terça-feira, 29 de setembro de 2020

Podcast 5.8 - Episódio 3: Identidade Judaica: Gerações

(originalmente publicado em https://5ponto8.fireside.fm/3)

“Recriar o judaísmo para que continue o mesmo — o grande desafio de cada geração - significa trazê-Io de volta para dentro de nós, pois somos, em nosso corpos, mentes e espíritos individuais e comunitários. A única cerca, a única muralha que o protegerá’ como coisa viva, que o levará' para onde estivermos, como parte de nosso ser. Na geração das liberdades e do pluralismo, o judaísmo não e' carga nem responsabilidade. É um valor ao qual temos direito por herança. Que nos foi preservado para que o tenhamos para nós. E do qual podemos usufruir sem sacrifícios. Então terá sentido todo sacrifício para preservá-Io. E nossas comunidades, nossas instituições, muito mais que a proteção de seus muros, serão o espaço de nossa vivência, de nosso encontro, de nossa criação judaica."

Esse é um trecho do artigo Gerações, escrito pelo nosso convidado de hoje - Paulo Geiguer - publicado primeiro no Boletim da ARI em 1986 e depois na revista Devarim em 2011

Não por acaso, esse artigo foi publicado 2 vezes, com quase 30 anos de diferença e agora é citado aqui, no nosso podcast. Pois seus questionamentos continuam precisos, incisivos, provocadores, importantes e, principalmente, atuais.

Como nos transformar, como judeus, sem perder a essência? Como ser parte da comunidade judaica sem perder nossa própria autenticidade individual? Como sermos personagens ativos que, não simplesmente são levados pelos acontecimentos, mas que constróem sua história?

Nosso convidado desta semana é Paulo Geiger, um intelectual essencial da realidade judaica. Ensaísta, tradutor de autores israelenses fundamentais como David Grossmann e Amos Oz, redator de dicionários e enciclopédias, Paulo Geiger traz sua perspectiva e sua experiência sobre o que é ser judeu hoje no Brasil.

Dicas Culturais:

Com Rogerio Cukierman e Laura Trachtenberg Hauser.
Créditos da Música: Lechá Dodi, da liturgia tradicional de Shabat | Melodia: Craig Taubman | Clarinete: Alexandre F. Travassos | Piano: Tânia F. Travassos.
Produção Executiva e Edição: Marie Naudascher

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Dvar Torá: Sonhos que realinham nossos objetivos e nossa conduta (CIP)



No ano passado, eu fui convidado para dar uma palestra pra uma faculdade de enfermagem, cujos alunos queriam entender no que acreditam seus futuros pacientes judeus e quais cuidados específicos eles precisavam ter, especialmente nos casos de falecimento. Eu cheguei em cima da hora… a faculdade ficava em uma rua agitada, eu passei uma primeira vez procurando um lugar na rua onde parar e só achei um estacionamento lotado; dei a volta no quarteirão e, aí, encontrei um estacionamento recém-inaugurado que, desconhecido da maioria das pessoas, ainda estava a meia-lotação. O estacionamento tinha uma viela que levava a um bolsão de estacionamento. Orientado pelo sujeito que tomava conta, eu deixei meu carro na viela para poder sair mais facilmente e fui dar a minha palestra. 

Uma hora e meia mais tarde, eu saí da faculdade correndo, preocupado que o estacionamento fosse fechar. Que nada… o estacionamento estava cheio a 120% da capacidade. A viela em que eu tinha parado meu carro estava absolutamente tomada e não havia como tirar meu carro sem que todos os outros carros também saíssem.  Saí na rua e fiquei esperando com as outras pessoas que estavam alí. Descobri que a multidão que tinha chegado depois de mim era de fiéis de uma igreja evangélica que ficava na rua. As outras pessoas que esperavam comigo também tinham ido a um culto evangélico, um que tinha começado uma hora mais cedo e, por isso, tinha também terminado antes. Acabei conversando com eles. Descobri que o culto ao qual eles tinham ido dura, como regra, duas horas e que no seu centro há uma hora de pregação do pastor. Contei pra eles que se um rabino falar por uma hora sem parar, ele seria demitido durante o próprio shabat.

A grande exceção a essa regra foi Moshé rabeinu. O livro de D’varim, que estamos quase terminando, tem 11 parashiot que são basicamente três imensas prédicas de Moshé, relembrando dos episódios dos 40 anos anteriores vagando pelo deserto e preparando o povo para entrar na Terra de Israel. Nesta semana, a parashá é o início da terceira dessas prédicas, que começa com um poema encorajando o povo a corrigir seus caminhos, olhar para o passado consultando as gerações mais velhas e abandonar as práticas de idolatria a falsos deuses que eles adotaram ao longo dos anos [1]. 

