Esta semana eu postei no facebook um artigo em que a autora explicava por que ela sairia do salão da sinagoga quando o piyut - poema litúrgico - uNetanê Tokef fosse cantado. Para quem nunca parou para ler sua tradução, o poema descreve o cenário de um julgamento, considera todas as nossas ações e decide como será nosso próximo ano. Quem viverá e quem não; quem encontrará a morte tranquilamente e quem só chegará lá depois de muito sofrimento. A metáfora sugere que nossas ações têm impacto no mundo e a qualidade da nossa vida é determinada, em parte, pelos comportamentos que adotamos.
Para a autora, no entanto, era difícil fugir do sentido literal do poema. Seu pai se suicidou depois de lutar com a depressão por vários meses, acreditando que o mundo estaria melhor sem ele. A forma como ele se matou e sua luta com a depressão aparecem literalmente nas linhas do uNetanê Tokef, como se fossem um castigo Divino.
No artigo ela diz:
Eu entendo o valor
metafórico que alguns vêem neste poema. Mas, como uma sobrevivente de trauma,
eu me tornei familiar, de uma forma pessoal e dolorosa, com termos que me fazem
reviver a experiência [chamados “disparadores”]. E quando eu olho para as
palavras deste poema, eu me impressiono não só pelos meus disparadores, mas pelo
potencial para outras pessoas que foram tragicamente atingidas por incêndios,
inundações ou agressões violentas.
Talvez, além de
pedir a seus congregantes que tenham uma leitura mais profunda e leiam as
palavras além do seu sentido literal, seja também chegada a hora para aqueles
que lideram nossos serviços religiosos de reconhecer que as palavras por si só podem
ter, para alguns, o poder de desencadear memórias e pensamentos traumáticos.[1]
Eu fico pensando nestas palavras, neste 2 de outubro de 2016, 1 de
Tishrei de 5777. Talvez, hoje soframos todos de tensão do stress pós-traumático
- pelo menos aqueles que lembram o que esta data significa. Aqueles que marcam
o 2 de outubro como o dia em que 111 pessoas foram chacinadas nesta cidade há
24 anos. Talvez todos nós devêssemos sair do salão da sinagoga amanhã quando o
uNetanê Tokef for lido. Hoje, no entanto, eu proponho que o enfrentemos uma vez mais…
וּנְתַנֶּה תֹּֽקֶף קְדֻשַּׁת הַיּוֹם
Declaramos a poderosa
santidade deste dia – profundo e temível. Hoje, Tua soberania é elevada,
Teu trono – de onde Você governa com verdade – é estabelecido com amor.
Verdadeiramente, Você é o Juiz e o Procurador, Perito e Testemunha, Você registra
e sela, conta e mede. Você lembra tudo que é esquecido e abrirá o Livro das
Memórias, que fala por si próprio, pois todos nós o assinamos com nossas mãos.
Há 24 anos, 341
policiais militares sob o comando do Coronel Ubiratan Rodrigues, entraram no
Pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo para conter uma rebelião de presos[2].
Os sobreviventes da chacina dizem que brigas entre presos eram comuns no
presídio, e que tudo voltaria à calma depois de algum tempo - não fosse a
entrada do Batalhão de Choque da PM naquele 2 de outubro. O governador era Luiz Antônio Fleury
Filho, ex-policial militar e ex-secretário de Segurança Pública do Governo
Quercia.
Às vezes, a poesia
nos ajuda a entender aquilo para o qual não há compreensão. Nas palavras dos
Paralamas:
Mas naquele dia até
Deus se escondeu
Quando se ouviram
os gritos de socorro
A voz da razão
sumiu
Quando a polícia
subiu o morro[3]
Há 24 anos, a Polícia assumiu o papel de Deus e serviu como juiz, procurador, perito e testemunha. Assumiu também um papel mais duro e executou a sentença de morte que ela mesma havia decretado sobre 111 seres humanos. 89 deles ainda não tinham sido julgados pelos tribunais da terra.
