza fizeram com que ela falecesse imediatamente, sem saber que Itschak havia sido poupado [1].

A parashá desta semana, Chaiei Sará, começa com os impactos da morte da nossa primeira matriarca. Refletindo, novamente, a verdadeira intensidade das nossa relações humanas, o texto nos conta como Avraham se abateu com a perda de sua esposa [2] – apesar de esta não ser a primeira morte da Torá, é a primeira oportunidade em que a Torá nos fala sobre alguém ficar enlutado pela perda um parente próximo.

Nas próximas semanas, leremos sobre complicações na relação entre a segunda geração desta família, Itschak e Rivcá, em particular no que tange ao relacionamento de seus filhos. Nesta parashá, tomamos conhecimento do momento em que os dois se conhecem: quando Rivcá desce do seu camelo ao vê-lo à distância [3] e como ele levou-a à tenda de sua mãe, tomou-a para esposa e amou-a [4] – a primeira vez em que a Torá nos conta sobre o amor entre um casal. Muitos comentaristas discutem a ordem dos verbos: se o amor não deveria vir antes do casamento e apontam para um tipo de amor relacionado à parceria do dia-a-dia, que se desenvolve ao longo do relacionamento e que se soma ao amor que havia anteriormente.

No final da parashá, Avraham também falece, aos 175 anos. Em seu enterro, Itschak reencontra seu meio-irmão, Ishmael, que havia sido expulso pelo pai deles. 

Nas histórias da nossa parashá, entre Avraham e Sará, entre Rivcá e Itschak, entre Avraham e seus filhos, Itschak e Ishmael, o amor é a chave da superação dos conflitos. Seres humanos são criaturas complexas, que reagem de formas, algumas vezes, imprevisíveis e inexplicáveis. Certas crises são facilmente superadas com um toque de bom senso; para outras, temos que engolir o ego e dar o primeiro passo para reconstruir relacionamentos fraturados. Nas relações mais tranquilas e naquelas mais tumultuadas, o amor é a chave que possibilita e dá significado ao que construímos em parceria, em particular aos nossos relacionamentos familiares. Percebemos o amor no choro de Avraham ao perder Sará, no carinho que o texto deixa claro entre Itschak e Rivcá, no reencontro de Ishamel com seu meio-irmão e com seu pai. Exemplos dos quais precisamos aprender e exercitar nas nossas próprias rotinas.

Que este seja um shabat de muito amor, de encontros e de reencontros, em que saibamos reconhecer a importância daqueles que nos são mais próximos e queridos em toda a sua complexidade e beleza.

Shabat Shalom!


[1] Veja, por exemplo, o comentário de Rashi para Gen. 23:2.
[2] Gen. 23:2.
[3] Gen. 24:64.
[4] Gen. 24:67.

sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Dvar Torá: O acolhimento e a exclusão: nas ruas e dentro de casa (CIP)

O próximo domingo, dia 24, será Mitzvah Day Brasil! Uma iniciativa idealizada e coordenada a partir de São Paulo, com ramificações em várias outras partes do país, que tem o potencial de ser transformador para a relação das comunidades judaicas com suas cidades e com a sociedade não-judaica e vice-versa. A partir de um conceito desenvolvido nos Estados Unidos e ampliado no Reino Unido, um grupo de voluntárias da CIP, capitaneados pelas nossas queridas Ruth Bohm, Patricia Strebinger e Carla Rosset, trouxe a ideia pro Brasil: um dia  no qual todo mundo doe um pouco do seu tempo e desenvolva projetos para o bem comum.

Assim como um monte de outras comunidades, a CIP está desenvolvendo várias frentes para o Mitsvá Day - vamos ter projetos em Campos do Jordão, em um restaurante do Bom Prato em parceria com a Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado. No Ensino, o programa de preparação para o Bar e Bat-Mitsvá irá se voluntariar com a ONG Anjos da Cidade, sobre a qual já ouvimos um bocado nas últimas semanas. Pra quem perdeu, de forma reduzida, os Anjos da Cidade distribuem dignidade a moradores de rua usando a comida como pretexto. Se abaixando e sentando na calçada, dando mão e puxando pra um abraço, reconhecendo as pessoas pelos seus nomes e parando pra escutar suas histórias, a transformação empreendida pelos voluntários dos Anjos da Cidade vai muito além das 350 refeições que eles distribuem todas as 3as feiras à noite. Para o Mitzvah Day, os Anjos da Cidade estão preparando um café da manhã especial para um mínimo de 350 moradores de rua na Praça Olavo Bilac em Santa Cecilia. Além da comida — incluindo cookies que nossos alunos vão preparar na próxima semana —, vai ter também palhaço, cabeleireiro, músicos, e nossos alunos do Ensino contando histórias para adultos e crianças.