Neste Shabat Shuvá em que a questão da t'shuvá, do retorno, está até no seu nome, há elementos demais nessa história para que deixemos passar batido. Depois de 400 anos em Mitsrayim, na terra das Águas Estreitas, o povo está retornando à Terra de Israel, quase chegando ao seu destino. Moshé encoraja que este retorno vá além da sua dimensão física e que o povo avalie também sua trajetória, as situações em que tinham adotado soluções fáceis e a se rendido à tentação de falsos deuses que ofereciam relações transacionais esporádicas ao invés de um pacto e do comprometimento mútuo que ele exigia. 

Em um verso no começo da parashá, Deus diz “זְכֹר יְמוֹת עוֹלָם בִּינוּ שְׁנוֹת דּוֹר־וָדוֹר”, “se lembre dos dias do mundo, considere os anos de geração em geração.” [2]  Shmuel Bornstein, um rabíno chassídico polonês do final do século 19, propôs que a palavra para anos, שנות, deveria ser lida como שינויים, mudanças [3]: “se lembre dos dias do mundo, considere as mudanças de geração em geração.” [4]

Para além da crise da Covid-19, nossas gerações vêm vivendo ritmos de mudanças que a maioria das gerações que nos precederam não chegaram nem perto. Pense nas mudanças sociais, tecnológicas e de valores dos últimos 150 anos. Pense em como o papel da mulher mudou, a integração dos judeus na sociedade foi radicalmente transformada, pense que o computador pessoal é um desenvolvimento dos últimos 50 anos, o smart-phone existe há menos de 15 anos. As tecnologias de vídeo-conferência, da qual passamos a depender nos últimos seis meses, estavam engatinhando no começo do século 21 e até poucos anos, funcionavam bastante mal ou eram muito caras. 

Quando mudamos, assumimos riscos — algumas vezes, acertamos em cheio; em outras, erramos feio. Em nossa época de mudanças intensas e frequentes, maiores são as chances de acharmos que a manipulação genética ou as novas técnicas da medicina moderna nos tornam semi-deuses; que a idolatria ao poder e ao dinheiro nos trará a felicidade com que sempre sonhamos; que nossa ascensão ao grupo social que almejávamos nos permite esquecer daqueles que eram nossos colegas quando éramos oprimidos. Neste ano, a velocidade das mudanças se acelerou ainda mais — e nosso processo de t'shuvá, que envolve, como diz nossa parashá, “se lembrar dos dias do mundo e considerar as mudanças de geração em geração,” é ainda mais necessário.

Mas eu quero focar em uma parte do processo de cheshbon hanefesh, a contabilidade da alma, e de t’shuvá sobre o qual falamos muito menos. Está também na nossa parashá: “לוּ חָכְמוּ יַשְׂכִּילוּ זֹאת יָבִינוּ לְאַחֲרִיתָם”, “se eles fossem sábios, considerariam isso, compreenderiam seu futuro.” [5] T’shuvá, retornar à melhor versão de nós mesmos implica, paradoxalmente, em pensar quem queremos ser, em vislumbrarmos qual será nosso futuro.

Ter um sonho nos permite saber pra onde caminhar mesmo que não consigamos chegar até o destino, teremos avançado durante a jornada. Em Pirkei Avot isto foi formulado da seguinte forma: “לֹא עָלֶיךָ הַמְּלָאכָה לִגְמֹר, וְלֹא אַתָּה בֶן חוֹרִין לִבָּטֵל מִמֶּנָּה”, “você não é obrigado a terminar a tarefa, mas também não tem liberdade para abandoná-la.” [6] Ao final da parashá, Deus instrui Moshé a subir no Monte Nevô, de onde ele poderia ver a Terra de Israel, mas nunca poderia entrar nela. Moshé liderou o povo para o sonho de conquistarem autonomia na terra que Deus tinha prometido aos seus patriarcas, mesmo sabendo que ele não faria parte desta conquista. O sonho, sabermos onde queremos chegar ou para onde retornar, é uma parte fundamental do processo de t’shuvá. A importância de ter um sonho que guie nossa conduta é expressa também pelo gato maluco de Alice no País das Maravilhas, que disse: “Se você não sabe aonde quer ir, não importa que caminho você tome.”

A cena de Moshé no alto da montanha vendo um sonho que ele nunca alcançaria em vida sempre me lembra uma outra cena famosa: Martin Luther King Jr. e seu famoso discurso: “I have a Dream”, “Eu tenho um sonho”, proferido ao final da Marcha sobre Washington em 1963. Nele, King detalhou seu sonho de uma nação mais justa: 

“Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado da sua crença: ‘Consideramos que essas verdades são evidentes por si mesmas, de que todos os homens são criados iguais.’ Eu tenho um sonho que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos de ex-escravos e os filhos de ex-proprietários de escravos poderão sentar-se juntos à mesa da fraternidade. Eu tenho um sonho que um dia até mesmo o estado do Mississippi, um estado sufocante com o calor da opressão, será transformado em um oásis de liberdade e justiça. Eu tenho um sonho que meus quatro filhos pequenos um dia viverão em uma nação onde não serão julgados pela cor de sua pele, mas pelo seu caráter.” [7] Assassinado em 1968, Martin Luther King, assim como Moshé ,morreu antes de ver seu sonho se realizar.