Era véspera das eleições municipais, que seria também a data da posse de Itamar Franco após o impeachment de Fernando Collor de Mello. Por um tempo, não tivemos a dimensão real do que tinha acontecido. A capa da Folha do dia seguinte destacava as pesquisas eleitorais que apontavam a vitória de Paulo Maluf e a posse de Itamar Franco. Uma pequena nota na parte de baixo da página dizia: “Rebelião em presídio faz pelo menos oito mortos”[4]. Foi só no dia seguinte, depois das eleições terem passado, que soubemos o número oficial da chacina. Na manchete da Folha: “Chacina mata 111 presos em São Paulo.”[5]
111 presos
indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou
quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como
podres e todos sabem como se tratam os pretos[6]
וּבְשׁוֹפָר גָדוֹל יִתָּקַע
E um grande shofar
será soado e, mesmo assim, será possível escutar um pequeno suspiro. Os anjos
estão agitados, tomados por medo e tremor. Eles gritam: “Este é o Dia do
Julgamento visitando os exércitos divinos em julgamento, ninguém é inocente
frente a Ti.” E todos aqueles que vieram ao mundo passam na Tua frente como ovelhas.
Da mesma forma que o olhar de um pastor de ovelhas busca seu rebanho quando
cada ovelha passa pelo seu cajado, Você revisa, reconta e avalia a vida de cada
ser vivo e Você determina o término da vida de cada criatura e escreve o
veredito dele.
Em sua coluna na Folha de ontem, o jornalista Oscar Vilhena Vieira escreveu:
Desafortunadamente tive a oportunidade de acompanhar profissionalmente os desdobramentos do massacre, ingressando no pavilhão 9 da Casa de Detenção pouco tempo depois do massacre. Duas imagens ficaram impregnadas em minha memória: a água vermelha empurrada pelo rodo dos presos que faziam a faxina, e as marcas de balas encravadas nas paredes das celas, sempre à meia altura, deixando claro que as vítimas foram eliminadas de cócoras, em posição de rendição. Indelével, ainda, o cheiro de morte.[7]
Depois da tempestade, o silêncio em que podemos escutar até um pequeno suspiro, enquanto os detentos lavavam o sangue dos seus colegas. Quem viu as fotos da chacina entende o descaso absoluto com a vida humana e com a perda dela que foi demonstrado naquele dia.
Há alguns anos, eu fui a um debate na sede do Habonim-Dror do Rio de Janeiro. Falavam de ocupações: Michel Gherman, amigo de muitos aqui, falava da Ocupação dos territórios palestinos por Israel e Marcelo Freixo, cujo nome eu nunca tinha ouvido, falava sobre a ocupação das favelas do Rio pela polícia e pelo exército. Em algum momento, Freixo fez uma afirmação que, apesar de óbvia, nunca tinha me ocorrido: “quando o pessoal ataca quem defende os direitos humanos dos presidiários, o que eles estão atacando não é a perspectiva de que presidiário tenha direitos; o que eles contestam é a perspectiva de que presidiários sejam seres humanos.”
Tem gente que acha que preso é gado. Nas palavras de Vandré, “porque gado a gente marca, tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente.”[8]
A tradição judaica é muito clara neste aspecto. Somos TODOS criados à imagem de Deus, o que garante a todos nós o direito à dignidade inalienável da condição humana. Todos nós, sem exceção, o tempo todo. Meu professor, o rabino Art Green, falando sobre o seu professor, o Rabino Abraham Joshua Heschel, escreveu:
“Por que somos
proibidos de fazer imagens de Deus?” Heschel perguntou. Não é porque Deus
esteja além de todas as imagens, de forma que nenhuma imagem poderia
representar Deus. “Se este fosse o caso”, ele argumentava, “imagens seriam
simplesmente inofensivas”. “Deus tem uma imagem,” ele insistia, “e esta
imagem é você.” Você não pode fazer uma imagem de Deus por que você
é a imagem de Deus.[9]
Segundo a Mishná, a primeira obra legal escrita pelo movimento rabínico ao redor do ano 220 E.C., até o condenado à morte precisa ser tratado com dignidade e seu corpo precisa ser enterrado com a maior velocidade possível. Mesmo o condenado à morte não deixava de ser criado à imagem de Deus e, portanto, até na sua punição merecia ser tratado com dignidade.
