Mostrando postagens com marcador Calendário: Rosh haShaná. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Calendário: Rosh haShaná. Mostrar todas as postagens

domingo, 17 de setembro de 2023

Dvar Torá: Confortando quem está perturbado; perturbando quem está confortável. Rosh haShaná 5784 (CIP)

 

Esses dias saiu na imprensa que a prefeitura quer desativar sua rede de trólebus, que custa demais para ser mantida, com uma frota bastante reduzida [1]. Eu ainda lembro de quando ia de Higienópolis para a Hebraica de trólebus, que eu pegava na rua Augusta, não muito longe daqui — e já naquele tempo a viagem, muito mais silenciosa que em um ônibus normal, era muitas vezes interrompida porque as hastes do veículo se soltavam dos cabos elétricos. Meus filhos adolescentes não têm ideia do que seja trólebus e a verdade é que mesmo de ônibus e de metrô eles andaram muito menos do que eu tinha na idade deles… mas essa é a dinâmica do progresso. O mundo vai mudando e nem sempre as novas gerações entendem como tudo funcionava em outros tempos. Quando eu comecei a andar de ônibus para voltar da escola, no começo da minha adolescência, já não circulavam mais os bondes, por exemplo. Hoje, talvez, os cariocas vivam o renascimento do bonde, rebatizado de VLT, Veículo Leve sobre Trilhos, mas eu prefiro chamá-lo pelo seu nome original. De onde veio a palavra “bonde”, que em nada se relaciona à forma como esse veículo é chamado em outras línguas? Diz a lenda [2] que na década de 1870, esse tipo de veículo era puxado por animais, levava 30 pessoas e era chamado de “Carril de Ferro”. A passagem custava um quinto do valor da menor moeda em circulação, então a empresa vendia 5 bilhetes por uma moeda. Esses bilhetes foram chamados de “bonds” e, no uso cotidiano, o veículo começou a ser chamado de “bonde”. 

Não são raras as situações em que traduções erradas acabam se estabelecendo em um idioma. Temos um exemplo desses na liturgia de Rosh haShaná. A Mishná, o primeiro documento escrito pelo movimento rabínico ao redor de 220 EC, estabelece que há 4 dias de julgamento no calendário: em três deles são definidas a fartura dos grãos, das frutas e da água para o ano seguinte. Sobre Rosh haShaná, a quarta data da lista, está escrito: 

Em Rosh haShaná, todos que vieram ao mundo passam na frente de Deus “ki-vnei Maron”, como está escrito: “Quem cria junto seus corações, quem considera todas as suas ações?”. [3]

Como vocês viram, eu escolhi não traduzir “ki-vnei Maron”. Em casa, eu tenho duas edições da Mishná comentadas — uma delas [4] explica a expressão seguindo a opinião do Talmud, de que em aramaico “maron” está associado à palavra para ovelhas e que, portanto, nos apresentamos a Deus como ovelhas passam em frente ao seu pastor. A segunda edição da Mishná [5] propõe uma tradução radicalmente diferente, segundo a qual “ki-vnei maron”, grafado como duas palavras distintas, é um erro de transcrição. A palavra correta deveria ser “ke-numeron”, em latim: como tropas de um exército se apresentam ao seu comandante. A diferença, ainda que sutil, tem impacto na forma como entendemos esse dia do Julgamento.

Eu percebo que há pelo menos duas maneiras através das quais as pessoas que prestam alguma atenção à liturgia encaram esse processo de t’shuvá, e nem sempre me parece que a maneira que cada um adota é a mais adequada para sua situação. Há um ditado chassídico, atribuído ao rabino Simcha Bonim de Pshischa, de acordo com o qual cada um de nós deveria andar com dois bilhetinhos, cada um colocado em um bolso. Em um bilhete está escrito “בִּשְׁבִילִי נִבְרָא הָעוֹלָם”, “o mundo foi criado por minha causa” [6] e no outro bilhete está escrito: “וְאָנֹכִי עָפָר וָאֵפֶר”, “eu sou apenas pó e cinzas” [7]. E o rabino advertia: “Muitos se enganam e usam o bolso invertido daquele que precisavam usar.” [8] Ou seja: quando seu ego está expandido, usam o bilhete que lhes atribui ainda mais importância e quando estão se sentindo para baixo, usam o bilhete que os deixam ainda mais deprimidos. Eu temo que, para muitos entre nós a ideia do julgamento em Rosh haShaná tenha um efeito parecido ao bilhete do bolso errado. Para alguns, já no fundo do poço, enxergar-se como ovelhas indefesas passando em frente ao seu pastor os deixa ainda mais desempoderados para serem agentes das mudanças que precisam fazer em suas vidas; para outros, se sentindo no topo do mundo, enxergar-se como poderosas tropas militares fortalece seu senso de arrogância e de que nada poderá detê-los

O Unetanê Tokef, que cantaremos daqui a pouco, tenta buscar uma conciliação entre as duas versões. De um lado, o texto toma “bnei maron” como querendo dizer “um rebanho de ovelhas”, seguindo a tradição do Talmud ao afirmar: “E todos os que peregrinam pelo mundo passam diante de Ti como ‘bnei maron’. Como o pastor vistoria-o, passa-o sob sua vara, assim Você também fará passar, contará e enumerará e considerará a alma de todo ser vivo, determinando o destino de cada criatura e escrevendo seu veredito.” De outro lado, o poema também faz alusão à formação militar quando diz “anjos se apressarão, temor e tremor os dominarão. E dirão: eis que chegou o Dia do Julgamento, quando até o exército celestial se apresenta em juízo.”

Para mim, a parte mais sombria do Unetanê Tokef, ainda mais difícil do que aquela que detalha os tipos de mortes que as pessoas podem sofrer, é quando o texto diz que Deus será Juiz, Procurador, Perito e Testemunha. É uma cena que me lembra profundamente o livro “O Processo” de Franz Kafka, no qual o personagem acorda um dia perseguido pela polícia e processado por um crime que ele não sabe qual é, em um sistema judiciário todo organizado contra ele. Ao ler esta passagem do Unetanê Tokef, sempre imagino Josef K., o personagem central do livro, perguntando por qual crime está sendo processado, e o Juiz, que também é procurador, perito e testemunha, lhe respondendo “Você sabe muito bem o que fez.”

A verdade é que sabemos muito bem o que fizemos neste ano que terminou, bem até demais. Eu sei que falo em nome de muitos quando digo que “não tá fácil”. As estatísticas dizem que mais de um quarto da população brasileira sofre de ansiedade e que um em cada oito já teve diagnóstico para depressão. De forma crescente, esse quadro de saúde mental, especialmente a depressão, pode levar a consequências trágicas: dados do SUS mostram que o número de mortes por lesões autoprovocadas dobrou nos últimos 20 anos. [9]

Vivemos em ambientes hiper-competitivos, tanto no âmbito pessoal quanto na esfera profissional — nada menos do que a excelência é aceitável. Uma falha gera uma cobrança, não uma reação empática — e assim aprendemos que não somos bons o suficientes, que nosso trabalho e nossa conduta não correspondem àquilo que é esperado de nós. Nos sentimos avaliados e julgados o tempo todo.

