domingo, 10 de abril de 2016

Pluralismo judaico na teoria e na prática

Venho participando recentemente de alguns debates sobre pluralismo judaico nos quais sinto falta de um vocabulário comum para tratarmos dos conceitos discutidos. Em 2005, o blogger americano Mah Rabu publicou uma taxonomia de pluralismo judaico que tenho usado como base para uma tipificação minha (há também uma revisão publicada dez anos depois da primeira análise). Quando era diretor de Hillel nos EUA, eu usava bastante estas categorias para discutir as formas como aplicávamos um conceito abstrato a situações concretas:

  • 1      Frummest Common Denominator (ou “denominador comum da máxima ortodoxia”): adota-se a saída mais radicalmente ortodoxa que se possa imaginar. Claro que não há prática realmente pluralista aqui mas, pelo menos em tese, todos podem participar de uma atividade construída de acordo com esta lógica. Se a cozinha for “kasher la-mehadrin”, por exemplo, ninguém pode usar o status da comida como argumento para não participar. O problema é que quando esta abordagem é utilizada de forma recorrente, deslegitima as opções judaicas fora da máxima ortodoxia e tende a criar insatisfação por parte daqueles que se sentem desprestigiados. Na prática, esta dinâmica estabelece uma hierarquia entre as restrições percebidas como "verdadeiras" da ortodoxia e as restrições percebidas como "brandas" dos grupos liberais. 
  • 2     Pluralismo da Separação (não analisado pelo Mah Rabu): acontece quando, para garantir que não haja conflito entre diferentes abordagens, separa-se diversos sub-grupos, que desenvolvem atividades em paralelo. Se uma parte do grupo acha que o Hatikva (hino de Israel) deva ser tocado todo dia ao amanhecer e outra parte acha que não, separe os dois subgrupos e adote práticas diferentes para cada um deles. Na minha visão, os dois grandes problemas deste modelo são que ele não cria uma comunidade comum e não permite o crescimento a partir do contraste de opiniões diferentes. Apenas concorda-se em discordar. Por outro lado, não há - em princípio - deslegitimação de qualquer postura.  
  • 3     Negociações de Pluralismo baseadas em “conforto” e em “identidade” (que o Mah Rabu classifica como dois modelos separados e ele provavelmente tem razão ao fazê-lo). Nestes casos, há uma negociação dentro da comunidade, com debates sobre as posições iniciais, múltiplas soluções consideradas e concessões de lado a lado. Elas variam nos termos sobre os quais os debates acontecem. A Diretora do meu Seminário Rabínico dizia que as pessoas acham que pluralismo é a solução em que todos se sentem confortáveis, mas este cenário só é possível se todo conteúdo relevante e potencialmente polêmico for removido da mesa. Ficamos então com uma solução totalmente parve, no pior sentido da palavra…. A alternativa é buscar uma solução na qual o desconforto seja compartilhado igualmente entre as partes. Este é o tipo de pluralismo que encoraja o crescimento pessoal e coletivo, mas também o mais difícil de ser praticado por que não apresenta uma solução pronta e exige que cada um realmente considere o que é central para si e do que está disposto a abrir mão.

Um estudo de caso que tive que pessoalmente mediar no Hillel foi uma cerimônia de Yom haZikaron (dia em homenagem aos soldados israelenses mortos em serviço e vítimas de ataques terroristas). Os alunos ortodoxos se opunham a que mulheres cantassem devido ao problema de Kol Ishá (um conceito seguido por alguns segmentos da ortodoxia, que proíbe homens de escutarem mulheres cantando) e pediam que eu garantisse que apenas homens cantariam. Alguns dos alunos mais envolvidos na organização da cerimônia eram mulheres, em certos casos líderes de grupos feministas no câmpus e se opunham a qualquer discriminação de gênero na distribuição de quem cantaria o que. A comunidade israelense, que passava Yom haZikaron junto com o Hillel também se negava a fazer concessões aos ortodoxos, em virtude das dinâmicas entre religião e política em Israel. E agora? Como desenvolver uma solução pluralista para este problema? Uma solução que não exigisse concessões de todos os participantes certamente não funcionaria. Como você endereçaria este problema? (use os comentários do blog para responder.)

O que é fundamental é termos consciência que pluralismo não é uma palavra mágica, que resolve todos os problemas apenas pela sua menção. Em várias situações, sua menção acaba trazendo mais problemas... No entanto, se partirmos dos pressupostos de que a opinião de todas as partes deve ser considerada na busca por uma solução, que não existem "a-priori" posições inerentemente superiores a outras, e que o custo de manutenção da comunidade (em todos os seus aspectos) deve ser repartido entre todos os participantes, temos boas chances de encontrar uma solução pluralista para a vivência comunitária em um ambiente com diversidade de opiniões.