Um dos meus poemas favoritos da poetisa israelense Zelda desenvolve uma ideia rabínica de que recebemos e conquistamos diferentes nomes ao longo das nossas vidas. Diz Zelda:
לְכָל אִישׁ יֵשׁ שֵׁם
שֶׁנָּתַן לוֹ אֱלֹהִים
שֶׁנָּתַן לוֹ אֱלֹהִים
וְנָתְנוּ לוֹ אָבִיו וְאִמּוֹ
Toda pessoa tem um
nome
que lhe foi dado
por Deus
e que lhe foi dado
por seu pai e sua mãe
Toda pessoa tem um
nome
que lhe foi dado
pela sua estatura e pelo seu sorriso
e que lhe foi dado
por o que ela veste
Toda pessoa tem um
nome
que lhe foi dado
pelas montanhas
e que lhe foi dado
pelos seus muros
Toda pessoa tem um
nome
que lhe foi dado
pelos signos
e que lhe foi dado
pelos seus vizinhos
Toda pessoa tem um
nome
que lhe foi dado
pelas suas falhas
e que lhe foi dado
pelos seus desejos
Toda pessoa tem um
nome
que lhe foi dado
por aqueles que a odeiam
e que lhe foi dado
por aquele que ela ama
Toda pessoa tem um
nome
que lhe foi dado
pelas suas celebrações
e que lhe foi dado
pelo seu trabalho
Toda pessoas tem um
nome
que lhe foi dado
pelas estações do ano
e que lhe foi dado
pela sua cegueira
Toda pessoa tem um
nome
que lhe deu o mar
e que lhe deu
a sua morte.
Em respeito à vida
dos 111 seres humanos que morreram há exatos 24 anos, eu passarei à leitura dos
seus nomes. Por favor, levantem-se.
1) Adalberto
Oliveira dos Santos
2) Adão Luiz
Ferreira de Aquino
3) Adelson Pereira
de Araujo
4) Alex Rogério de
Araujo
5) Alexandre Nunes
Machado da Silva
6) Almir Jean
Soares
7) Antonio Alves
dos Santos
8) Antonio da Silva
Souza
9) Antonio Luiz
Pereira
10) Antonio Quirino
da Silva
11) Carlos
Almirante Borges da Silva
12) Carlos Antonio
Silvano Santos
13) Carlos Cesar de
Souza
14) Claudemir
Marques
15) Claudio do
Nascimento da Silva
16) Claudio José de
Carvalho
17) Cosmo Alberto
dos Santos
18) Daniel Roque
Pires
19) Dimas Geraldo
dos Santos
20) Douglas Edson
de Brito
21) Edivaldo
Joaquim de Almeida
22) Elias Oliveira
Costa
23) Elias
Palmiciano
24) Emerson Marcelo
de Pontes
25) Erivaldo da
Silva Ribeiro
26) Estefano Mard
da Silva Prudente
27) Fabio Rogério
dos Santos
28) Francisco
Antonio dos Santos
29) Francisco
Ferreira dos Santos
30) Francisco
Rodrigues
31) Genivaldo
Araujo dos Santos
32) Geraldo Martins
Pereira
33) Geraldo Messias
da Silva
34) Grimario Valério
de Albuquerque
35) Jarbas da
Silveira Rosa
36) Jesuino Campos
37) João Carlos
Rodrigues Vasques
38) João Gonçalves
da Silva
39) Jodilson
Ferreira dos Santos
40) Jorge Sakai
41) Josanias
Ferreira de Lima
42) José Alberto
Gomes Pessoa
43) José Bento da
Silva
44) José Carlos
Clementino da Silva
45) José Carlos da
Silva
46) José Carlos dos
Santos
47) José Carlos Inojosa
48) José Cícero
Angelo dos Santos
49) José Cícero da
Silva
50) José Domingues
Duarte
51) José Elias
Miranda da Silva
52) José Jaime
Costa e Silva
53) José Jorge
Vicente
54) José Marcolino
Monteiro
55) José Martins
Vieira Rodrigues
56) José Ocelio Alves
Rodrigues
57) José Pereira da
Silva
58) José Ronaldo
Vilela da Silva
59) Josue Pedroso
de Andrade
60) Jovemar Paulo
Alves Ribeiro
61) Juares dos
Santos
62) Luiz Cesar Leite
63) Luiz Claudio do
Carmo
64) Luiz Enrique
Martin
65) Luiz Granja da
Silva Neto
66) Mamed da Silva
67) Marcelo Couto
68) Marcelo Ramos
69) Marco Antonio
Avelino Ramos
70) Marco Antonio
Soares
71) Marcos
Rodrigues Melo
72) Marcos Sérgio
Lino de Souza
73) Mario Felipe
dos Santos
74) Mario Gonçalves
da Silva
75) Mauricio Calio
76) Mauro Batista
Silva
77) Nivaldo
Aparecido Marques de Souza
78) Nivaldo Barreto
Pinto
79) Nivaldo de
Jesus Santos
80) Ocenir Paulo de
Lima
81) Olivio Antonio
Luiz Filho
82) Orlando Alves
Rodrigues
83) Osvaldino
Moreira Flores
84) Paulo Antonio
Ramos
85) Paulo Cesar
Moreira
86) Paulo Martins
Silva
87) Paulo Reis
Antunes
88) Paulo Roberto
da Luz
89) Paulo Roberto
Rodrigues de Oliveira
90) Paulo Rogério
Luiz de Oliveira
91) Reginaldo
Ferreira Martins
92) Reginaldo
Judici da Silva
93) Roberio Azevedo
da Silva
94) Roberto Alves
Vieira
95) Roberto
Aparecido Nogueira
96) Roberto Azevedo
Silva
97) Roberto
Rodrigues Teodoro
98) Rogério Piassa
99) Rogério
Presaniuk
100) Ronaldo
Aparecido Gasparinio
101) Samuel
Teixeira de Queiroz
102) Sandoval
Batista da Silva
103) Sandro Rogério
Bispo
104) Sérgio Angelo
Bonane
105) Tenilson Souza
106) Valdemir
Bernardo da Silva
107) Valdemir
Pereira da Silva
108) Valmir Marques
dos Santos
109) Valter Gonçalves
Gaetano
110) Vanildo Luiz
111) Vivaldo
Virculino dos Santos[10]
que suas memórias
sejam abençoadas
Podem se sentar.
