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sábado, 14 de outubro de 2023

Dvar Torá: Mantendo nossa humanidade e a deles mesmo em situação de Guerra (CIP)

[nota: Essa é a prédica mais difícil que eu já escrevi e eu peço a vocês um pouco de generosidade na reação. Todos vivemos uma semana terrível e estamos tentando fazer sentido em uma realidade absolutamente caótica. Muita gente vai discordar do que eu tenho a dizer — com sorte, alguns concordem também e possamos refletir, crescer e amadurecer juntos. Se você quiser fazer parte dessa conversa, use os comentários do blog. Comentários ofensivos, antissemitas, islamofóbicos, etc. serão removidos.]


Eu lembro exatamente onde eu estava. Tinha ido abrir uma conta no Itaú mas tinha faltado algum documento e não tinha podido abri-la. Dirigia do Brooklin, onde trabalhava e ficava a agência, até o meu apartamento em Perdizes. Liguei o rádio e falavam de um acidente terrível, no qual um avião tinha se chocado com uma das Torres Gêmeas em Nova York. Todos estavam assustados mas tratavam o assunto como uma acidente. Ainda enquanto eu dirigia, um segundo avião se chocou com a outra torre. Aí tinha ficado claro que não era acidente nenhum. Os Estados Unidos estavam sob ataque e o mundo nunca mais seria o mesmo depois daquele dia. Estar no olho do furacão da história, muitas vezes te deixa absolutamente atordoado. Cheguei em casa, liguei a TV e entrei em desespero ao assistir ao vivo e a cores a transformação do nosso mundo. Tem momentos da vida que nunca vamos esquecer…

Este último sábado teve um sentimento muito parecido. Acordei para fazer o serviço de Sh'mini Atséret, como tenho feito nos último anos. Minha prima Silvinha faleceu em Sh'mini Atséret em 2019 e, desde então, fazer este serviço é minha forma de homenageá-la. Ao acordar e olhar o celular, já tinha uma série de mensagens falando de ataques sincronizados do Hamás contra Israel por terra, ar e mar. Apesar de ser shabat, sintonizei em uma rádio israelense para escutar o que estava acontecendo e, mesmo cedo de manhã, já se falava em comunidades inteiras mantidas reféns. Pessoas estavam ligando para programas de TV e de rádio ao vivo de dentro dos quartos seguros de suas casas e contando que terroristas estavam do outro lado de suas portas reforçadas. O quadro era caótico, sabíamos que havia a chance de um imenso desastre humano, mas sua dimensão real ainda não era conhecida.

Conforme as horas foram passando, fomos escutando relatos horrendos cujos detalhes não vou repetir. Todos nós passamos a semana lendo e escutando sobre os terríveis atos perpetrados pelos terroristas, cenas inimagináveis, de uma violência e sadismo indescritíveis. Muitos de nós temos familiares e amigos ou familiares de amigos assassinados pelo terror nestas primeiras horas, mas imagino que todos nos sentimos como se as mais de 1.200 vítimas fizessem parte da nossa família expandida e nos esforçamos para aprender mais sobre as suas histórias… 

  • Debora Matias era filha de Ilan Troen, um acadêmico dos estudos sobre Israel na Universidade de Brandeis que eu conheci quando morava nos Estados Unidos. Debora e seu marido, Shlomi, se jogaram sobre o corpo de seu filho, Roten, de 16 anos, e foram ambos mortos. Pelo esforço de seus pais, Roten, apesar de ferido, sobreviveu. [1]
  • Vivian Silver era uma militante pelos Direitos Humanos. Ela serviu por muitos anos no Conselho de B’Tselem, a principal organização em defesa dos Direitos Humanos de Israel. Ela fazia parte de vários movimentos trabalhando pela paz entre israelenses e palestinos e foi nomeada pelo jornal HaAretz em 2011 como uma das 10 imigrantes de países de fala inglesa mais influentes em Israel. Ela foi sequestrada do kibutz Beeri, onde ela vivia, e seu paradeiro ainda é desconhecido. As última palavras que ela trocou com seu filho, por mensagens de texto enviadas do quarto seguro em que ela se escondia, foram “Eu te amo”. “Ela estava muito comprometida em fazer do mundo um lugar melhor e ela falhou”, ele disse ao The New York Times. [2]
  • Eyal Waldman é um bilionário israelense ligado à indústria de tecnologia, que vendeu sua empresa por US$7 bilhões em 2020 e que defendia a contratação de programadores palestinos da Cisjordânia e de Gaza. [3] Sua filha, Danielle e seu namorado, Noam, tinham acabado de contar a Eyal que eles iam se casar, depois de terem mobiliado e se mudado para um novo apartamento. Danielle e Noam estavam no festival de música eletrônica Supernova e foram ambos emboscados e assassinados. [4]

Para qualquer pessoa minimamente sensível, estas histórias deveriam causar choque e consternação. Estas não eram pessoas que oprimiam palestinos — pelo contrário, cada um ao seu modo, eles estavam todos envolvidos na construção de pontes, na melhoria das condições de vida da população palestina. Pessoas assassinadas ou sequestradas de forma brutal e covarde, sem chance alguma de defesa, simplesmente por viverem onde viviam e por estar onde estavam.