Apesar de todas as mudanças, das video-conferências, dos smartphones e dos video-games, muitos dos nossos sonhos continuam inalcançados. Quase que como uma continuação da minha prédica de Rosh haShaná, na qual eu falei de alguns dos erros que estamos cometendo, eu quero formular aqui com vocês alguns dos meus sonhos — não porque eu ache que eles sejam universais e que vocês têm os mesmos sonhos que eu, mas como um exemplo de como podemos buscar esclarecer aonde gostaríamos de chegar para podemos traçar a melhor rota que nos levará até lá.

Este é o meu sonho:

Eu sonho com um mundo no qual a dignidade de toda pessoa, criada à imagem Divina, seja respeitada apesar das tentações de uma conduta diferente;

Eu sonho com um mundo no qual as oportunidades de cada pessoa não sejam determinadas pela família em que ela nasceu, pela cor da sua pele, por sua opinião política, por sua religião ou pelo seu órgão genital;

Eu sonho com um mundo no qual divergências levem ao crescimento, no qual o debate de ideias não se transforme em ataques pessoais;

Eu sonho com um mundo em que cada pessoa consiga investigar seus próprios privilégios e abrir mão deles, ainda que sempre seja difícil abrir mão de algo com o qual nos acostumamos ou que julgamos ser nosso por direito;

Eu sonho com um mundo em que os valores falem mais alto do que a forma como sempre fizemos as coisas, em que estejamos abertos a questionar nossas tradições e a criar algumas novas, sempre que a tradição estiver em oposição aos nossos valores;

Eu sonho com um mundo em que o Judaísmo sempre esteja ao lado dos oprimidos e dos vulneráveis e que ele consiga flexibilizar suas regras sempre que necessário para estar ao lado da viúva, do órfão e do estrangeiro.

Estes são os meus sonhos. Eu não tenho certeza que eu vou conseguir atingir algum deles na minha vida, mas se meus filhos chegarem perto, eu já me dou por satisfeito. Com a sinceridade, a verdade é que tem alguns dos quais eu me afastei em 5780. No meu processo pessoal de t’shuvá, reconhecer essas áreas e endereçá-las é parte essencial do processo de voltar a ser a melhor versão de mim mesmo. 

E você? Qual são os teus sonhos e como você tá na busca deles?

Shabat Shalom e Chatimá Tová! 


[1] Deut. 32:15b-18
[2] Deut. 32:7 
[3] https://www.myjewishlearning.com/article/the-times-are-a-changing/
[4] Deut. 32:7a
[5] Deut. 32:29
[6] Pirkei Avot 2:16
[7] https://kr.usembassy.gov/education-culture/infopedia-usa/living-documents-american-history-democracy/martin-luther-king-jr-dream-speech-1963/



domingo, 20 de setembro de 2020

Dvar Torá: Um convite para construirmos juntos o novo anormal (CIP)


Há alguns anos, estava na moda falar no efeito borboleta, parte da teoria do caos que dizia que o bater de asas de uma borboleta no Japão poderia explicar a formação de um tornado nos Estados Unidos. A ideia era que pequenas mudanças nas condições iniciais de um sistema pudessem explicar grandes diferenças nos resultados finais [1].

Em 5780, nós vivemos nossa própria versão do efeito borboleta. Um vírus que começou a se espalhar em uma cidade na China da qual a maioria de nós nunca tinha ouvido falar gerou impactos no mundo todo. Gente que nunca foi pra China, gente que nunca saiu da sua cidade no interior da África ou da sua tribo indígena no meio do Brasil foi impactada pela pandemia de Covid-19. Há muitas décadas, o discurso ambientalista tem destacado que nossos destinos pessoais estão intrinsicamente conectados com o  destino do resto do planeta e que políticas de proteção da natureza têm que ser pensadas em escala global porque a consequência de não fazer nada também é global.  A crise do Corona Vírus parece ter fortalecido o argumento de que não apenas em questão do meio-ambiente, mas também em questões de saúde pública, estamos todos no mesmo barco, não é possível encontrar soluções que salvem só alguns enquanto o resto da humanidade continua vulnerável.