Um midrash conta que, em resposta à destruição de Jerusalém, Deus pergunta aos seus anjos como um rei humano responderia se tivesse perdido um filho. Os anjos respondem: "um rei humano…
penduraria sacos na
sua porta,
apagarias as luzes,
viraria o sofá,
andaria sem
sapatos,
rasgaria suas
roupas,
sentaria em silêncio
e choraria."
"Eu vou fazer o
mesmo", responde Deus, "Eu vou pendurar sacos na porta, apagar as luzes, virar o
sofá, andar sem sapatos, rasgar minhas roupas, sentar em silêncio e chorar." [11]
Eu não tenho dúvida alguma de que Deus está chorando há 24 anos pela morte destes 111 filhos. Cento e onze filhos cujo direito à justiça, ainda que póstuma, foi mais uma vez negada esta semana.
בְּרֹאשׁ הַשָּׁנָה יִכָּתֵבוּן, וּבְיוֹם צוֹם כִּפּוּר יֵחָתֵמוּן
Em Rosh Hashaná
está escrito, e no jejum de Yom Kipur é selado!
Quantos vão passar,
e quantas vão nascer;
quem vai viver e
quem vai morrer;
que terá uma vida
longa e quem chegará a um fim prematuro;
quem morrerá pelo
fogo e quem pela água;
quem pela espada e quem
por animais;
quem pela fome e
quem pela sede;
quem pelo terremoto
e quem pela peste;
quem será estrangulado
e quem será apedrejado;
que estará em paz e
quem será perturbado;
quem estará sereno
e quem estará agitado;
quem estará tranquilo
e que estará atormentado;
quem empobrecerá e
quem ficará rico;
quem cairá, quem se
levantará.
Há eventos que, de tão brutais, deveriam levar a mudanças de comportamento. Depois da Shoá, dos 6 milhões de nossos irmãos brutalmente assassinados só por que eram nossos irmãos, achávamos que o mundo acordaria e que o antissemitismo não brotaria mais em qualquer lugar. É com horror que vemos hoje o antissemitismo re-aparecendo em tantas partes do mundo.