Nessas situações, não é produtiva a figura de um juiz-procurador-perito-testemunha que nos jogue ainda mais fundo no corredor kafkiano de um processo pré-definido contra nós. Aqui, precisamos de um pastor que nos pegue no colo, que reconheça que temos tentado, que nos ajude a encontrar o caminho novamente e a sair do buraco em que nos encontramos. 

Na minha prédica favorita, a rabina Margaret Moers Wenig apresenta Deus como uma mulher idosa esperando que seus filhos a venham visitar. [10] Evitamos essa visita por medo da decepção: da nossa decepção em entender que Deus não nos deu todo aquilo que esperávamos e achávamos que merecíamos e a decepção de Deus, ao perceber que não nos tornamos tudo aquilo que poderíamos. E, mesmo assim, Ela espera nossa visita e nos acolheria e enxugaria nossas lágrimas, não como juíza-procuradora-perita-testemunha, mas como mãe ou como pai que vê seu filho ou sua filha sofrendo.

Se você se vê hoje um pouco nesse lugar, adote então esse como o seu bilhetinho de Rosh haShaná: “בִּשְׁבִילִי נִבְרָא הָעוֹלָם”, “o mundo foi criado por minha causa”, e quando todas as cartas parecerem pré-definidas contra você, deixe de lado as imagens da corte e do julgamento e foque no carinho do pastor ou da mãe idosa sentada na cadeira da cozinha esperando por uma visita sua.

Do outro lado do espectro, há aqueles se veem, não apenas como réus neste processo, mas também se auto-atribuem os papéis de juiz, procurador, perito e testemunha e na fusão de todas essas funções, se auto-concedem um passe-livre para não avaliarem suas condutas, para continuarem agindo no mundo como se ele tivesse sido criado só por causa deles. São capazes de apontar para inúmeros problemas pelos quais passamos mas nunca de aceitar que tem alguma responsabilidade por eles. 

Um pequeno exemplo disso: em uma pesquisa publicada recentemente 81% dos entrevistados declararam que o Brasil é um país racista e, no entanto, 75% das pessoas discordaram completamente da frase “tenho algumas atitudes e práticas consideradas racistas”. [11] O problema são sempre os outros!

Nas palavras da poetisa Marcia Falk, t’shuvá é o processo “de nos voltarmos para dentro para encarar a nós mesmos.” [12] Em Rosh haShaná temos a oportunidade para olharmos com verdade e coragem para dentro de nós mesmos, mas quantos entre nós não evita essa possibilidade a todo custo, talvez com medo do que encontremos se realmente nos engajássemos neste processo.

Um midrash detalha, hora a hora, a criação do primeiro ser humano, no verdadeiro יום הרת עולם, no dia do nascimento do mundo:

“(…) na primeira hora, [a criação do ser humano] surgiu em pensamento; na segunda, [Deus] consultou os anjos; na terceira, [Deus] juntou sua terra; na quarta, [Deus] a amassou; na quinta, [Deus] o teceu; na sexta, [Deus] fez uma forma; na sétima, [Deus] soprou nela; na oitava, [Deus] o colocou no Jardim [do Éden]; na nona, ele foi ordenado [sobre o fruto proibido]; na décima, ele transgrediu; na décima primeira, ele foi julgado; na décima segunda, ele foi perdoado. [Deus] disse a Adam: “Este é um sinal para os seus filhos: da mesma forma que você esteve diante de Mim no julgamento neste dia e foi perdoado, também no futuro seus filhos se apresentarão diante de mim em julgamento neste dia e serão perdoados por Mim.” [13]

De acordo com esse midrash, o julgamento perante o qual nos apresentamos em Rosh haShaná é um jogo de cartas marcadas a nosso favor, tendo em vista que Deus já se comprometeu com Adám que seremos perdoados ao seu final.

Apresentados com essa possibilidade, há quem se declare inocente antes mesmo de avaliar as evidências e perdem a possibilidade de um encontro verdadeiro consigo mesmo.

Se esse é o seu caso, adote como o seu bilhetinho de Rosh haShaná: “וְאָנֹכִי עָפָר וָאֵפֶר”, “eu sou apenas pó e cinzas”, e leia-o quando tiver a sensação de que o mundo inteiro está ao seu dispor, que você não precisa lidar com as consequências das suas decisões e dos seus atos.

Um ditado atribuído ao mexicano Cesar Cruz diz que “a Arte deve trazer conforto àqueles que estão perturbados e perturbar aqueles que estão confortáveis” e líderes religiosos já disseram antes de mim que este deve ser também o papel da religião. Infelizmente, como os bilhetinhos trocados a que se referiu o rabino Simcha Bonim de Pshischa, muitas vezes nosso impacto é exatamente o contrário, fortalecendo os poderosos e afligindo os oprimidos. Que nesse ano, o nosso processo de t’shuvá seja verdadeiro para cada um de nós e que nos permita encontrar equilíbrio, acolhimento e verdade.


Shaná Tová!

 

[1] https://www.estadao.com.br/sustentabilidade/prefeito-quer-acabar-com-trolebus-em-sp-vale-a-pena-colocar-fim-nos-onibus-ligados-a-rede-eletrica/

[2] https://www.dicionarioetimologico.com.br/bonde/ e https://bafafa.com.br/turismo/historias-do-rio/a-origem-curiosa-das-palavras-bonde 

[3] Mishná Rosh haShaná 1:2

[4] Kehati

[5] Albeck

[6] Mishná Sanhedrin 4:5

[7] Gen. 18:27

[8] https://zusha.org.il/story/שני-כיסים/

[9] https://web.archive.org/web/20221015013650/http://www.cofen.gov.br/brasil-enfrenta-uma-segunda-pandemia-agora-na-saude-mental_103538.html

[10] Margaret Moers Wenig, “Deus é uma mulher e Ela está ficando velha”, in Sonsino, Rifat, The Many Faces of God: A Reader of Modern Jewish Theologies, URJ Press: New York, 2004. pgs. 241-248.

[11] https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2023/07/brasileiros-dizem-viver-em-pais-racista-mas-negam-praticar-discriminacao.shtml

[12] Marcia Falk, The Days Between, p. 31.

[13] Vaicrá Rabá 29:1





quinta-feira, 14 de setembro de 2023

Mesmo nossos antepassados erraram!


Mesmo nossos antepassados erraram!


Muitas vezes, quando encontramos uma situação já definida, temos dificuldade em imaginar quais foram os processos que determinaram que a as coisas fossem decididas daquela forma. Por que as pessoas andam nas laterais das ruas e os carros no meio, e não o contrário? Por que comemos salada no começo da refeição, e não começamos pelos pratos quentes para que eles não esfriem? Porque as cores do semáforo são verde, amarelo e vermelho, ao invés de cores que não confundissem as pessoas daltônicas? Quando consideramos verdadeiramente estas perguntas sem desconsiderá-las com um “sempre foi assim”, podemos encontrar respostas que façam sentido à nossa sensibilidade contemporânea e respostas que nos expliquem o processos histórico que determinou que as coisas sejam como são — e muitas vezes essas respostas são distintas!