Para quem acompanhou os eventos desta última semana daqui do Brasil, foram dois choques. O primeiro foi o choque do ataque em si, pela sua estupidez, pelo assassinato de bebês, de crianças, de pessoas idosas; pelo estupro e outras violências cometidas contra populações civis; pela forma irreverente como os terroristas trataram esses atos, divulgando-os nas redes sociais e se gabando deles para quem quisesse prestar atenção.

O segundo choque foi causado pela forma como esses atos foram recebidos mundo afora. Não foram raras as lideranças na política e nos movimentos sociais no Brasil e em outras partes do mundo que celebraram os atos terroristas como iniciativas genuínas de libertação nacional. Pessoas que até a semana passada admirávamos, de quem éramos amigos; pessoas com quem marchamos juntos pelos direitos humanos, contra o racismo, pela democracia, contra o feminicídio, contra a LGBTQIAP+ fobia. Pessoas que, apesar de se manifestarem por todas essas pautas ao nosso lado no Brasil, decidiram apoiar o Hamás, um grupo fundamentalista, que envia homens homossexuais à cadeia por 10 anos [5],  que limita o acesso de mulheres que buscam a Justiça contra casos de violência doméstica, que apela à tortura como estratégia de investigação e onde opositores do regime desaparecem. [6] Contra Israel e contra judeus, as piores formas de violência passaram a ser consideradas estratégias legítimas de resistência. 

Para ser justo, também tivemos muitas lideranças que adotaram um tom bastante crítico com relação aos atos terroristas, tanto no mundo da política quanto no dos movimentos sociais.

Nesse cenário de terra arrasada, de nos sentirmos fragilizados pela violência e abandonados pelos nossos companheiros de luta, o maior risco é cedermos ao desespero e abrirmos mão daquilo que temos de mais valioso: nossa humanidade, nossos valores e nossa conduta moral. Quando sofremos o tipo de ataque que Israel sofreu no último final de semana, com esse nível de brutalidade e de terror, nada mais natural do que querermos causar a mesma dor ao outro lado, garantir que eles saibam que nossa dor não será em vão, que haverá um preço muito alto a ser pago. Em alguns grupos judaicos aos quais eu pertenço, o desejo de vingança, qualquer que seja o preço, é paupável. De alguma forma, essa foi a resposta norte-americana aos atentados de 11 de setembro — e vejam onde estamos hoje: o Taleban de volta ao poder, o sentimento global antiamericano em recordes históricos, o estilo de vida americano mais ameaçado do que jamais esteve. Como um analista israelense disse na rádio naquela manhã de sábado: “a vingança não é um plano de ação.”

Hoje de manhã, ao recitarmos a benção Iotser Or, que faz parte da liturgia diária da manhã, eu mencionei que ela é baseada em um versículo no livro de Isaías, capítulo 45, no qual Deus se apresenta a Ciro, imperador da Persia, que tinha conquistado o Império Babilônico. “Eu sou ה׳ e não há nada mais. Não há outros deuses além de Mim. Eu te empodero, ainda que você não Me conheça. Para que todos saibam, do leste ao oeste, que não há nada além de Mim, eu sou ה׳ e não há outros. [Eu] produzo a luz e crio a escuridão, faço a paz e crio o mal.” É esta última frase que foi parafraseada na brachá que dizemos todas as manhãs. Como dizia uma professora querida, a rabina Rachel Adler, é um ato corajoso reconhecer Deus como a fonte do mal, mas agradecer por isso toda manhã é pedir demais e os Rabinos trocaram a palavra “mal” por “tudo” e a benção ficou: “produzo a luz e crio a escuridão, faço a paz e crio tudo.” Nossa parashá desta semana, Bereshit, nos ensina que somos, TODO ser humano, criados à imagem Divina, com o potencial para decidir nosso caminho. Dessa forma, precisamos, cada um de nós, escolher a cada manhã entre a luz e a escuridão, entre o bem e o mal. 

O Hamás fez suas escolhas e decidiu negar a humanidade de israelenses e de judeus para poder cometer as atrocidades que cometeu. Responder à violência inconcebível do Hamás abrindo mão da nossa humanidade e da deles seria permitir que eles tivessem o maior triunfo nessa disputa.