Depois do Carandirú, depois de 111 seres humanos brutalmente assassinados, esperávamos que o Brasil acordasse e mudasse no tratamento que dá aos nossos irmãos na cadeia. É com horror que percebemos que este não é o caso - que vinte e quatro anos depois, nenhum responsável pela chacina do Carandirú tenha sido preso e que o julgamento tenha acabado de voltar à estaca zero; que pesquisa realizada em 2015 tenha constatado que 50% dos residentes nas grandes cidades brasileiras concordam com a frase “Bandido bom é Bandido Morto”.[12]
O relator do processo que levou ao cancelamento do julgamento dos 74 PMs esta semana, desembargador Ivan Sartori, afirmou que “não houve realmente um massacre. O que houve foi estrito cumprimento do dever legal, obediência hierárquica e legítima defesa, inclusive.” As imagens e os depoimentos dos sobreviventes do massacre deixam claro que os presos foram fuzilados depois de rendidos; os fatos dos soldados estarem fortemente armados e terem saído todos com vida deveriam ser suficientes para desqualificar a tese de legítima defesa; as lições de Hanna Arendt depois do julgamento de Eichman deveriam ter nos ensinado o que acontece quando há o "estrito cumprimento do dever legal" e "obediência hierárquica" sem questionar a moralidade das ordens dadas. Do mesmo Freixo, eu ouvi em outra oportunidade que o país precisa “democratizar a polícia”: “a gente ainda tem uma polícia oriunda da ditadura, com uma concepção de guerra, com uma concepção de eliminar o inimigo”, ele disse.[13]
A decisão do Tribunal de Justiça deveria ter-nos levado às ruas, exigindo um país diferente - sem nos importarmos com o machzor que precisava ficar pronto, com o trabalho que a chefe esperava ver na mesa dela naquela manhã ou com a prova do dia seguinte. Se em Rosh haShaná, acreditamos quando cantamos uNetanê Tokef e perguntamos quem será inscrito no livro da vida, minamos nossas chances nesta semana que passou. Nesta quarta feira, todos falhamos e deixamos um pedacinho da nossa humanidade morrer…
Um midrash conta que certa vez Rabi Yehoshua sonhou ter encontrado o profeta Eliahu. “Quando o Messias virá?” ele perguntou ao profeta. “Quando seremos redimidos desta opressão?” O profeta respondeu: “Vá e pergunte ao Messias!”. “E onde posso encontrá-lo?”, perguntou Rabi Yehoshua. “No portão de Roma, onde ele se senta junto aos mendigos da cidade”. Nestes dias de Iamim Noraim, Rosh haShaná e Yom Kipur, em que tentamos re-encontrar nosso eu mais profundo e perdido, é bom lembrar que às vezes, é exatamente aquele que mais desprezamos - o mendigo, a prostituta, o presidiário - que nos dá a oportunidade de re-encontrar nossas humanidade.
A maioria de nós
conhece o verso "וְאָהַבְתָּ לְרֵעֲךָ כָּמוֹךָ אֲנִי ה׳", “Ama um outro ser
humano da mesma forma como você ama a si mesmo; Eu sou Adonai.”[14]
Ainda que não seja explícito, parece que a obrigação de amar os outros seres
humanos como a nós mesmos decorre do fato de que somos todos criados à imagem
de Deus. Dois versos antes deste, encontramos a mesma lógica aplicada a outra
instrução: "לֹא תַעֲמֹד עַל־דַּם רֵעֶךָ אֲנִי ה׳", “Não fique
assistindo enquanto derramam o sangue de outro ser humano; Eu sou Adonai”.[15] A implicação sobre o que a tradição judaica diz que devemos fazer nesta situação é óbvia.
O comentário do meu professor sobre Heschel e a criação do ser humano à imagem de Deus continuava:
A única forma na
qual você pode fazer uma imagem de Deus é a forma de toda a sua vida, e é isto
precisamente que você é comandado a fazer. Tudo o que você faz, tudo o que você
diz, cada momento e a forma como você o usa são todas partes da forma como você
constrói a imagem de Deus.[16]
Construímos a imagem de Deus através das nossas ações! Hoje, infelizmente, a imagem que nossas ações constroem é de um Deus sentado no chão, chorando pelos seus filhos assassinados. Que imagem de Deus as ações que tomaremos a partir deste momento construirão?
Durante os últimos
70 anos, temos nos perguntado como o mundo pôde ter se calado. Agora é a hora
de perguntar a nós mesmos: vamos nos calar?
Shaná Tová!
Que neste ano...
consigamos encontrar a dignidade humana em toda pessoa;
consigamos encontrar a dignidade humana em toda pessoa;
que nossa busca por justiça inclua também a defesa daqueles a quem desprezamos;
que nossas ações construam a imagem do Deus em que dizemos acreditar.
Ken Yehi Ratzon (que assim seja a Vontade)
[3] https://www.letras.mus.br/os-paralamas-do-sucesso/47927/
[4] http://acervo.folha.uol.com.br/fsp/1992/10/03/2/
[5] http://acervo.folha.uol.com.br/fsp/1992/10/04/2/
[6] https://www.letras.mus.br/caetano-veloso/44730/
[9] Green, Art. Ehyeh: A
Kabbalah for Tomorrow, p. 121 (tradução minha)
[11] Eika Rabá 1:1
[14] Lev. 19:18
[15] Lev. 19:16
[16] Green, Art. Ehyeh: A
Kabbalah for Tomorrow, p. 121 (tradução minha)
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