Em preparação para nossa participação no Mitzvah Day, na última terça feira, um grupo de professores do Ensino se voluntariou para a ação dos Anjos, o rabino Michel e eu entre eles. Cada encontro ao longo da noite foi profundamente transformador, mas eu quero falar de um deles em especial. Esta mulher, que mora em um beco na Barra Funda, parcialmente destruído para a construção de um novo prédio, viu todos os outros moradores daquela quadra expulsos no processo. A sua barraca, no entanto, ficou lá. Com a sua doçura, ela nos contou que fez amizade com o dono da construtora e que, no final, ele acabou achando que a presença da barraca ajudaria a dar segurança à construção. Ela nos contou do livro que está lendo, orgulhosa de já estar na página 70. Ela me reconheceu de outra visita, há algumas semanas, daquela vez com o rabino Ruben. Finalmente, ela nos convidou para visitar sua barraca e nós, sem saber muito bem como responder, fomos lá, acanhados, sem querer invadir, mas percebendo que aceitar o seu convite era participar do processo de reconhecer sua humanidade, perfurar a casca do rótulo “moradora de rua” e encontrar a alma daquela pessoa, tão humana quanto eu ou cada um de vocês.

Tenho pensado muito nisso, no acolhimento e como ele humaniza os dois lados, aquele que acolhe e aquele que é acolhido. Como, ao acendermos ao encontro Eu-Tu de Buber, reconhecemos a nossa própria humanidade e também a da pessoa com quem nos relacionamos. 

Quem escolhemos receber e quem não; como recebemos e como marcamos as diferenças definem, em certa medida, quem somos, como nos apresentamos ao mundo e como permitimos que o mundo se relacione conosco.

Na parashá desta semana, temos alguns exemplos do acolher e do não acolher. Logo no começo da parashá, três homens visitam Avraham, que sai para recebê-los e lhes implora para que parem e sejam recepcionados por ele. Lavam seus pés, têm sombra para se refrescar e descansar da viagem. Juntos, Avraham e Sará preparam e lhes trazem comida: tortas, carne e outras iguarias. Tanta atenção e cuidado destacavam a dignidade, tanto das visitas quanto dos anfitriões. 

Ao partirem, tanto os três homens quanto Avraham e Sará estavam transformados pelo encontro. E as visitas seguiram seu caminho em direção a Sodoma. Lá, Lot, o sobrinho de Avraham, os acolheu em sua casa, também implorando que eles viessem a sua casa, e lhes ofereceu um banquete de matzot. Por outro lado, a população de Sodoma rodeou a casa e exigiu que Lot lhes entregasse os forasteiros.

O motivo pra exigência dos moradores de Sodoma não é claro mas muitos midrashim foram escritos para preencher esta lacuna. Um tema comum em vários deles é a perspectiva de que Sodoma era um lugar de muitas riquezas, que acreditava que a chegada de estrangeiros diminuiria a parcela de cada um dos moradores. Uma passagem de Pirkei Avot diz que a lógica que imperava para os moradores de Sodoma era “שֶׁלִּי שֶׁלִּי וְשֶׁלְּךָ שֶׁלָּךְ”,  “o que é meu é meu, e o que é seu, é seu”, que reflete também o temperamento médio das pessoas. 

Nesta segunda-feira, no Grupo de Estudos da Parashá, nos perguntamos: se esta é a atitude média das pessoas, porque ela é vista com tão maus olhos com relação a Sodoma? Nossa conclusão foi que a atitude do “שֶׁלִּי שֶׁלִּי וְשֶׁלְּךָ שֶׁלָּךְ”,  “o que é meu é meu, e o que é seu, é seu”, quando levada ao extremo, não permite o acolhimento e o reconhecimento da humanidade do outro. O que nos separa, o que nos diferencia, as diferenças entre o que temos, se tornam intransponíveis. Os habitantes de Sodoma estavam tão preocupados com o que era deles e com o que era dos outros que não eram mais capazes de reconhecer a humanidade de quem os visitava. 