Daqui a alguns minutos, nós vamos cantar o Aleinu de Malchuiot, aquela versão do Aleinu na qual fazemos a prostração total até que nossas testas toquem o chão. Apesar de atualmente encerrar os três serviços diários: shacharit, minchá e arvit, a origem do Aleinu está na liturgia de Rosh haShaná. Há tradições que atribuem sua redação a Iehoshua, o sucessor de Moshé, ainda na época da conquista da Terra de Israel, e normalmente é entendido que Rav, um sábio da época do Talmud, estabeleceu que o poema deveria ser lido antes da seção de Malchuiot em Rosh haShaná. Foi só muitos séculos depois, que o Aleinu se estabeleceu como parte da liturgia diária [2].

Eu confesso que, assim como muitos outros judeus liberais, eu tenho sérios problemas com as primeiras frases do Aleinu. Em sua tradução literal elas dizem: “Nós devemos louvar o Senhor de tudo e expressar a grandeza ao Criador do universo, que não nos fez como as nações das terras e não nos colocou como as famílias do solo, que não fez nossa parte como as deles, nem nosso destino como o de todos eles”. Muitas são as comunidades liberais que mudaram estas linhas nos seus sidurim; outras, como a CIP, mantiveram o original em hebraico mas suavizaram a tradução — vocês podem checar na página 150 do Machzor de Rosh haShaná. 

Há alguns bons anos, eu protestei junto a um professor querido, perguntando por que mantínhamos estas linhas nas nossas rezas diárias. Sua resposta foi que nenhum judeu liberal acredita neste texto e que só o mantemos para honrar a tradição. O problema, na minha opinião, é que ao repetirmos estas palavras três vezes ao dia, corremos o risco de acabar acreditando no que elas dizem. Podemos achar que é possível um futuro no qual o nosso destino não esteja totalmente conectado com o que acontecer com os outros doze milhões de habitantes da cidade de São Paulo ou até mesmo com os outros 7 bilhões de seres humanos com quem compartilhamos o planeta.

Em uma das passagens mais complicadas da Torá, que lemos ontem de manhã, depois que seu filho Itschak nasceu, Sará pediu a Avraham que expulsasse Hagar e seu filho, Ishmael, que também era filho de Avraham e assim ele o fez. O motivo alegado era para que “o filho desta escrava não receba a herança junto com meu filho, com Itschak” [3]. Que ilusão da nossa primeira matriarca! Apesar da expulsão, os descendentes de Itschak e de Ishmael continuamos disputando esta herança até hoje….não só do ponto de vista concreto, com cada lado argumentando que tem a mais sólida justificativa religiosa para possuir a terra de Israel, mas também no nível da narrativa: o quase sacrifício de Itschak, que tradicionalmente lemos no segunda dia de Rosh haShaná e sobre a qual conversaremos daqui a pouco, também faz parte da tradição muçulmana, só que lá o filho querido que Deus pede a Avraham para sacrificar é Ishmael [4]. 

As correntes de água e as massas de ar são apenas parte da entropia natural do universo, que faz com que soluções que separem o “nosso” destino do “deles” nunca funcionem.

Neste Dia do Julgamento, um dia em que a prática de tshuvá, o reconhecimento dos nossos erros tem papel central, é importante reconhecermos como permitimos que a mentalidade do Aleinu  determinasse muitas das nossas ações no ano que está terminando: deixamos de ir aos supermercados e aos restaurantes para nos proteger da Covid, enquanto ciclistas e motociclistas dos aplicativos, muitas vezes sem dinheiro para fazer nenhuma refeição nos longos dias que passavam entregando comida para os outros, se expunham aos riscos de contaminação, sem qualquer direito trabalhista [5]. Nos orgulhamos das altas taxas de sucesso dos nossos hospitais para recuperação de pacientes com Covid enquanto os hospitais da periferia, aqueles que tratam nossos co-cidadãos que continuaram se expondo no transporte público e trabalhando nos supermercados, nos açougues, nas farmácias, nas empresas de entrega, tinham pacientes morrendo em taxas absolutamente alarmantes, algumas vezes acima de 90% [6]. Buscamos refúgio em condomínios no interior e no litoral [7] [8], ao mesmo tempo em que boa parte da cidade continuava apertada em seus espaços na periferia ou, ainda pior, jogada nas ruas sem proteção alguma.

Frente a uma realidade que unia todos os destinos, continuamos achando que Deus “לֹא שָׂם חֶלְקֵנוּ כָּהֶם, וגוֹרָלֵנוּ כְּכָל-הֲמוֹנָם” “não fez nossa parte como as deles, nem nosso destino como o de todos eles” e operando dentro desta visão de mundo. Da bondade dos nossos corações, é bem verdade, desenvolvemos inúmeras ações de ajuda, mas foram poucas as que realmente vieram do lugar da Tsedacá, o conceito judaico de justiça social, que entende que o nosso compromisso com o bem-estar do próximo não deve depender da nossa generosidade, mas de uma obrigação permanente para com a construção de uma sociedade justa — que se manifesta tanto no desenvolvimento de ações emergenciais, quanto na luta pela transformação das estruturas que permitiram tanta desigualdade e injustiça.