Da mesma forma, temos visto a humanidade de judeus e de israelenses colocadas em cheque por quem apoia, daqui do Brasil, as ações de terror cometidas em nome da libertação nacional palestina, ainda que não avance nem um milímetro essa causa. Um jornalista, recorrendo à imagem nazista do judeu como rato, citou um ditado chinês para justificar os atos terroristas, dizendo “não importa a cor dos gatos, desde que cacem ratos.” [7] Novamente, nossa humanidade foi descartada para legitimar a violência de que fomos vítimas. 

Frente ao abandono que temos sentido por parte de nossos antigos aliados nas causas humanistas no Brasil, podemos nos sentir tentados a nos retirar desses movimentos, mas é importante lembrar que não nos manifestamos contra o racismo, só para dar um exemplo, esperando apoio a causas judaicas quando precisássemos, mas porque consideramos verdadeiramente que o racismo é um pecado que precisa ser extirpado da cultura brasileira, assim como o machismo, os preconceito por identidade de gênero e sexual e outras formas de violência. 

Hoje eu conversei com o Marcelo Semiatzh, sócio da CIP cuja tia e primos viviam no kibutz Kissufim, ao lado da faixa de Gaza, e que foram assassinados neste final de semana. Eram pessoas carinhosas e bem humoradas. Sua tina Gina, aos 90 anos, pedia para ele levar cachaça quando fosse para Israel para ela poder fazer caipirinha. O primo Itzchák desenvolvia projetos conjuntos com os palestinos de Gaza até a ascensão do Hamás. Marcelo me falou de como é difícil alguém defender os direitos humanos quando a tia que ele tinha como mãe foi assassinada com a brutalidade que foi. “A raiva estava tomando conta de mim”, ele me disse. “Mas eu sou o que eu sou e não vou ficar vivendo em função do ódio do outro.” 

Nos mantermos quem somos e não permitir que sejamos definidos pelo  ódio ou pelo Hamás é o maior desafio que temos nesse momento. Que possamos todos escolher a luz e não a escuridão; a paz e não o mal. Que possamos nos defender, como é nossa obrigação, sem nos tornarmos a cópia daquilo que combatemos.

 

sexta-feira, 24 de março de 2023

Dvar Torá: Justiça e democracia em Israel (CIP)


Na semana passada, eu estava dando uma aula sobre as novas tradições de Pessach, que é uma dos feriados judaicos mais antigos, dos que ainda são muito celebrados entre as famílias e nos quais, nas últimas décadas, nós encontramos mais inovação. Eu coleciono hagadot com propostas inovadoras e eu trouxe algumas pra mostrar para os alunos: uma hagadá surpreendentemente interessante e profunda que usa como pano de fundo Harry Potter e sua turma, uma hagadá como uma teologia linda escrita pelo poetisa Marcia Falk, algumas hagadot de sedarim de mulheres, uma hagadá que busca o diálogo inter-geracional, uma escrita por e para mulheres vítimas de violência doméstica, uma que conversa com os temas do movimento sindical, com questões dos refugiados contemporâneos. Uma hagadá linda e difícil, escrita por sobreviventes da Shoá para seu primeiro seder de Pessach depois de libertados dos campos de extermínio, ainda em um campo para refugiados em Munique. Lemos juntos um texto escrito por Arthur Waskow, um rabino vinculado ao movimento Renewal que escreveu sobre sua experiência comemorando Pessach apenas alguns dias depois do assassinato de Martin Luther King, enquanto o caos imperava nas ruas de Washington, onde ele vivia — toque de recolher, tanques nas ruas e centenas de manifestantes negros presos. No ônibus, Waskow ia planejando os detalhes do sêder, o momento do calendário judaico em que mais nos identificamos com os oprimidos. De repente, ele começou a cantarolar no ônibus: “Este é o exército do faraó e estou voltando para casa para fazer o sêder”. Naquele momento, ele tomou uma decisão importante na sua vida: “De novo, não! Nunca mais uma bolha no tempo. Nunca mais, nunca mais, uma recitação ritual antes da vida real, da refeição real, da conversa real.” [1]

Esse é o dilema da vida religiosa — quando permitir que a recitação ritual tome o lugar da vida real, da conversa real e quando não. Muitas vezes, quando eu conduzo o serviço de Shacharit, eu digo que há toda uma sessão introdutória, chamada Psukei deZimrá, dedicada a permitir que esqueçamos dos problemas que nos acompanharam até aquele momento, de tal forma que possamos verdadeiramente nos dedicarmos à nossa vida interior. Uma vida espiritual equilibrada é uma necessidade de quem quer poder transformar objetivamente nossa realidade social: precisamos de força interna para lidarmos com as questões de todo dia e se não dedicarmos tempo a construí-la, também não temos como agir no mundo. E, ao mesmo tempo, temos que reconhecer que há situações frente às quais focar exclusivamente na nossa realidade interior pode configurar uma heresia.