O misticismo judaico fala de perspectiva de que tudo o que conhecemos é, na verdade, um só, tudo é Deus. Você, eu, a bimá, o prédio, os moradores de rua, a rainha Elizabeth, tudo somos parte de Deus e, deste forma, somos todos Um. Onde há espaço para esta percepção, em uma visão de mundo que adota radicalmente “שֶׁלִּי שֶׁלִּי וְשֶׁלְּךָ שֶׁלָּךְ”,  “o que é meu é meu, e o que é seu, é seu”?!

Avraham, nosso patriarca, foi a primeira pessoa chamada de “עִבְרִי”, “hebreu”. Um midrash pergunta qual o significado desta palavra; uma das respostas relaciona a palavra “עִבְרִי”, “hebreu” com a palavra “עֵבֶר”, “margem”, dizendo “כל העולם כולו מעבר אחד והוא מעבר אחד”, “todo o mundo está em uma margem e ele está na outra”. De um lado, o midrash representa a personalidade do patriarca Avraham, que tinha a chutspá, a coragem, de discordar do senso comum, mesmo que isso o colocasse sozinho do outro lado do rio. De outro lado, o midrash representa também muitas experiências históricas dos judeus, impossibilitados de fazerem parte plenamente das sociedades em que viviam, isolados na outra margem do rio — não por vontade própria, mas por isolamento.

A professora Nádia Poleto, da escola estadual Branca do Nascimento, em Curitiba, escreveu um poema para descrever uma interação que teve com um aluno seu, uma criança com transtorno do espectro autista, e a sensação de falta de pertencimento que ele tinha:

Pertencer 
Limite de rio é margem
Pertenço à margem,
desejo o rio.
Nele,
sou só sombra.
Com o tempo,
a água leve, que contona a pedra,
desenha seu curso
há riscos,
me arrisco,
me atiro,
suspiro,
a água leve me contorna.Sigo o curso
pertenço ao rio.Agora, contemplo a margem,
não há limites –
sorrio,
pertenço,
sou margem, sou rio. [1]

Quem está na nossa margem, querendo pular e fazer parte do rio? Quem são os grupos para quem nossa atitude se parece com “שֶׁלִּי שֶׁלִּי וְשֶׁלְּךָ שֶׁלָּךְ”,  “o que é meu é meu, e o que é seu, é seu”?

Somos produtos do nosso contexto e, por isso, refletimos os preconceitos da nossa época, mas, graças a Deus, o mundo está mudando e muitos preconceitos estão caindo. A rabina Angela Buchdahl, da Central Synagogue em Nova York, nasceu na Coréia do Sul, de uma mãe coreana e um pai americano — ela fala frequentemente de como ela não se “parece judia” e de como o contato com ela força as pessoas a reverem seus estereótipos e preconceitos. Como será que nossas percepções de quem “se parece judeu” estabelece limites e força alguns de nós a ficarem na margem quando eles gostariam de estar brincando na água? 

Na semana passada, fui convidado para um jantar de shabat de um grupo de judeus LGBT. A pessoa que me convidou achou que seria interessante para um rabino escutar as dimensões em que esta parcela do mundo judaico se sente excluída da nossa comunidade organizada. No final, o convite não se confirmou; talvez um sinal de que as mágoas geradas pela exclusão são tão profundas que a presença de alguém que simboliza o “establishment judaico” ainda não seja bem vinda. Minha mãe, que teve uma infância muito pobre e que escutou um comentário preconceituoso sobre a sua falta de dinheiro expresso pelo seu professor na sinagoga, ainda guarda esta mágoa com ela. Quantos aqui também guardam mágoas semelhantes? 

Quem sabe, com o tempo, com esforço e intencionalidade para realmente sermos plenamente inclusivos e abrirmos mão dos estereótipos que ainda carregamos sobre quem faz parte da nossa comunidade e quem não faz, consigamos curar estas mágoas, derrubar a perspectiva que alguns têm de que não são bem vindos e acolher todos que queiram se conectar com sua espiritualidade e encontrar sua comunidade aqui na CIP.