Agora, temos que imaginar o mundo daqui pra frente e a expressão “novo-normal” me assusta. Nos acostumamos com situações inóspitas quando elas se repetem e se transformam em rotineiras. É um mecanismo de defesa importante, que permite, por exemplo, que saiamos de casa em São Paulo ou no Rio de Janeiro, apesar dos altos números de violência urbana — mas este mesmo mecanismo de defesa pode nos levar a enxergar o inaceitável como normal.

Passamos a aceitar um ritmo mensal de mais de 20.000 vidas perdidas no Brasil para a Covid-19 como se fosse normal; nos acostumamos a aceitar o Pantanal e a Amazônia queimando, cada ano a ritmo recorde, como se fosse normal; nos acostumamos a aceitar famílias inteiras vivendo nas calçadas das nossas ruas como se fosse normal; nos acostumamos a aceitar pacientes morrendo nos corredores dos hospitais públicos da cidade mais rica do Brasil como se fosse normal. 

A verdade é que eu não quero voltar pra esse normal. Eu quero te convidar a imaginar como podemos sair deste estado de coisas e sonhar com a transformação da nossa cidade, da nossa sociedade, do nosso sentido de responsabilidade mútua uns com os outros. Como Avraham, o hebreu contestador sobre quem o rabino Michel falou na 6a feira, eu quero ter a coragem de estar na outra margem, de imaginar como poderia ser e não só descrever como é.

À mentalidade das primeiras linhas do Aleinu, à ideia de que nós temos direito a um destino diferenciado, se opõe a perspectiva da criação de um único ser humano, masculino e feminino, criado à imagem Divina, que comemoramos em Rosh haShaná. De acordo com a Mishná, Deus fez que toda a humanidade descendesse de uma única pessoa para que um não pudesse dizer ao outro “meu pai é maior que o teu” [9]. Estamos juntos nesse bote salva-vidas e somos todos necessários para manter seu equilíbrio. Não há sobrevivência que não envolva cuidarmos uns dos outros.

Deus, a energia viva que corre em todos nós, que hoje estabelece este tribunal em que apresentamos nossas histórias e pedimos a inscrição no Livro da Vida, nos urge a considerar nossa responsabilidade em sermos guardiões de todos os nossos irmãos.  Não sejamos como Cain, o primeiro assassino da Torá, que perguntou a Deus, de forma desafiadora “?הֲשומֵר אָחִי אָנוכִי ”, “E eu sou o guardião do meu irmão?!” [10] Que em 5781 possamos todos responder com um sonoro “Somos!”

Shaná Tová!


[1] https://en.wikipedia.org/wiki/Butterfly_effect
[2] https://en.wikipedia.org/wiki/Aleinu
[3] Gen 21:9-14
[4] https://en.wikipedia.org/wiki/Binding_of_Isaac#Muslim_views
[5] https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/06/21/entregadores-se-unem-por-melhores-condicoes-de-trabalho-nos-aplicativos-entrego-comida-com-fome-diz-ciclista.ghtml
[6] https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/08/em-uti-de-hospital-da-zona-leste-de-sp-maioria-nao-sobrevive-a-covid.shtml
[7] https://www1.folha.uol.com.br/sobretudo/morar/2020/09/paulistanos-trocam-capital-pelo-interior-e-aquecem-mercado-de-casas-no-campo.shtml
[8] https://brasil.elpais.com/internacional/2020-08-03/bilionarios-se-preparam-para-o-fim-da-civilizacao.html
[9] Mishná Sanhedrin 4:5 
[10] Gen 4:9



terça-feira, 15 de setembro de 2020

Podcast 5.8 - Episódio 2: Identidade Judaica: qual o seu ponto de partida?

(originalmente publicado em https://5ponto8.fireside.fm/2)

Se concebemos uma só forma de identidade judaica, fica complicado dar espaço a experiências diferentes como cada um de nós tem. Daí a complexidade de pensar em um futuro para o judaísmo e um único judaísmo do futuro. Talvez tenhamos que pensar em vários.

Por isso chamamos dois convidados especiais hoje, com passados e atuações no mundo completamente diferentes. Suas relações com o judaísmo, portanto, também variam bastante. Para discutir com a gente toda a multiplicidade sobre "o que é ser judeu", temos Tatiana Groff e Guilherme Ary Plonski.

Tatiana Groff é produtora cultural com ênfase na área audiovisual. Trabalha no Instituto Cultural da Dinamarca onde, entre outras funções, é a curadora do festival Ponte Nórdica, que reúne produções dos países nórdicos desde 2016.

Ary Plonski é professor da USP, onde também é o Diretor do Instituto de Estudos Avançados e onde foi o Diretor do IPT.