Por que as leituras da Torá em Rosh haShaná foram tiradas da mesma parashá, Vaierá? Para quem não se lembra, no primeiro dia de Rosh haShaná lemos sobre o nascimento de Itschác e de como, depois de ter seu próprio filho, Sará pede a Avraham que expulse Hagár, juntamente com Ishmael, o filho primogênito de Avraham; no segundo dia, lemos sobre o quase-sacrifício de Itschac, a akedá. Olhando para esses trechos nas páginas do nosso machzor, podemos imaginar que sempre tenha sido assim, que estas leituras tenham sido estabelecidas para Rosh haShaná desde o inícios dos tempos, mas os registros nas fontes judaicas apontam para uma história bastante fluida na definição de quais trechos seriam lidos no começo do ano judaico. A Mishná, por exemplo, aponta para uma passagem diferente, em Levítico, para o primeiro dia de Rosh haShaná e nem indica que poderia haver um segundo dia de comemoração [1]. A Tossefta, escrita mais ou menos na mesma época, por outro lado, menciona que havia um debate sobre qual deveria ser a leitura e aponta que vozes dissidentes liam a passagem do nascimento de Itschác (como fazemos hoje) [2]. É so no Talmud, concluído vários séculos depois que temos referência à tradição de um segundo dia de Rosh haShaná, no qual era lida a passagem da akedá (o mesmo que lemos hoje). Como quase tudo na tradição judaica, vemos que a definição de quais seriam as leituras de Rosh haShaná não foi imediata, decretada pelos Céus, mas o resultado de idas e vindas, de negociações e debates entre sábios em diferentes momentos, e com as práticas se estabelecendo e sendo revisadas ao longo da história.


A compreensão deste processo histórico, no entanto, ajuda pouco para entendermos porque estas passagens são relevantes para o momento religioso de Rosh haShaná. A este respeito, como em quase tudo que envolve processos interpretativos, até hoje o debate persiste. Para a escolha da leitura do primeiro dia há quem aponte, por exemplo, que a passagem sobre o nascimento de Itschác se inicia com Deus se lembrando de Sará [4] e a memória é um dos temas centrais de Rosh haShaná, assim como é a metáfora desta data como o “nascimento do mundo” (iom harát olám) justifica a escolha de uma data em que ocorre o nascimento de um bebê. Além disso, há um entendimento de que Deus revela Seu aspecto misericordioso ao permitir que Avraham e Sará se tornem pais em suas velhices e, ao ler este trecho, buscamos relembrar o Divino desta história, na esperança de que recebamos a mesma generosidade em nosso próprio julgamento. 


Quanto ao segundo dia, as explicações mais comuns relacionam a leitura da Akedá ao toque do shofar através do carneiro (um dos animais cujos chifres podem ser usados como shofarot) que Avraham sacrifica ao final do episódio. Outra abordagem relaciona a leitura à ideia de Z’chut Avot, um conceito segundo o qual, como não temos méritos suficientes que justifiquem nossa Salvação, apelamos a Deus que reconheça as qualidades de nossos antepassados, como Avraham, que esteve disposto a sacrificar seu próprio filho em devoção a Deus.


Para mim, no entanto, essas abordagens falham ao não reconhecer que tanto Avraham quanto Sará tiveram condutas, no mínimo, questionáveis neste dois episódios. De seu lado, Sará se deixou tomar pelo ciúmes ao exigir que seu marido expulsasse Hagár junto com Ishmael, seu filho mais velho. Quanto a Avraham, não apenas consentiu com o pedido de Sará como também aceitou a ordem Divina para sacrificar seu filho mais novo, Itschác. Na minha opinião, nossos rabinos escolheram estas duas leituras para os dias de Rosh haShaná porque reconheciam que tanto Sará quanto Avraham tinham errado em suas condutas e precisavam fazer t’shuvá pelos seus erros. Ao demonstrarem à comunidade reunida na sinagoga que até mesmo os fundadores do povo judeu tinham sua cota de erros sobre os quais refletir em Rosh haShaná, então nós também podemos sair da ilusão de que tivemos comportamento perfeito no ano que terminou e reconhecer as situações em que não nos orgulhamos da forma como agimos. Assim começa Iom Kipur, a comunidade nos dando licença para rezarmos na companhia de transgressores; assim, também, eu acredito, foram escolhidas as leituras da Torá de Rosh haShaná. 


Ao aceitarmos a premissa básica de que mesmos nossos antepassados de maior reputação não eram perfeitos, aceitamos nossa falibilidade, deixamos cair a máscara de que não temos nada pelo qual fazer t’shuvá e podemos nos engajar verdadeiramente no processo de cheshbon hanefesh, a contabilidade da alma.


Que individual e coletivamente possamos todos reconhecer a aprender dos nossos erros, tomar as ações corretivas com relação às suas implicações e nos transformarmos para não cometer os mesmos erros.


Shaná Tová! Que seja um ano muito doce, cheio de parcerias e encontros, muito amor e saúde!


Rabino Rogério




[1] Mishna Meguila 3:6

[2] Tossefta Meguilá 3:3

[3] Talmud Bavli Meguila 31a

[4] Gen. 21:1

 


domingo, 25 de setembro de 2022

Dvar Torá: Dando vida às metafóras sobre Deus. Rosh haShaná 5783 (CIP)


Eu quero começar a prédica com uma história chassídica que eu adoro ensinar e que eu encontrei em um livro de Shai Agnon [1], o autor israelense que ganhou o prêmio Nobel de Literatura de 1966. 
Um chassid um dia visitou seu rebe, o Rabino Elimelech de Lizensk nos dias entre Rosh Hashaná e Iom Kipur e lhe pediu se podia assistir a forma como o rabino conduzia a Capará.
Para quem não conhece o termo, Capará é uma tradição antiga na qual os pecados de uma pessoa eram transferidos para uma galinha na véspera de Iom Kipur, rodando o animal sobre a cabeça da pessoa. O animal era, então, abatido junto com todos os pecados da pessoa e doado. Com o tempo e a preocupação com o bem estar dos animais, algumas pessoas passaram a fazer o mesmo ritual, mas transferindo os pecados para notas de dinheiro que, então, eram doadas. Que fique claro que essas práticas não são mais praticadas pela imensa maioria do mundo judaico liberal.
A resposta do rabino, de alguma forma, surpreendeu o chassid:

 – “Eu estou honrado que você queira me ver fazendo a mitsvá de capará, mas eu preciso te dizer que nesta mitzvá especificamente, minha performance não é nada extraordinária. Se você quiser ver alguém que a faz de uma forma especial, vá ver o Moishe, que toma conta do albergue.”

Na manhã antes de Iom Kipur, o jovem chasid foi até a casa do Moishe observar como ele fazia Capará e ficou espiando pela fresta da janela.

Moishe começou sentando em uma cadeira de madeira em frente a uma pequena lareira em sua sala com“seus dois livros de teshuvá” ao seu lado. Moishe pegou o primeiro livro e disse:

– “Ribonô shel Olam”, Senhor do Universo, chegou a hora de acertarmos as contas  de todas as nossas transgressões do último ano, pois a Capará se aplica sobre todo Israel.”

