terça-feira, 25 de maio de 2021

Podcast 5.8 - Episódio 19: Educação Judaica: Movimentos Juvenis

(originalmente publicado em http://5ponto8.fireside.fm/19)

A luta mais difícil de todas é a que temos dentro de nós. Não vamos nos acostumar e adaptar a essas condições. Aquele que se adapta deixa de discriminar entre o bem e o mal. Ele se torna um escravo de corpo e alma. Aconteça o que acontecer com você, lembre-se sempre: não se adapte! Revolte-se contra a realidade!

Essas frases foram ditas por Mordechai Anilewicz, um dos líderes do levante do Gueto de Varsóvia e uma das liderancas do movimento juvenil sionista socialista judaico Hashomer Hatzair.

Sua personalidade é emblemática como exemplo da importância dos movimentos juvenis para a cultura e existência judaica tal como ela é hoje. 

E sua frase demonstra a relevância desses movimentos para uma educação judaica que tenha como premissa a ação por um mundo mais justo. Uma educação que não baixe sua cabeça frente a injustiças e que seja transformadora.

Hoje vamos discutir a importância dos movimentos juvenis judaicos atuais para a construção do judaísmo do futuro com nossos convidados, Camila Crespin, ex-mazkirá do Conselho Juvenil Judaico-Sionista e André Wajnberg, guia de turismo cultural em Israel e ex-sheliach na CIP. 

Dicas Culturais:

Com Rogério Cukierman e Laura Trachtenberg Hauser.
Créditos da Música de Abertura: Lechá Dodi, da liturgia tradicional de Shabat | Melodia: Craig Taubman | Clarinete: Alexandre F. Travassos | Piano: Tânia F. Travassos.
Edição: Misa Obara

sexta-feira, 21 de maio de 2021

Dvar Torá: Buscando e Sendo a Face de Deus (CIP)


Eu tenho uma aluna querida, que participa de vários programas que eu organizo aqui na CIP e que vive dizendo que eu faço jabá, aproveitando quando eu estou de plantão no shabat pra falar dos meus outros projetos aqui na CIP. Pensando em quem não conhece o termo técnico “jabá”, fui procurar em um dicionário informal online a explicação detalhada do termo. Confesso que esperava algo um tantinho mais carinhoso… Dizia lá no dicionário que “jabá” é: “Propaganda oportunista que se faz sobre algum produto ou serviço comercial de forma espontânea, mas em momento inadequado (o jabazeiro é sempre aquele ‘chato’). Há também o jabá pessoal, em que o indivíduo vende a própria imagem. Pessoas desesperadas por emprego ou simplesmente exibicionistas crônicas costumam valer-se desse tipo de jabá.” [1]

Desesperado por emprego, eu sei que não estou — muito feliz aqui na CIP, obrigado. Mas talvez eu seja mesmo “aquele ‘chato’” ou “simplesmente [um] exibicionista crônic[o]”. De qualquer jeito, vou aproveitar a chance pra mais um jabá, este retroativo… no Ticún da Virada, que aconteceu na noite de sábado para domingo passados, um pouquinho depois da meia noite, eu tive o prazer de conversar com duas boas amigas: a rabina Luciana Pajecki Lederman e a Laura Trachtenberg Houser, que apresenta o podcast 5.8 comigo. Falamos de como retomar a centralidade do texto na educação judaica e cada um de nós escolheu alguns textos para exemplificarmos a abordagem e o tipo de conversa que poderia ter origem ali. Eu trouxe uma das passagens que eu mais gosto de toda a Torá, uma que fala da intimidade entre Deus e Moshé. 

A passagem acontece um pouco depois do episódio do bezerro de ouro e da quebra das Tábuas, quase como uma oportunidade de reconciliação entre Deus e Moshé. O texto diz: “וְדִבֶּר ה׳ אֶל־מֹשֶׁה פָּנִים אֶל־פָּנִים כַּאֲשֶׁר יְדַבֵּר אִישׁ אֶל־רֵעֵהוּ”, “E ה׳ falava com Moshé face-a-face, como uma pessoa conversa (ou deve conversar) ou a outra.” Eu gosto dessa passagem por vários motivos, ela fala da intimidade possível entre o Divino e o humano mas, mais do que isso, ela não deixa claro qual é a direção do exemplo, quem aprende com quem. Será que Deus está nos dando um exemplo de como devemos nos relacionar uns com os outros, face-a-face, ou será que Deus está aprendendo dos melhores exemplos que podemos dar, de quando nos relacionamos verdadeiramente com outras pessoas, olhando nos olhos, dedicando o tempo e a atenção para verdadeiramente escutarmos uns aos outros, vendo o Divino refletido na face do outro.