Dicas Culturais

Referências ao longo do episódio:

  • Professor Vilém Flusser: Professor checo que lecionou na USP na década de 1960. 
  • O midrash sobre Avraham e a origem da palavra “ivri”, “hebreu”: Bereshit Rabá 42:8
  • A Bolha, filme israelense de 2006, que retrata a cena LGBT em Tel Aviv.
  • Pecado da Carne, filme de 2009 sobre a homosexualidade no mundo ultra-ortodoxo.
  • Disobedience, uma mulher ortodoxa retorna à sua comunidade anós após seu afastamento devido à sua atração por uma amiga.
  • Out in the Dark, filme de 2012, trata da relação de um advogado israelense e um estudante palestino.

Com Rogerio Cukierman e Laura Trachtenberg Hauser.
Créditos da Música: Clarinete: Alexandre F. Travassos / Piano: Tânia F. Travassos.
Produção Executiva e Edição: Marie Naudascher

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Dvar Torá: É difícil e maravilhoso ser judeu (CIP)

Eu estou há alguns meses envolvido em um projeto concebido pelo presidente da CIP, o Mario Fleck, chamado 5.8. O primeiro braço do projeto a virar realidade foi um podcast, também chamado 5.8, que eu tenho a honra de comandar junto com a Laura Trachtenberg Houser [1] — quando terminar o shabat, vai lá no teu tocador favorito de podcasts, que pode também ser o Spotify e procura 5.8 e você vai nos encontrar e vai poder escutar os episódios publicados a cada duas semanas, sempre às 3as feiras. Por enquanto, tem só um episódio publicado, mas na próxima 3a feira, dia 15/09, segundo episódio vai ao ar. E o melhor é que você pode escutar quando quiser, e até escutar os episódios anteriores…

A partir do segundo episódio, a gente vai começar uma série pra explorar o que quer dizer ser judeu e vamos conversar com gente normal, como você e como eu, e também com alguns intelectuais e especialistas. 

Ser judeu nem é sempre fácil. O judaísmo tem a mania irritante de exigir que nossas ações e as nossas palavras estejam alinhadas, que sejamos coerentes com os valores que dizemos ter. Se o texto diz, como a nossa parashá diz, “escolha a vida” [2] e a gente afirma levar o texto a sério, a gente não pode reunir centenas de pessoas pra passarem juntos as rezas de Rosh haShaná e Iom Kipur. Se o texto diz, como a nossa parashá diz, que o pacto entre o povo judeu e Deus não foi firmado somente com a geração de Moshé, mas também com todas as gerações posteriores [3] e, como a nossa parashá também diz, que a tradição judaica não está distante nem nos céus, mas que está próxima e que devemos agir de acordo com seus valores [4], e a gente afirma que este é um texto sagrado e verdadeiro, a gente não pode tratar a cultura judaica como se fosse algo que tenha ficado congelado no passado ou que não tenha relacionamento com as nossas ações.

Ser judeu é difícil e estabelece expectativas com relação ao nosso comportamento. Expectativas que têm basicamente a ver com a forma como tratamos uns aos outros, como protegemos os vulneráveis, como defendemos o planeta. Como dizia o rabino e filósofo Abraham Joshua Heschel “Você não pode adorar a Deus e então olhar para um ser humano, criado por Deus à Sua imagem, como se esse ser humano fosse um animal.”

De algum jeito, ser judeu e viver com a expectativa de que nos comportemos como gente no lugar em que a humanidade estiver em falta [5] é mais ou menos como tentar escrever uma redação com um pai olhando a tela do computador por cima do seu ombro e você com medo de que ele vai apontar todos os erros gramaticais do teu texto…. é viver com medo de errar, sabendo que o erro é praticamente inevitável. Na parashá desta semana, Deus já avisa Moshé que o povo vai fazer besteira e vai andar por caminhos errados e até pede pra Moshé colocar um poema na Torá que sirva de lembrete pra quando esse momento chegar [6].

O final do ano judaico vai chegando, o processo de cheshbon nefesh, de avaliação verdadeira de quem realmente fomos em 5780 vai tomando corpo, e o medo desse encontro com Deus, com nós mesmos, vai crescendo dentro da gente. Se a gente realmente leva a tradição a sério, Rosh haShaná, que começa exatamente daqui a uma semana, tem que ser mais do que a festa da maçã com mel, da cabeça de peixe e do toque do shofar. Rosh haShaná é o dia de visitarmos as partes de nós mesmos, das nossas vidas e das nossas condutas, que não revelamos para mais ninguém, muitas vezes nem para nós mesmos… é o dia de encararmos pra onde estamos indo e nos perguntarmos se essa é mesmo a direção correta.