Ele abriu o primeiro livro, leu o que estava escrito com muito cuidado e começou a chorar. O jovem chasid escutou atentamente enquanto Moishe lia uma lista de pecados (todos sem maior importância) que Moishe tinha cometido no ano anterior. Quando terminou de ler, Moishe pegou seu caderno encharcado de lágrimas, balançou-o sobre sua cabeça e o jogou no fogo. Ele, então, pegou o outro livro, bem mais pesado que o primeiro. E disse:

- “Ribonô shel Olam, Senhor do Universo, antes eu listei todas as minhas transgressões, agora eu vou contar todas as transgressões que Você fez.”

Moishe imediatamente começou a listar todos os episódios de morte, sofrimento, doença e destruição que tinham acontecido durante o ano anterior para todos os membros de sua família. Quando terminou de listar, Moishe disse:

- “Ribonô shel Olam, se formos calcular com exatidão, Você me deve mais do que eu te devo, mas eu não quero ser tão preciso nas contas, por que hoje é véspera de Iom Kipur e somos todos obrigados a fazer as pazes uns com os outros. Portanto, eu desculpo todas as Suas transgressões contra mim e minha família e Você também desculpa todas as minhas  transgressões contra Você.”

Com isso, Moishe pegou o segundo livro, que também estava encharcado de lágrimas, balançou sobre sua cabeça e jogou no fogo.

Ele então colocou vodka no seu copo, fez a benção, e disse “Le chayim!” bem alto. Se sentou com sua esposa e teve uma boa refeição em preparação ao jejum.

O jovem chasid, chocado, voltou ao seu rebe e lhe contou as heresias que Moishe tinha dito a Deus. O Rabino lhe disse:

– “Pois saiba que nos céus, todo ano Deus e toda a Sua corte se juntam para escutar com muita atenção as coisas que Moishe diz. E como resultado, há alegria e satisfação em todos os mundos.”
Como eu disse, eu adoro ensinar esta história porque há nela um elemento transgressor fundamentalmente judaico que acabamos perdendo no último século e meio. Quando eu dou a primeira aula no Curso de Introdução ao Judaísmo, eu digo aos alunos que, enquanto para a maioria das outras tradições religiosas, ser uma pessoa devota significa dizer “Sim, Senhor” para a mensagem Divina, no Judaísmo, um judeu comprometido responde ao chamado de Deus com “como você ousa me pedir uma coisa dessas?!”. Foi assim que Avraham, o primeiro patriarca respondeu quando Deus o instruiu a destruir Sodoma e Gomorra [2]; foi assim que Moshé respondeu quando Deus lhe disse que iria destruir o povo após o episódio do Bezerro de Ouro [3]; foi assim que os rabinos responderam quando Deus tentou se intrometer em uma das suas discussões rabínicas [4]. O nome que o povo judeu recebe na maior parte da tradição rabínica, o povo de Israel, reflete, de alguma forma, esta perspectiva: “Israel” quer dizer, literalmente, “aquele que duela com Deus”. O mais incrível é que Deus parece não se incomodar com o questionamento de Suas ações, pelo contrário: em um episódio em que sua opinião é recusada pelos rabinos, Deus sai sorrindo e dizendo “meus filhos me derrotaram”, orgulhoso como um pai cuja filha o derrota no jogo de xadrez.

Quando eu ensino a história do Moishe fazendo sua capará inovadora, as pessoas parecem apreciá-la, e eu acho que a razão para isso é que elas admiram a conduta dele. Mas a verdade é que eu acho que elas também se identificam com a conduta do chassid, que acha que trata-se de heresia. 

Queremos um novo modelo de relacionamento com o Divino mas temos uma dificuldade imensa de abrirmos mão do modelo atual, mesmo que nos sintamos profundamente incomodados com ele.

Na preparação para esta predica, eu estava lendo um livro chamado “Deus o quê? O que nossas metáforas para Deus revelam sobre nossas crenças sobre Deus”. Logo no começo do livro a autora, Carolyn Jane Bohler, oferece um questionário sobre as nossas crenças e ela sugere que os leitores o preencham antes de ler o livro e, de novo, depois de terminá-lo. 

Pessoalmente, depois de todos os anos de seminário rabínico, me considero um sujeito com uma educação judaica sofisticada, cuja compreensão de Deus não está baseada, de forma alguma, no que eu chamo de “o Deus Papai Noel”, de longas barbas brancas, sentado em um trono no céu, observando cada detalhe das nossas vidas. Meu entendimento do Divino é fluido, mas está muito mais próximo de Mordecai Kaplan, o fundador do movimento Reconstrucionista, que definiu Deus como “a força que causa a Salvação” ou de quem entende Deus como um processo ou ainda de Maimônides, o filósofo racionalista para quem a humanidade nunca seria capaz de afirmar com convicção o que Deus é, apenas o que Deus não é, como dizer que Deus não tem um corpo. E, apesar disso tudo, ao final do questionário, que tinha afirmações como “Deus continua trabalhando em nós, nos moldando”, “Deus e a humanidade compartilham poder e responsabilidade”, e “Deus toma o que é e, uma vez após a outra,  busca criar o melhor com o quem tem”, eu me surpreendi em me dar conta que a maior parte das minhas respostas partiam da premissa do “Deus Papai Noel”, aquele no qual eu não acredito. Eu fiquei me perguntando por que será, se essa não é o entendimento que eu tenho do Divino, que eu respondi as perguntas assim?

Porque o contexto que nos cerca conta e o contexto repetido conta ainda mais. Não sei quem acompanhou a polêmica do lançamento do trailer do filme com atores reais da Pequena Sereia, no qual o papel da protagonista é desempenhado por Halle Bailey, uma atriz negra. De um lado, fãs revoltados com o fato de que a Pequena Sereia do filme não terá a pele clarinha, quase branca, da versão em desenho animado. De outro,   crianças negras emocionadas em descobrir que sua heroína será retratada como alguém parecido com elas…. Eu nunca encontrei uma sereia nem conheço ninguém que tenha encontrado uma. Não sei a cor da sua pele nem do seu cabelo, não sei a altura nem o seu tom de voz — e mesmo sem conhecermos uma sereia, ninguém reclamou quando a personagem criada por Hans Christian Andersen no século 19 foi retratada como uma mulher branca de cabelo ruivo em um desenho da Disney. Sem deixar de lado o fato de que várias reclamações tinham uma inspiração racista, há também a verdade de que, depois de retratada branca e ruiva em inúmeros filmes infantis, a imagem ficou gravada nas nossas consciências. São bonecas, desenhos animados da Disney e de outros estúdios, roupas, e muitos ítens martelando essa ideia na nossa cabeça desde 1989, quando o longo metragem de animação foi lançado. Esse processo de repetição de uma imagem torna aquela que seria apenas uma possibilidade de leitura da aparência da personagem na única concepção verdadeira que ela poderia ter.

O mesmo fenômeno acontece com nossas percepções teológicas. Dentro do mundo judaico, toda vez que vamos dizer uma brachá usamos a fórmula “ברוך אתה ה׳, אלהינו מלך העולם”, “Você é Abençoado, ה׳, nosso Deus, Rei do Universo”. Vários aspectos do Divino estão implícitos nessa curta fórmula: Deus é outro, a quem endereçamos por אתה, Você — e portanto não é parte de nós. Deus é Masculino. Deus é hierárquico, nosso Rei e de todo o mundo. Na cultura mais ampla, quando Deus é personagem de um filme é, na imensa maioria das vezes, retratado como uma pessoa branca, idosa e de voz bem grave. Mesmo os humoristas mais desconstruídos, que mais questionam perspectivas religiosas tradicionais retratam Deus desta forma — outro, masculino e hierárquico. Quando Deus é apresentado como algo fora deste figurino — e tivemos várias tentativas assim nos últimos anos — tem a mesma recepção que a Capará do Moishe: é heresia!