Vai dar trabalho, vai exigir que repensemos muito do que fazemos hoje, vai demandar que nos esforcemos para falar com gente que já vimos muitas vezes mas com quem nunca conversamos, mas este é o exemplo que recebemos de Avraham, é isto que a história de Sodoma, como exemplo negativo, nos instrui a buscar.

Que tal começar já no kidush desta noite?

Shabat Shalom!

[1] https://podcasts.apple.com/us/podcast/folha-na-sala/id1481109207?i=1000453588703 a partir de 19:27


sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Dvar Torá: o palácio está em chamas e a ajuda está a caminho! (CIP)

Eu não sou muito fã das mídias sociais. A única que eu realmente uso é facebook, e mesmo assim eu me irrito muito rapidamente naquele ambiente e tendo a não usá-lo com frequência. Um aspecto que eu gosto, no entanto, é a forma como facebook me permite estar em contato com rabinos em muitas partes do mundo; gente que estudou comigo, que eu conheci em congressos e conferências, ou até gente que eu só conheço no mundo virtual. Logo depois de Rosh haShaná e de Iom Kipur, foram muitos os meus colegas — em particular, rabinas mulheres — que publicaram suas prédicas nas redes sociais. Através das palavras delas, eu pude ter uma ideia de como está o pulso das comunidades judaicas ao redor do globo. O que as preocupam? Quais são os seus valores? Como elas estão vendo o caminhar deste nosso mundo? Eu selecionei alguns trechos significativos das prédicas que li nas últimas semanas...
A rabina Adina Allen, que fundou o Jewish Studio Project, que junta arte e judaísmo na região de São Francisco, falou sobre a crise ambiental e climática a partir da história da Arca de Noé. Ela disse: 
As coisas no mundo exterior estão rachando e desmoronando; nossos corações e nossas histórias estão da mesma forma. Neste momento de perigo e agitação - à medida que enfrentamos a ameaça de inundações e de outros desastres - somos chamados a sair de nossas conchas para assumir riscos como nunca antes. Fazemos muito para tentar minimizar os riscos, mas evitar riscos é evitar viver. Arriscar é o que nos abre. A alternativa é permanecer seguros, fechados e estagnados.
A história do Dilúvio termina com o arco-íris, brilhante e bonito se estendendo pelo céu, um sinal, como Deus diz, de que Deus nunca fará com que esse tipo de destruição maciça aconteça novamente. "Deus" não vai, mas isso não significa que nós não vamos. (…) Hoje, de certa forma, somos todos Noé e Deus vive dentro de cada um de nós. Todos participamos de nossa destruição compartilhada e todos somos necessários para nossa salvação coletiva.
Como é a ser uma pessoa íntegra em nossa geração. O que isso nos convoca a arriscar? [1]
A rabina Luciana Pajecki Lederman, que esteve conosco aqui na semana passada para se despedir da rabina Fernanda, também falou da crise ambiental. Contou a história de um pescador que construiu uma linda embarcação e convidou as pessoas do seu reino para um passeio no lago. Quando o barco chegou ao meio do lago e todos se divertiam, o pescado tirou uma furadeira e começou a fazer um buraco embaixo do seu banco. Os convidados, desesperados, tentaram convencê-lo a parar, mas o pescador respondeu: "Meu barco, meu banco, minha furadeira, eu vou fazer este buraco…” e continuou: 
“Você não quer que o barco afunde? Você não quer se afogar? (…) Bem, me desculpe, MAS ISTO NÃO É PROBLEMA MEU!!!”. O príncipe do reino, alguém que até então tinha se importado pouco com o sofrimento de seus súditos, desperado, respondeu ao pescador: “O que você quer dizer com ‘Isto não é problema meu?!!!’ Qualquer um aqui consegue enxergar que, se eu tenho um problema, você tem um problema. E que, se você tem um problema, eu tenho um problema. Se qualquer um tem um problema, então todos têm um problema - PORQUE NÓS ESTAMOS TODOS NO MESMO BARCO!!!” [2]
Pois é… estamos todos no mesmo barco!