O mágico do judaísmo é que, junto com esse monte de expectativas, com a certeza de que nós vamos fazer besteira e vamos andar por caminhos errados, e vamos esquecer das lições da tradição, tem um otimismo infinito que aponta pra possibilidade de redenção, de re-invenção de quem nós somos, de t’shuvá, de retorno à melhor versão de nós mesmos, à possibilidade de atingirmos um sonho do qual já tínhamos esquecido, de escolhermos a vida frente a um cenário de caos, morte e destruição. Na parashá, em seu discurso aos israelitas, em apenas 10 versos, Moshé usa 8 vezes variações verbais de lashuv, retornar, da mesma raiz de t’shuvá [7]. 

Essa reta final antes de Rosh haShaná é nossa chance de aproveitarmos esse otimismo judaico, de retornarmos, de derrubarmos de verdade as nossas defesas e nos permitirmos fazer as perguntas que temos evitado, as perguntas que podem nos levar a mudar de opinião, a mudar de conduta, a mudar a nós mesmos. Dá medo, é algo pra qual a gente não se sente preparado, mas quando a gente tem coragem e pula nesse rio, é absolutamente libertador!

Que a chegada de 5781 permita que cada um de vocês se encontre e se transforme e se liberte e que seja o começo de um ano cheio de alegrias, de realizações e, principalmente, de saúde e de vida. 

Shabat Shalom e Shaná Tová!


[1]  http://5ponto8.fireside.fm
[2]  Deut. 30:19b
[3]  Deut. 29:13
[4]  Deut. 30:11-14
[5]  Pirkei Avot 2:5
[6]  Deut. 31:16-22
[7]  Deut. 30:1, 2, 3 (3x), 8, 9, 10


Quando a escolha pela vida é mais do que uma frase bonita

“Escolham a vida, para que você viva junto com a sua descendência” [1]. Poucas vezes um verso da Torá foi tão relevante para experiência de toda a humanidade. Há praticamente seis meses, temos adotado práticas de distanciamento social, limitado nossas interações físicas com as pessoas mais próximas; nos acostumado a conduzir aulas, reuniões e serviços religiosos pela tela do computador, com todos os desafios envolvidos. A verdade é que ninguém aguenta mais! Ansiamos pela volta do contato humano, pela possibilidade de darmos abraços apertados em nossos amigos, de sairmos para beber uma cerveja sem medo ou de ir tomar um sorvete na esquina sem receio de quem mais estará na fila.

Nessa época do ano judaico, esses anseios se tornam ainda mais intensos. Na próxima sexta-feira à noite, comemoraremos Rosh haShaná, o Ano Novo Judaico. Em geral, além das rezas e do toque do shofar que nos ajudam a aprofundar o processo de reflexão e introspecção, as Grandes Festas são também oportunidades para vermos amigos com quem não estamos sempre em contato, de nos sentirmos parte de uma grande comunidade. Neste ano, as coisas serão muito diferentes: não teremos o toque do shofar no primeiro dia de Rosh haShaná (que cai no Shabat) e os serviços serão a distância, vivenciados pela tela do celular, do computador ou da televisão. Grandes e significativas mudanças para as quais muitos de nós não estávamos prontos. Em um ano de tantas situações inusitadas com as quais nunca imaginamos, torcíamos para que as Grandes Festas nos trouxessem um pouco do conforto dos espaços conhecidos -- e é com frustração que nos demos conta de que não seria assim. 

Poucas linhas antes da frase com que abri este comentário, encontramos este outro verso da nossa parashá: “certamente, esta instrução que eu te ordeno hoje não está além da tua capacidade ou distante. Ela não está no céu, que você pudesse dizer ‘quem vai subir lá no céu e buscá-la para que a escutemos e sigamos?’” [2] O judaísmo se destaca pela forma como valoriza a ação; seu objetivo não é que apenas filosofemos sobre seus ensinamentos, mas que exerçamos na prática seus valores nas nossas decisões cotidianas. De que valeria falarmos nas nossas prédicas sobre a importância de escolhermos a vida ao mesmo tempo em que arriscássemos nossa comunidade, reunindo centenas de pessoas em um mesmo espaço enquanto a pandemia ainda não está controlada? A incoerência entre nossa fala e nossa conduta seria óbvia e negaria tudo que sempre ensinamos. Acreditamos de fato na importância de valorizarmos e escolhermos a vida e que nossas ações devem refletir esta crença.

Por tudo isso, e apesar de também já estarmos cansados do distanciamento físico e saudosos de cada membro da nossa comunidade, de querermos repetir a prática de anos anteriores e nos despedirmos calorosamente de cada um de vocês na saída dos serviços religiosos, decidimos que os serviços seriam apenas a distância. Ao longo dos últimos meses, nos dedicamos para repensar a liturgia que utilizaremos, o formato de cada um dos serviços, a linguagem mais adequada para rezas mediadas pelas telas, tudo pensado para que cada um de nós consiga atingir a mesma espiritualidade que conseguia nos serviços presenciais. 