Eu fiz um exercício com grupos de educadores e alunos nos últimos meses: lhes perguntei que atributos eles dariam a Deus de acordo com a forma como é retratado na Torá e na liturgia judaica. A maioria das respostas esteve longe de ser acolhedora: “punitivista”, “egocêntrico”, “dogmático”, “temido”, “violento”, “misógeno” foram algumas das expressões que me foram dadas. No entanto, quando eu perguntava sobre o que eles acreditavam a respeito de Deus, recebia respostas completamente diferentes, que falavam em acolhimento, parceria e horizontalidade. Pelos textos que lemos, pelas rezas que dizemos, pela realidade cultural em que vivemos, passamos a aceitar que a perspectiva “correta” de Deus é uma na qual, muitos de nós não acredita mais.

“Não acredita mais” também precisa ser qualificado por que está implícito nesta formulação que um dia os judeus acreditaram neste Deus. O rabino Larry Hoffmann é um dos principais — se não, o principal — especialista em liturgia judaica dentro do mundo judaico liberal. Ele contesta a ideia da qual fomos convencidos de que nossos antepassados acreditavam nestes textos de forma literal. Em suas palavras:
 
Para complicar a situação, ainda é muito ruim nossa compreensão de nossos antepassados, que consideramos santos sem humor que não tiveram que sofrer os problemas com a reza que nos atormentam. Mas e se eles fossem mais parecidos conosco do que pensamos? As mesmas rezas que nos incomodam os incomodaram - um Deus todo-poderoso, todo-bom e onisciente que permite que crianças inocentes morram, por exemplo? Quando encontraram essas alegações litúrgicas, eles as levaram literalmente? Ou eles já haviam chegado a um acordo com a impossibilidade de expressar o profundo? Eles tiveram que aguardar críticas literárias modernas para desenvolver aquilo que agora chamamos de "estratégias de leitura" - ou eles já sabiam o suficiente para ler da maneira que fazemos, reconhecendo a poética da símile, da hipérbole, da personificação, etc? Afinal, o fato de viverem em tempos medievais não os torna nem infantilmente ingênuos nem mentalmente incompetentes. Alguns deles eram gênios como Maimônides, que negaram a corporalidade de Deus e anteciparam nosso mal-estar com rezas que tratam Deus como se Deus fosse um juiz humano demais que requer pacificação por reza e petição. Mas Maimônides foi o único que pensou em tais "heresias" ou era apenas uma pessoa particularmente importante que ousou dizê-las em voz alta? Os grandes escritores nem sempre desenvolvem idéias que ninguém jamais teve, mas as expressam com palavras que evocam saberes de leitores que mais ou menos suspeitavam dessas verdades de qualquer maneira, mas não tinham como expressá-las.

Da mesma forma, o que diríamos sobre os autores dessas rezas? Como saberíamos se eles escreveram ironicamente, em vez de literalmente, por exemplo? O hebraico deles não era vocalizado, deixando a nós, leitores, adivinhar pontuação como vírgulas e pontos, mas também pontos de exclamação por intensidade, pontos de interrogação para indicar incertezas retóricas e aspas para alertar contra uma compreensão literal do que eles colocam. E se estivermos entendendo tudo errado? Podemos ver, por exemplo, com que frequência eles citaram a Bíblia; mas se a principal preocupação deles fosse citar, como saberíamos se eles pretendiam que as citações fossem verdades literais? Citamos as “sete eras do homem” de Shakespeare para transmitir a idéia de desenvolvimento humano, mas não para dizer que existem sete dessas eras especificamente pelas quais os “homens”, mas não as mulheres, passam. Se alguém escreve "divinamente", não queremos dizer que realmente escreva como Deus. E se nossos escritores de reza mais talentosos quase nunca interpretassem seus escritos literalmente? E se eles fossem talentosos do jeito que os escritores são hoje - capazes de esticar a linguagem com imaginação suficiente para transmitir o que o pensamento conceitual comum nunca chegará? [5]
Eu li na semana passada um artigo do Fernando Reinach segundo o qual encontraram um esqueleto em Bornéu, na Indonésia, que teve uma perna amputada entre o joelho e o pé 31 MIL anos atrás. As marcas nos ossos demonstram que não foi um acidente, mas uma amputação cirúrgica. A cirurgia aconteceu quando o paciente tinha 14 ou 15 anos e ele viveu até os 20 anos. De acordo com Reinach:
O que me parece óbvio é que essa descoberta vai levar os cientistas a reconsiderar o grau de desenvolvimento tecnológico e cultural desses povos. Como essas populações não conheciam a escrita e praticamente não construíam obras arquitetônicas, tudo o que sabemos sobre elas foi aprendido escavando locais em que viviam e estudando os ossos, as pinturas, os restos de alimentos e os poucos artefatos encontrados. Com tão pouca informação, é natural subestimarmos o progresso dessas sociedades. Uma descoberta como essa vai nos forçar a reavaliar o conhecimento e as tecnologias que essas pessoas já dominavam. [6]
Há mais de 30 mil anos a humanidade já conseguia amputar órgãos mas continuamos imaginando que nossos antepassados acreditavam na Torá de forma literal e que nossos rabinos escreveram a liturgia judaica sem nenhuma dose de licença poética, sem uso de metáforas e sem ironias. Todas essas seriam técnicas modernas para escapar de uma realidade teológica com a qual não conseguimos nos adequar.

Em seu livro “Teologia Metafórica: Modelos de Deus na Linguagem Religiosa”, Sally McFague defende que a leitura de textos religiosos com se eles tivessem um significado único e literal constitui “idolatria da linguagem religiosa”: 
Os antigos eram menos literalistas do que nós, conscientes de que a verdade tem muitos níveis e que quando se escreve a história da vida de uma pessoa influente, a perspectiva de alguém colorirá essa história. A nossa é uma mentalidade literalista; a deles era uma mentalidade simbólica. [7]
E se uma leitura simbólica fosse uma possibilidade ao nosso alcance? E se nos permitíssemos ter uma leitura generosa e radicalmente metafórica dos poemas litúrgicos que leremos nesses dias de Grandes Festas?

No livro sobre metáforas religiosas que eu mencionei acima, a autora propões técnicas para sermos capazes de usar estas metáforas com intenção, sem sentir que estamos nos submetendo a uma teologia que não é a nossa — e também para reconhecer que algumas destas metáforas não funcionam conosco e que devemos buscar outras referências. Em um desses exemplos no qual a releitura foi possível, ela fala da imagem de Deus como ceramista,  que faz parte da liturgia de Iom Kipur e que me era cara e incômoda. Me incomodava a ideia de Deus como ceramista porque ela me colocava no incômodo e passivo papel de argila, sem agência alguma e sujeito à vontade do meu Criador. Carolyn Jane Bohler, a autora, conta no livro que seu filho trabalha com argila e o que ela aprendeu com ele é que são necessárias várias tentativas até que o produto final esteja pronto. Ela continua, dizendo que o Ceramista Divino gosta de ser criativo, de nos editar, nos moldar e nos dar forma.