No ano em que a comunidade judaica americana viveu o pior ataque terrorista de sua história, contra a sinagoga Tree of Life em Pittsburgh, que tirou a vida de 11 pessoas, o antissemitismo também apareceu nas prédicas das minhas colegas. A rabina Sharon Brous, de cuja comunidade eu fiz parte quando morei em Los Angeles e que tem tido grande influência na forma como eu penso meu próprio rabinato, tratou do crescimento do antissemitismo entre outras formas de ódio ao diferente. Ela citou um amigo dela, o rabino Jon Berkun, filho do rabino da sinagoga Tree of Life, que disse: 
Quando alguém escolhe o judaísmo como adulto, o Talmud exige que o rabino primeiro avise: “Você não sabe que o povo judeu está angustiado... é desprezado e perseguido, e que frequentemente sofre dificuldades?” (Yevamot 47a). Dez anos atrás, nos Estados Unidos, eu dizia essa linha como uma espécie de piada. Ela simplesmente não refletia a experiência de ser judeu nos EUA. Mas eu dizia isso mesmo assim, em homenagem ao nosso passado doloroso. Eu não consigo acreditar, mas agora, em 2018, eu preciso dizer isso com seriedade. [3]
As prédicas que eu li pintam um retrato difícil do mundo em seu aniversário 5780. Minha querida amiga e colega de classe, a rabina Rachel Timoner, uma das pessoas mais articuladas e com maior sofisticação de análise que eu conheço, expressou assim seu sentimento na prédica de Rosh haShaná:
Se apenas nos sentássemos aqui, todos nós, e chorássemos juntos hoje, essa seria a resposta mais eloquente ao ano em que vivemos.
Essa pode ser uma maneira de ver Deus.
Hoje se chama Yom Truá. Truá é o som que o shofar faz. Truá é um choro. É um grito que chama a atenção de Deus para o sofrimento deste mundo. No judaísmo, na Torá, chorar não é fraqueza, chorar não é desistir. (…) O choro está associado aos homens de poder. Guerreiros choram e reis choram (…) Chorar é frequentemente o começo de uma nova sabedoria. (…) Chorar é o que fazemos quando não sabemos o que fazer, quando estamos presos, quando estamos perdidos, quando não podemos ver o caminho a seguir. Chorar é o que fazemos quando precisamos de ajuda, quando atingimos os limites de nosso próprio poder e precisamos extrair algo mais profundo.
E ela concluiu sua introdução dizendo: “Eu preciso admitir para vocês que eu me sinto emperrada. Eu tenho questionado se estou pronta para liderar vocês neste momento. Não sei para onde estamos indo e não sei o que devemos fazer sobre isso.” [4]
Um midrash compara nosso patriarca Avraham a alguém que estava andando quando viu fogo em um palácio. A pessoa perguntou em voz alta: “será que não tem ninguém tomando conta deste palácio?!” — e seu dono lhe respondeu: “eu sou o dono do palácio”. Segundo o midrash, Avraham teria olhado o caos do mundo e se perguntado, “será que não tem ninguém tomando conta deste mundo?!” e Deus lhe responde: “eu sou o mestre deste mundo”[5].  É hora de reconhecermos: o palácio está em chamas e, assim como minha colega de classe, muitos de nós nos sentimos emperrados — um sentimento sobre o qual eu tenho falado com alguma frequência daqui da bimá.
Amanhã de manhã leremos da Torá a porção especial para um shabat que acontece no meio de Sucot, que também fala de uma situação difícil. O contexto no qual a história se passa é o que aconteceu logo depois do episódio do bezerro de ouro. Em sua ira, Deus diz aos Filhos de Israel que não estará mais entre eles em sua jornada, pois o povo é teimoso e Deus terminaria por destruí-los. É nesse momento de crise absoluta que começa a leitura de amanhã. De uma relação fragilizada, quase destruída, renasce o relacionamento do povo de Israel com Deus. Neste momento de reconciliação, Moshé pede para Deus lhe mostrar Sua presença. Em uma das cenas mais singelas da Torá, Deus diz que ninguém pode ver Sua face e continuar vivo; por isso, cobre os olhos de Moshé ao passar na sua frente, mas permite que Moshé veja as Suas costas.
A fragilidade de um relacionamento abalado permite que Moshé e Deus se encontrem realmente, de forma verdadeira, exposta, arriscada. Paradoxalmente, ao assumirem, juntos, o risco de revelarem suas fragilidades, tomam o passo necessário para construírem uma relação mais sólida e duradoura. 