Na parashá desta semana, lemos sobre a Benção dos Cohanim [2], uma das bençãos mais famosas da tradição judaica, com que muitos abençoam seus filhos antes do jantar de shabat e com a qual muitas vezes encerramos o serviço de Cabalat Shabat aqui na CIP. Em português, a benção diz:  “Que Deus te abençoe e te proteja; Que Deus ilumine Sua face na tua direção e te traga graça; Que Deus vire Sua face na tua direção e te traga a mais completa Paz.” A intimidade com Deus, representada pelo contato com a Face Divina, antes restrita a Moshé, um profeta como nunca houve outro igual [3], agora se torna disponível para todos nós, até para o rabino chato ou exibicionista crônico…

Na conversa com a rabina Lú e com a Laura, eu trouxe alguns exemplos que mostravam como a literatura rabínica se incomodava com a corporalidade implícita na expressão face-a-face. Da forma indireta que caracteriza a literatura rabínica, na qual as mensagens mais importantes precisam ser, muitas vezes, vasculhadas nas entrelinhas, os rabinos procuravam tecnicalidades para explicar como a Torá, que nos apresenta um Deus onipresente e, por isso, sem um corpo definido, fala em um encontro face-a-face. Da mesma forma, poderíamos nos perguntar o que significa, na benção dos cohanim, propor que Deus vire Sua face na nossa direção e nos traga paz.

Emanuel Levinas, um filósofo judeu francês — sobre quem, por sinal, o rabino Ruben falou no shiur dele do Ticún da Virada — que escreveu sobre a ética do encontro com a face do outro, um encontro que, ao mesmo tempo, nos compele a reconhecer o outro como distinto e estabelece uma responsabilidade pelo outro em cada um. Para Levinas, a responsabilidade decorrente do encontro face-a-face independe de qualquer objetivo pragmático ou de interesses comuns. A face do outro grita “não me mate!” e demanda a atenção que a Torá atribui ao estrangeiro, ao órfão e à viúva. Exemplos dos segmentos oprimidos em qualquer sociedade, ironicamente eles representam as pessoas cujas faces nunca enxergamos, por quem andamos na rua fingindo que não os vemos.

Será que para as pessoas que fingimos que não vemos — e cada um sabe quem está nesta categoria pra vocês —, tudo o que resta é pedir para que Deus ilumine Sua face e lhes traga graça? Parece uma versão amarga do “Deus lhe pague”, que Deus tenha piedade de você e te traga um pouco de consolo na sua vida sofrida.

Eu já contei aqui da viagem que fiz a um vilarejo indígena no México com 18 outros alunos de rabinato em 2010. Naquela viagem, as bençãos da manhã passaram a me incomodar. Vivendo com pessoas que não tinham o que vestir nem forças para seguir, me parecia maldoso dizer מלביש ערומים, agradecer a Deus por vestir os desnudos; ou הנותן ליעף כח, que dá forças ao cansado. Pior ainda era dizer: שעשה לי כל צרכי, que fez para mim tudo do que eu necessito. Eu percebia um certo cinismo nestas afirmações.

Com o tempo, no entanto, eu fui fazendo as pazes com a liturgia e percebendo que muitas das rezas no nosso sidur, especialmente aquelas que agradecem a Deus por uma situação que ainda não foi criada, é uma convocação mais do que um agradecimento. Em particular, é uma convocação para as fagulhas divinas em nós mesmos para que nos movamos e arrumemos roupas para quem não tem, remédio para quem precisa. É uma convocação para que reconheçamos que Deus busca parceiros e que todo dia, ao acordarmos, a tradição judaica nos lembra do nosso papel para construirmos o mundo justo, acolhedor, fraterno, saudável e humano no qual queremos viver.

Hoje, ao nos lembrarmos do Ievarechechá, da Benção dos Cohanim, eu quero convidar cada um de vocês a pensar o que significa ser parceiro de Deus no processo de iluminar Sua face e iluminá-la na direção de quem é sempre ignorado, lhe trazendo graça; virar a face de Deus na direção de quem é sistematicamente humilhado e oprimido e garantir que essa pessoa tenha a mais completa Paz. Essa função é Divina; essa função é nossa!

Shabat Shalom!

[1] https://www.dicionarioinformal.com.br/jabá/
[2] Num. 6:24-26
[3] Deut. 34:10


quinta-feira, 13 de maio de 2021

Emoções intensas e conflitantes

Al hadvash ve’al haokets, ‘al hamar vehamatoc; “sobre o mel e o ferrão, sobre o amargo e o doce” -- assim começa uma famosa música israelense, composta por Naomi Shemer na década de 1980. Assim como o poema de Iehudá Amichai escreveu sobre sua discordância com Kohelet [1], essas palavras refletem a realidade das nossas vidas: as alegrias e as dores normalmente vêm juntas e temos que equilibrar os sentimentos para nos mantermos sãos.