A tradição judaica nos ensina a reviver nossos momentos históricos, apesar do tempo e da distância. Em Pêssach, não apenas nos lembramos da saída de Mitsrayim, mas saímos dos nossos lugares estreitos junto com nossos antepassados; em Shavuot, voltamos a receber a Torá todo ano, juntamente com Moshé. Neste ano, também em Rosh haShaná e em Iom Kipur venceremos o tempo e a distância e verdadeiramente nos veremos frente ao Dia do Julgamento e da Expiação, analisaremos nosso ano com Deus e refletiremos sobre nossos sucessos e nossas falhas, onde estamos orgulhosos de 5780 e quais aspectos preferíamos que nunca tivessem acontecido. 

Em uma terceira passagem da parashá desta semana, Deus anuncia que o pacto contido na Torá foi firmado com todo o povo, tanto com quem estava presente quanto com quem não estava lá [3]. Com responsabilidade e escolhendo a vida, este será o nosso desafio este ano: estarmos todos conectados, todos presentes, todos nos sentindo parte do mesmo pacto, ainda que estejamos cada um nas nossas casas.

Se você ainda não fez sua inscrição para Rosh haShaná e Iom Kipur com a CIP, corra e faz agora! O link é https://cip.org.br/grandesfestas/

Shabat Shalom!

[1] Deut. 30:19b
[2] Deut 30:11-12
[3] Deut. 29:9-14

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Podcast 5.8 - Episódio 1: Por que perguntar?


(originalmente publicado em https://5ponto8.fireside.fm/1)

Em uma das passagens mais surpreendentes de todo o Tanach, a Bíblia Hebraica, o patriarca Avraham, que tinha abandonado sua terra natal para seguir um Deus que ele nunca tinha visto, não consegue esconder seu inconformismo com esse mesmo Deus, que lhe conta que pretende destruir as cidades de Sodoma e Gomorra, onde imperava o mal. “O Juiz de toda a terra não julgará com justiça?!” inquiriu Avraham, um desafio retórico em forma de pergunta que convenceu Deus a estabelecer condições para a salvação das cidades. Várias lendas que a tradição judaica conta sobre Avraham, os chamados midrashim, relatam como ele era um iconoclasta, que revirava cada pedra e não aceitava respostas prontas, que se tornou o primeiro monoteísta questionando as crenças religiosas de seu pai e que se orgulhava de não se obrigar a estar do mesmo lado da questão que a maioria. 

É possível que o exemplo de Avraham tenha fortemente influenciado a paixão do povo judeu por perguntas. Uma paixão que se manifesta especialmente por perguntas difíceis, as chamadas “kushiot” em hebraico ou “kashes” em ídiche, que nos fazem reconsiderar nossas premissas e abordar o assunto por uma nova perspectiva. Alguns milênios depois, o povo judeu continuou esse processo de valorização das perguntas, como diz um ditado em ídiche “para toda resposta você pode encontrar uma nova pergunta”; um processo infinito no qual a busca vale mais do que encontrar a resposta perfeita. 

De um tempo pra cá, no entanto, parece que a comunidade judaica foi perdendo essa paixão. Deixamos de fazer as perguntas difíceis, talvez com medo de onde a busca nos levaria. Continuamos falando sobre a tradição judaica do debate registrada nas páginas do Talmud, a obra central do judaísmo rabínico, mas deixamos de ler o Talmud como ferramenta que nos encoraje ao debate sincero, às perguntas corajosas, até mesmo sobre a nossa tradição religiosa, sobre as nossas práticas ou sobre a nossa relação com o mundo. Pelo contrário, muitas vezes as instituições judaicas, incluindo as escolas judaicas, agiram para silenciar as vozes dissidentes, para garantir que só escutássemos as respostas oficiais.

Perguntas difíceis passaram a receber respostas enlatadas, abordagens chapa-branca que expressam desdém pela pergunta e não reconhecem a legitimidade da dúvida. Continuamos falando sobre o judaísmo como uma religião sem dogmas, mas passamos a considerar alguns assuntos como intocáveis, verdadeiros bezerros de ouro tratados como semi-deuses, em clara oposição às muitas proibições judaicas contra a idolatria.

Como saímos deste estado de coisas? Como voltamos a valorizar as perguntas e honrar as experiências que lhes dão origem? Este é o assunto deste episódio do 5.8 e, de alguma forma, de todo o projeto.

Para saber mais:

Dicas Culturais:

Com Rogerio Cukierman e Laura Trachtenberg Hauser.
Créditos da Música: Clarinete: Alexandre F. Travassos / Piano: Tânia F. Travassos.
Produção Executiva e Edição: Marie Naudascher
Divulgação: Melina Sternberg e Depto. de Comunicação da CIP
Realização: Congregação Israelita Paulista