Com uma leitura generosa assim, sem ofender o sentido do texto mas tampouco assumindo que seus autores tinham a intenção que adotássemos uma leitura literal, eu consegui enxergar uma forma como o Divino que reside dentro de mim, de forma não hierárquica e sem assumir qualquer gênero, me ajuda a me transformar o tempo todo, em diálogo comigo, e como buscamos juntos que eu me transforme na melhor versão de mim mesmo. A própria autora reconhece que nem todas as metáforas dão espaço para este tipo de busca simbólica. No livro do profeta Hoshea, Deus se compara a um marido abusivo — uma imagem, talvez impossível de ser resgatada, especialmente para vítimas de abuso doméstico. Muitos outras, no entanto, foram o bebê proverbial jogado fora junto com a água suja.

Na melhor prédica que eu já li, a rabina Margaret Moers Wenig retrata Deus como uma velha mulher esperando seus filhos visitarem em Iom Kipur. Em um certo momento, Deus reclama dos cartões postais que seus filhos lhe mandam, com palavras impressas escritas por outros, nas quais eles apenas assinam seu nome — no final do texto, fica claro que estes cartões postais são as páginas do machzor, o livro de rezas de Rosh haShaná e Iom Kipur, palavras que repetimos como se fossem nossas, como se tivéssemos a intenção que elas transmitem, sem nem ao menos pararmos para refletir sobre o seu significado.

Moishe, o dono da hospedagem, teve a coragem radical de fazer cheshbon hanefesh, a contabilidade da alma, por ele e por Deus e, assim, dar significado ao ritual de Capará. Será que nós também somos capazes deste tipo de coragem radical e de transformar a experiência destes dias temíveis em algo verdadeiramente significativo e transformador?

Shaná Tová! Que seja um 5783 transformador e muito doce para todos nós!


[1] S. Y. Agnon, “A Conta”, Yamim Noraim, parte II, cap. 22
[2] Gen. 18:25
[3] Ex. 32:11-13
[4] Talmud Bavli Bava Metsia 59b
[5] Lawrence A. Hoffman, Talmud Bavli Bava Metsia 59b “Prayers of Awe, Intuitions of Wonder”, Who by Fire, Who by Water: Un’taneh Tokef. Lawrence A. Hoffman (ed.), Woodstock, Vt: Jewish Lights Pub, 2010. pp. 4-12.
[6] Fernando Reinach, “A mais antiga perna amputada”, Estado de São Paulo, 17 de setembro de 2022
[7] Sallie McFague, Metaphorical Theology: Models of God in Religious Language, p. 23/401 (e-book)

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Dvar Torá: Tshuvá por nossa história coletiva (CIP)


No longínquo ano de 2014, eu trabalhava em uma escola judaica de São Paulo e levei uma turma de alunos do Ensino Médio para a Marcha da Vida, a visita aos campos de concentração e extermínio que ajudaram a praticamente exterminar a vida judaica em diversos países europeus durante a Segunda Guerra Mundial. Quando estávamos na Polônia, eu encontrei o Celso Zilbovicius, amigo desta casa e meu amigo pessoal, diretor pedagógico da Marcha dos Universitários, organizada pelo Fundo Comunitário de São Paulo. Eles tinham ido pela primeira vez a Berlim, que não fazia parte do nosso roteiro e eu lhe perguntei como tinha sido. “Eles se encontraram com seu passado e com toda a dor que dele deriva de forma verdadeira e corajosa”, ele me disse. “A partir de agora, nosso roteiro sempre passará a incluir a Alemanha” na Marcha. 
Esse encontro verdadeiro e corajoso com nossos erros tem nome na tradição judaica: “tshuvá”, que vem da raiz “lashuv”, “retornar”. Em hebraico contemporâneo, “tshuvá” quer dizer “resposta”, da mesma forma que, em português, nós dizemos que daremos “retorno” a algum questionamento mais complexo depois de averiguá-lo. Quando mencionamos “tshuvá” no do contexto judaico ao qual eu estou me referindo, é muito frequentemente traduzido como “arrependimento”, mas é um conceito muito mais complexo e estruturado do que o que normalmente entendemos por “arrependimento”.

O rabino Joseph Soloveitchik, a principal referência do Ortodoxia Moderna norte-americana no século XX carinhosamente chamado de “O Rav”, falaou assim sobre a tshuvá:
É um preceito cuja essência não está na realização de certos atos ou feitos, mas sim em um processo que às vezes se estende por toda uma vida, um processo que começa com o remorso, com o sentimento de culpa, com a crescente consciência do homem de que não há propósito para sua vida, com uma sensação de isolamento, de estar perdido e à deriva no vácuo, de falência espiritual, de frustração e fracasso - e o caminho a ser percorrido é muito longo, até que o objetivo do arrependimento seja realmente alcançado. O arrependimento não é uma função de um ato único e decisivo, mas cresce e aumenta de tamanho lenta e gradualmente, até que o penitente sofre uma metamorfose completa, e então, depois de se tornar uma nova pessoa, e só então, ocorre o arrependimento. [1]
Tshuvá é um tema central da preparação espiritual que nos leva a Rosh haShaná e a Iom Kipur e da liturgia das Grandes Festas. Também é, pelo menos gramaticalmente, importante na parashá desta semana, na qual temos 8 variações verbais de “lashuv” em apenas 10 versos [2]. Certamente, não é por coincidência que os rabinos estruturaram o ciclo de leituras da Torá de forma que parashat Nitsvamim caísse quase sempre no Shabat antes de Rosh haShaná.

Hoje eu queria propor um exercício um pouco diferente daquele que vamos fazer em Rosh haShaná e Iom Kipur. Lá, o foco será, na maioria das vezes, os erros que cometemos individualmente, as pessoas que ofendemos pessoalmente, as formas como nos afastamos da pessoa que gostaríamos de ser. Hoje, eu queria que pensássemos em um processo mais coletivo de tshuvá, de pensarmos como comunidade, como sociedade, como nação, as formas como erramos no nosso passado e a forma como, em muitos destes casos, a tshuvá verdadeira e profunda, como definiu o Rav Soloveitchik.

Como vocês devem saber, eu escuto muitos podcasts e nas últimas semanas, uma coincidência de efemérides me levou a pensar em nossos erros históricos cujos processos de tshuvá ainda estão no início: de um lado, os 200 anos da Independência do Brasil, em especial quando avaliados em perspectivas distintas daquelas que eu aprendi na escola — olhando para estes processos a partir do olhar de mulheres, de negros, de indígenas e de outros grupos cujas experiências históricas foram quase apagadas mas que agora começam a re-aparecer [3]. De outro lado, a semana que vem marcará 30 anos do Massacre do Carandirú, no qual 111 presos foram brutalmente assassinados, sem que nenhuma pessoa tenha ido para a prisão. Estes são dois temas caros para mim, que talvez não sejam para vocês, mas podemos todos concordar que merecemos um encontro profundo e verdadeiro com nosso passado, que este processo será dolorido e nos causará constrangimento, mas que ao final dele sairemos melhores e mais fortes. Guardadas as proporções, o exemplo da Alemanha sempre ecoa nos meus ouvidos quando penso neste tema — certamente não foi fácil para um geração de alemães que não tinham nascido quando a Shoá foi perpetrada por seus pais, avós e bisavós falar dos erros como se fossem pessoalmente deles, mas nenhum processo que levasse a menos do que isso levaria à transformação necessária.