Este é um final de semana festivo na CIP. No Cabalat Shabat, teremos a alegria de dar as boas vindas à rabina Tati Schagas [2], que chega para somar e para transformar nossa comunidade. No sábado à noite, a 14ª edição do Ticún da Virada [3], a comemoração da CIP para Shavuot, tratará do tema “Eu e Nós” noite adentro, com a participação de mais de 50 intelectuais, ativistas, educadores, rabinos, chazanim, coreógrafos e artistas. Será um festival de Cultura Judaica, revivendo a experiência que nosso povo teve ao receber a Torá no Monte Sinai. Ao longo dos dias seguintes, serviços religiosos especiais de Shavuot. Tanto a chegada da rabina Tati como as comemorações de Shavuot são motivos excelentes para nos alegrarmos!

No entanto, como podemos estar completamente felizes quando Israel enfrenta um novo conflito armado, quando mísseis caem em Tel Aviv, Jerusalém e Ashquelon? Como nossa felicidade pode ser perfeita quando em nosso país, milhares de vidas ainda são perdidas para a pandemia? Com certeza, nossa alegria é temperada pela dor e pela tristeza.

A parashá desta semana, baMidbar, inicia o livro de mesmo nome. Em hebraico, baMidbar, significa “no deserto.” Foi no deserto que nos constituímos como povo, que recebemos a Torá, que nossos antepassados reclamaram incessantemente pela falta de comida e água e por nunca chegarem à Terra Prometida. Foi lá que Moshé encontrou Deus face-a-face e que o povo hebreu começou a desenvolver um relacionamento cotidiano com o “viver na presença de Deus”. Foi no deserto que uma nova geração, sem a lembrança da escravidão, nasceu e no mesmo deserto que a geração que havia sido libertada morreu sem chegar à Terra Prometida. O deserto, um lugar de amplidão e das possibilidades quase infinitas é um dos muitos lugares em que os opostos coexistem, as noites muito frias e os dias muito quentes, da calma absoluta a da tempestade insuportável, de perguntas sem fim que podem nos levar a um princípio de resposta… E foi nesse lugar de extremos e de contrastes que recebemos a Torá e que demos início à longa jornada chamada judaísmo.

A beleza da tradição judaica é que ela tem sido capaz de se transformar e continuar enchendo nossas vidas de significado no doce do mel e no amargor do ferrão, quando damos as boas vindas com esperança e quando nos despedimos com o coração pesado, em tempos de paz e durante as guerras. A grande maioria dos eventos do Ticún serão transmitidos ao vivo, mas alguns tiveram que ser pré-gravados por questões técnicas -- em um destes, a rabina Tati conversou com dois membros de kibutsim. Um deles era a rabina Lila Veissid que, comentando um verso da parashá da semana passada [4] que trata de comer os grãos armazenados para fazer espaço para a nova safra, estabeleceu uma analogia com o processo permanente de transformação dos kibutsim, no qual inovações convivem em harmonia com estruturas antigas. O mesmo, é óbvio, pode ser dito sobre o processo permanente de transformação do judaísmo como um todo, garantindo que nossa tradição continue relevante em todas as situações, não se mantendo congelada e presa a apenas um conjunto de circunstâncias. Como lembrou Iri Kassel, que também participou da conversa sobre kibutsim, em uma frase do Rav Kuk: “o velho deve se renovar e o novo deve se santificar”. Este é o processo que celebramos em Shavuot e ao qual a rabina Tati se soma.

Neste final de semana, nós comemoramos com alegria as transformações do judaísmo ao mesmo tempo em que buscamos na tradição judaica renovada ferramentas para lidar com as dores do momento. 

Shabat Shalom

terça-feira, 11 de maio de 2021

Podcast 5.8 - Episódio 18: Educação Judaica: Escolas Judaicas

(Originalmente publicado em http://5ponto8.fireside.fm/18)

Há mais de cem anos, as escolas judaicas ocupam um lugar de destaque no cenário da educação judaica no Brasil. Longe do seu apogeu em número de alunos há décadas atrás, hoje as escolas judaicas se questionam sua razão de ser: seriam escolas como todas as outras com foco na comunidade judaica ou seriam escolas únicas, nas quais a cultura judaica tem papel central? Frente a famílias cada vez mais exigentes, com demandas conflitantes entre si, e fortes pressões orçamentárias, qual o papel das escolas judaicas no Judaísmo do Futuro? Este é o tema que exploraremos neste episódio.

Nossos convidados são o Jacques Grifel, presidente do Conselho Deliberativo do Colégio Renascença e Diretor do Vaad haChinuch da Fisesp, e a Lilian Starobinas, doutora e educação e ex-professora do Colégio Oswaldo Aranha.

Dicas Culturais:

Com Rogério Cukierman e Laura Trachtenberg Hauser.
Créditos da Música de Abertura: Lechá Dodi, da liturgia tradicional de Shabat | Melodia: Craig Taubman | Clarinete: Alexandre F. Travassos | Piano: Tânia F. Travassos.
Edição: Misa Obara