Em Sucot, saímos das nossas casas estáveis e, de forma metafórica ou concreta, abraçamos nossas fragilidades através de uma construção cujas paredes não têm tijolos, cujo teto é vulnerável ao clima. De coração aberto, sem muito mais a perder, reconhecemos nossas dores, nos expomos sem armaduras e nos permitimos enxergar e sermos enxergados com verdade. Se não podemos olhar a face do Divino, procuramos ver suas costas na fagulha divina que vive em cada uma das pessoas ao nosso redor.
Neste momento, em que tantos de nós nos sentimos vulneráveis, assustados, perdidos, é hora de reconhecermos a fagulha divina em nós mesmos para sermos parceiros de Deus no processo de reconstrução. Da nossa fragilidade, precisamos construir um mundo mais sólido. O castelo está pegando fogo e somos nós que temos que apagá-lo.
Neste shabat, celebramos um grupo de pessoas que trabalha incessantemente para manter o castelo salvo. Muitas vezes nos bastidores, sem que ninguém perceba sua presença. São voluntários da CIP, que estão com a nossa comunidade em seus momentos de maior aflição, dando dignidade às nossas pessoas queridas em sua despedida deste mundo; acompanhando os enlutados em suas rezas diárias; garantindo que esta comunidade possa continuar desenvolvendo projetos sociais no Lar das Crianças e aqui na Antônio Carlos; recebendo cada pessoa que passa pela porta desta sinagoga com um Shabat Shalom e um sorriso no rosto; dedicando grande parte do seu tempo e atenção para melhorar e ampliar a experiência comunitária da CIP.
Em resposta a um cenário difícil, nossos voluntários conseguem extrapolar sua própria dor e agem para criar um ambiente mais acolhedor, para transformar a sociedade em mais justa, para permitir que possamos encontrar aqui um lugar onde crescer judaicamente e curar as feridas das nossas almas. Por tudo isso, somos imensamente gratos — o que vocês fazem é avodat kodesh, um trabalho sagrado, e, além de agradecer e lhes prestar todo o kavod que vocês merecem, nós queremos aprender com o exemplo pessoal de cada um de vocês.
Depois de abrir sua prédica reconhecendo sua dificuldade em saber o que dizer, a rabina Rachel Timoner terminou sua prédica assim:
E nos encontramos aqui. E reunimos nossas mentes, nossos corações e nossos esforços. E nós ouvimos. E sabemos que não estamos sozinhos. E lembramos quem somos juntos. E imaginamos o que seremos juntos. E começamos a ver o caminho.
Quando nosso povo entrou nas profundezas do mar ao sair do Egito, não encontrou monstros marinhos ou dragões. Segundo um midrash, eles encontraram um pomar plantado bem no fundo do mar temível. Uma mãe segurando um bebê chorando a caminho da liberdade estendeu a mão e arrancou frutas maduras no meio da jornada. Quando tudo era desconhecido, com as ondas elevando-se acima deles e o exército do Faraó ameaçando atrás deles, havia frutas, havia beleza, havia doçura, havia sustento.
Pode haver dragões por aí em algum lugar, mas também há frutas maduras. E somos um povo que sabe que precisamos de doçura para nos sustentar em nosso caminho através dos mares perigosos. Quem sabe o que vamos encontrar lá? Podemos encontrar o rosto de Deus.
Nos conhecendo, haverá lágrimas envolvidas. Talvez lágrimas de medo e lágrimas de tristeza. Por favor, Deus permita que também haja lágrimas de redenção e alívio, de gratidão e deleite, de força, de amor, de volta e de salvação.
Queridos voluntários, alguns de vocês plantam as árvores deste pomar, outros cuidam para que as árvores cresçam bem, e há os que apontam para as doces frutas do pomar quando olhamos para trás e, desesperados, vemos as tropas inimigas se aproximando. Realmente muito obrigado! Que sejamos todos abençoados através da sua presença, da sua dedicação, do seu carinho e do seu exemplo.

Shabat Shalom e Chag Sameach!

[1] https://www.facebook.com/adina.allen.5/posts/10101812354169528 
[2] Luciana Pajecki Lederman, Teshuvá Sistêmica: Mudando nossa postura de "Não é problema meu ..." para "Estamos todos no mesmo barco"  (mimeo) 
[3] https://ikar-la.org/wp-content/uploads/YK-family-ties.pdf 
[4] https://www.facebook.com/rachel.timoner/posts/10156500453502327 
[5] Bereshit Rabá 39:1.