A rabina Danya Ruttenberg publicou há algumas semanas um livro sobre este assunto entitulado “On Repentance and Repair”, “Sobre o Arrependimento e o Reparo”, no qual ela se baseia nos ensinamentos de Maimônides sobre a tshuvá para analisar o momento que a sociedade norte-americana vive hoje. Em suas palavras:
O trabalho de se arrepender completamente é o trabalho de transformação. É o trabalho de enfrentar histórias falsas e se envolver com a realidade dolorosa. É o trabalho de estar aberto para nos ver como realmente somos, de entender que as necessidades e a dor de outras pessoas são pelo menos tão importantes - se não mais - do que as nossas. É sobre descobrir como ser o tipo de pessoa que vê o sofrimento dos outros e assume a responsabilidade por qualquer papel que possamos ter em causar isso. É sobre reconhecer sua responsabilidade - reconhecer quem fomos e o que fizemos, e também reconhecer a pessoa que somos capazes de nos tornar.
Na estrutura que ela adota, fortemente baseada na que propôs Maimônides, há cinco etapas no processo de tshuvá:
  1. Reconhecimento do erro e da sua responsabilidade por ele. Aqui, a rabina Danya destaca que é fundamental ser o mais específico possível e indicar porque essa ação machucou outras pessoas. Pedidos genéricos de desculpas, sem indicar o motivo ou sem reconhecer nossa culpa não levam ao processo de tshuvá verdadeiro. Nas suas palavras: “Uma pessoa não pode se arrepender se não entender por que o que aconteceu é realmente um grande problema – por que a pessoa que foi magoada está realmente ferida.” O exercício de empatia, de reconhecer uma situação da perspectiva de outra pessoa, que não necessariamente tem os mesmos valores que você, e entender como tuas ações a machucaram não é trivial mas é profundamente necessário, como reconhecemos quando somos nós as vítimas da ofensa.
  2. Começar a mudar. Nas palavras de Maimônides: “O que é arrependimento completo? O [caso de] alguém que tinha o poder de repetir uma transgressão, mas se separou dela e não o fez porque se arrependeu” [4]. Mudar sempre é difícil. Carregamos conosco nossos vícios, nossas manias — nos acostumamos com eles, não queremos abrir mão de quem fomos até agora. No entanto, se não nos transformarmos, continuaremos tomando as mesmas decisões e cometendo os mesmos erros.  Não há processo verdadeiro de tshuvá sem uma mudança de algo significativo em quem somos. Na época de Maimônides, as ferramentas para esta etapa incluíam a reza em súplica, a doação financeira, colocar-se em situação de vulnerabilidade — como ir morar em outro lugar — para desinflar o ego e permitir que a mudança ocorresse. A rabina Danya propõe uma atualização desta lista, adicionando terapia, meditação, e se educando sobre os temas relacionados à ofensa para garantir uma compressão mais sofisticada e complexa do que está em jogo. 
  3. Restituição e Aceitação das Consequências. Maimônides listou cinco categorias nas quais a restituição deveria ser paga em casos de dano físico: pela ofensa em si mesma, pela dor, pelos custos médicos, pelo tempo sem trabalhar e pela humilhação.  Para cada uma destas categorias, poderíamos pensar qual sua melhor aplicação em cada caso. Se uma pessoa, em função de um ato causado por outro, perdeu a oportunidade de continuar na sua área profissional, por exemplo, a restituição pode incluir o custo de treiná-la em outra profissão, de tal forma que ela possa voltar a ter um emprego.
  4. Desculpas. Mesmo depois que uma pessoa fez “restituição da dívida monetária, ela é obrigada a apaziguar [a pessoa prejudicada] e implorar seu perdão. Mesmo que ela só tenha ofendido a outra pessoa verbalmente, ela deve apaziguar e implorar até que [a parte prejudicada] a perdoe.” De acordo com a rabina Danya, “um verdadeiro pedido de desculpas não se destina à pessoa que foi ferida, mas é dada em relação a ela. Requer vulnerabilidade e escuta empática; exige uma oferta sincera de arrependimento e tristeza por suas ações. Requer compreensão de quando aproximar-se de uma vítima pode prejudicá-las ainda mais e navegar por isso com sensibilidade. O objetivo não é fazer mais danos, mas fazer um trabalho que seja de cura, de reparação. Isso significa que as necessidades da vítima devem sempre estar no centro do processo.”
  5. Tomando decisões diferentes. O processo de tshuvá só está completo quando, apresentado com um contexto semelhante, tomamos decisões distintas. Somos frutos do hábito e, sem querer, tomamos decisões muito parecidas uma vez depois da outra. Mudar esta forma de agir exige intencionalidade e reconhecimento do impacto das nossas ações.
A rabina Sharon Brous, de cuja comunidade eu tive a honra de fazer parte em algum momento, sempre diz que o judaísmo é paradoxalmente exigente e otimista ao mesmo tempo. De um lado, nos aponta com frequência a necessidade de tshuvá, de transformação profunda; de outro, sempre acredita no nosso potencial de nos transformarmos e oferece inúmeras oportunidades para fazê-lo. Neste sentido, a rabina Danya cita Rav Nachman de Brestlav: “Se você acredita que pode causar danos, acredite que pode consertar. Se você acredita que pode machucar, acredite que pode curar.”

Que estas Grandes Festas sejam uma experiência transformadora para todos nós, individual e coletivamente e que em 5783 nos encontremos com a versão de nós mesmos que sempre sonhamos ser.

Shabat Shalom! Shaná Tová!


[1] Pinchas Pelo, “On Repentance: The Thought and Oral Discourses of Rabbi Joseph Dov Soloveitchik”, p. 75
[2] Deut. 30:1, 2, 3 (3x), 8, 9, 10
[4] On Repentance and Repair, p. 52/381 (e-book) 

terça-feira, 7 de setembro de 2021

Dvar Torá: Que o Shofar nos desperte, nos ajude a sonhar e vislumbrar o caminho para chegarmos lá! Rosh haShaná 5782 (CIP)


Quem tem mais de 30, certamente se lembra de um dos garotos-propaganda mais icônicos da TV brasileira: Carlinhos Moreno interpretava o tímido e desajeitado porta-voz da Bombril, aquela esponja de aço que todo mundo sabe que tem mil e uma utilidades!

Quase com mil e uma utilidade é o que poderia se dizer também do shofar, o símbolo marcante desta época do ano e que o Luis tão lindamente tocou há alguns instantes. Há bons motivos para que seja exatamente do toque do shofar que nos lembramos quando escutamos falar de Rosh haShaná, especialmente o fato de que, na Torá, esta festa que hoje chamamos de Rosh haShaná é chamada de Iom Truá, o “Dia da Truá”, que hoje a maioria de nós associa a um dos tipos de toque do shofar. Mas qual seria o motivo para a centralidade da escuta do shofar para nossa prática religiosa nesta época do ano?

O rabino Saadia Gaón, que foi o primeiro a buscar sistematizar a tradição judaica com os conceitos filosóficos da sua época no 10º século, compilou uma lista de dez motivos para tocarmos o shofar em Rosh haShaná [1] — entre os motivos apontados, está a ideia de que “o som de um shofar é como a voz dos profetas que soou como uma sirene alertando o povo judeu para mudar seus caminhos, retificar seus erros e voltar para Deus.” [2]

Esta ideia do alarme para nos alertar sobre uma questão social ou pessoal sempre me lembra da metáfora do sapo na água quente. Conta diz a lenda, aparentemente questionada pela ciência moderna, que se você tentar colocar um sapo vivo em água fervente, e ele imediatamente pulará para fora da panela sem grandes impactos, mas se você colocá-lo na água fria e aumentar a temperatura lentamente, o sapo irá se acostumando com o calor  e ficará na panela até ser completamente cozido. 

Nas nossas vidas, é bastante comum irmos nos acostumando a lentas mudanças nas condições que, por não serem grandes desvios daquilo com que tínhamos nos acostumado, vão sendo absorvidas sem que tomemos, de fato, qualquer ação — pense em um emprego, que era dinâmico e desafiador e vai mudando aos poucos até que, quando você se dá conta está há anos desenvolvendo atividades monótonas e pouco interessantes; ou em um relacionamento romântico, que começou cheio de paixão, carinho e atenção, mas que perde todas estas características com o passar do tempo e se torna opressivo e insípido. Precisamos soar o alarme!

Além da mensagem dos profetas, também no Talmud o toque do shofar é relacionado  ao espanto com como as coisas são e a necessidade de empatia, especialmente para com os mais excluídos. Após concluírem que truá é um toque do shofar, os sábios começam a discutir como exatamente este toque é definido. A referência na discussão é o choro da mãe de Sísera, um general canaanita morto por Iael, uma hebreia. O choro da mãe é associado ao significado de truá. Havia, entre os sábios do Talmud, quem defendesse que era um choro soluçado, que deu origem ao que chamamos de shevarim hoje em dia, e havia quem defendesse que fosse um choro mais contínuo, assim como o toque que hoje chamamos de truá [4]. Em comum, no entanto, tem o fato de tomarem a  dor da mãe do inimigo como a referência básica. O shofar nos lembra da humanidade fundamental de cada pessoa e nos convida a desenvolver empatia com o sofrimento do outro, mesmo com (ou talvez especialmente com) o sofrimento do outro radicalmente diferente de mim.

Assim como na vivência pessoal, também do ponto de vista social, vamos nos acostumando com situações inaceitáveis contra as quais teríamos nos rebelado se a sua evolução não tivesse sido tão gradual. Vamos pegar, por exemplo, a evolução dos casos de Covid — apesar da queda nas últimas semanas, a média móvel do número de casos se mantém acima de 600 [5]; ou seja, para usar a velha comparação com acidentes aéreos: é como se algo entre 3 e 4 Boeings 737-Max caíssem todos os dias no Brasil. Imaginem o luto coletivo que estaríamos vivendo por aqui com estes acidentes aéreos. Como, no entanto, o número de mortos foi subindo de forma lenta e gradual, fomos nos acostumando com este quadro e, de alguma forma, nos tornamos insensíveis à sua gravidade. Resta lembrar que este quadro não era inevitável e que há países no mundo nos quais os alertas soam e regras de quarentena mais rígidas são adotadas quando o número de pessoas infectadas passa de um determinado patamar, mesmo que ainda não tenha acontecido nenhuma morte. Precisamos soar o alarme! 

A situação dos moradores de rua na cidade de São Paulo é outro exemplo no qual vamos nos acostumando com a negação sistemática e persistente da humanidade dos nossos co-cidadãos sem que nos mobilizemos para radicalmente transformar um sistema que joga às ruas milhares de famílias. Basta ver a cara de horror de um turista visitando São Paulo para nos darmos conta de como perdemos parte da nossa própria humanidade em nossa conivência com esta situação. Precisamos soar o alarme!

Além de soar este alarme para as situações com as quais nos acostumamos, apesar de que não deveríamos, o shofar também nos ajuda a vislumbrar dias melhores e a contemplar uma realidade profundamente distinta. Do ponto de vista tradicional, isso implica nos levar de volta ao momento da revelação no Monte Sinai [7], no qual o povo ouviu o som do shofar cada vez mais alto. Naquele momento, no Monte Sinai, o povo judeu se estabelecia ao redor de um ideal de sociedade e de pacto com o Divino. Era o momento de sonhar com o que significava construir um mundo mais justo e quais eram as ferramentas necessárias para este projeto; era também o momento de cada pessoa presente àquele momento de Revelação se perguntar de que forma continuaria se relacionando com o Divino e que papel este relacionamento teria na sua vida. De volta a 5782, o shofar nos provoca a refletirmos sobre quem gostaríamos de ser, pessoal e coletivamente, e a agirmos para podermos chegar lá.

Uma das metáforas de Rosh haShaná é Iom Harat Olám, o dia do Nascimento do Mundo, e o toque do shofar nos leva a vislumbrar qual é este mundo ao qual gostaríamos de ver nascer. Em que tipos de relacionamentos interpessoais você gostaria de se envolver? Quais projetos profissionais você gostaria de desenvolver daqui para frente? Que papel você gostaria de ter na transformação e aprimoramento do mundo? Que comunidade, que cidade, que país nós gostaríamos de estar construindo juntos daqui pra frente?

Retomando: uma função do shofar é nos despertar para a situação do mundo hoje; outra função é nos ajudar a vislumbrar para onde gostaríamos que o mundo fosse. A terceira função do shofar, na qual eu gostaria de focar agora, é como chegamos lá…

Na história da conquista de Jericó, Iehoshua lidera o povo hebreu em um cerco à cidade tocando shofar e gritando aos céus, levando ao colapso das muralhas que protegiam a cidade [8]. Parafraseando um professor querido, o rabino Ebn Leader, o shofar também poder ter a função de trincar a casca dura que se forma ao redor dos nossos corações e que nos impede de desenvolvermos empatia ou de estarmos abertos aos desafios da transformação. A casca é um mecanismo de defesa que permite que nos mantenhamos sãos em um mundo de תֹּהוּ וָבֹהוּ, do mais absoluto caos. Trincar esta casca para permitir que a quebremos envolve aceitarmos o risco de saírmos de coração quebrado, mas mantê-la lá significa abrirmos mão de melhorarmos, de crescermos, de transformamos a nós mesmos e ao mundo ao qual pertencemos.

Algumas fontes associam o toque do shofar ao choro de uma mãe dando a luz — neste caso, Deus dando a luz ao mundo. É um choro de dor e de esperança que nos transformemos através da teshuvá e que aceitemos a parceria com Deus para consertar o mundo. 

Quando, na sequência do serviço, escutarmos novamente o toque do shofar, permita que ele te desperte para a realidade que nos cerca, que ele te ajude a conceber uma nova situação mais justa, mais inclusiva e mais significativa para você e que ele te ajude a se abrir para a possibilidade de buscar esses novos caminhos.

Shaná Tová! Que sejamos todos parceiros nestes processos!