Algumas semanas atrás, em Shabat Shirá, quando lemos sobre a saída dos hebreus de Mitsrayim, o texto nos contava que quando o povo reclamava com Moshé por uma intervenção Divina, quando os soldados do Faraó os perseguiam de um lado e o Mar, ainda fechado, estava do outro, a resposta de Deus foi 

 מַה־תִּצְעַק אֵלָי?! דַּבֵּר אֶל־בְּנֵי־יִשְׂרָאֵל וְיִסָּעוּ!! 

Por que você grita comigo?! 

Fale com os israelitas e que eles sigam em frente!! [2]

Há momentos em que, mais que reza, precisamos de ação ou pelo menos de solidariedade com quem age.

A sociedade israelense está em ebulição, como estava Washington naquele abril de 1968 seguindo o assassinato de Martin Luther King Jr. Há semanas que centenas de milhares de manifestantes têm saído às ruas de todo o país em protestos contra uma mudança tão radical no seus sistema judicial que os analistas dizem que comprometeria o caráter democrático do Estado de Israel. Uma explicação bastante superficial é que há dois pontos principais no projeto que tem avançado em velocidade recorde na Knesset: um ponto garante que a coalisão do governo indique a maioria dos membros da Suprema Corte. Outro ponto estabelece que a Knesset passe a poder derrubar decisões da Suprema Corte pela maioria simples de seus membros. Lembrem-se que uma das funções de cortes constitucionais, como é a Suprema Corte de Israel, é defender os direitos das minorias contra leis que infrinjam suas garantias legais. Da forma como a reforma judicial está proposta, direitos estabelecidos poderiam ser revogados com a anuência da coalisão da vez.

No mundo todo, comunidades judaicas têm se mobilizado, buscando reverter a proposta encaminhada ou desacelerar seu processo de aprovação, possibilitando que, através do diálogo entre os grupos políticos, uma proposta de consenso social possa ser formulada. Rabinos de todos os movimentos tem se manifestado pedindo ao governo de Israel que reconsidere sua proposta. A JFNA, a entidade guarda-chuva das Federações Judaicas nos Estados Unidos, emitiu uma carta aberta endereçada tanto ao primeiro ministro Biniamin Netaniahu quanto ao líder da Oposição, Yair Lapid, apontando para o impacto que uma mudança deste tipo teria na relação entre Israel e a comunidade judaica norte-americana [3]. Eles pediam, sem sucesso, que fosse adotada, no lugar do projeto encaminhado pelo governo, a proposta de  Itschak Herzog, o presidente de Israel [4].

Segmentos da comunidade judaica brasileira também têm se mobilizado em solidariedade aos manifestantes que pedem a proteção ao caráter democrática de Israel. Em uma carta endereçada ao governo israelense e assinada inicialmente por um grupo de entidades judaicas, incluindo a CIP [5], reafirmamos nosso Sionismo e compromisso com Israel como um Estado Judaico e Democrático e, reconhecemos o impacto que acontecimentos em Israel projetam sobre nós. Ao final do documento, “manifestamos nosso apoio e solidariedade aos israelenses que lutam pela manutenção da democracia, e conclamamos a população judaica brasileira para que faça o mesmo, repudiando qualquer ameaça ao Estado Democrático de Direito no país.”

Nesta semana começamos Vaicrá, o terceiro livro da Torá. Nesta primeira parashá, o texto trata de diversos tipos de sacrifícios, incluindo a “chatat” e o “asham”, ofertas para casos em que as pessoas deixavam de cumprir as instruções da Torá por negligência, descuido ou má fé [6]. Uma parte importante dessas regras dizia respeito à preservação da integridade do sistema judicial, garantindo que não houvessem testemunhos falsos nem omissão em testemunhos que poderiam inocentar um suspeito. 

A decisão sobre sua estrutura judicial pertence apenas aos israelenses, mas suas implicações claramente nos afetam também. Se informe sobre o processo em curso, procure formar a sua própria opinião e, se achar apropriado, se manifeste e ajude a defender a Democracia israelense!

Shabat Shalom!


 

quinta-feira, 13 de maio de 2021

Emoções intensas e conflitantes

Al hadvash ve’al haokets, ‘al hamar vehamatoc; “sobre o mel e o ferrão, sobre o amargo e o doce” -- assim começa uma famosa música israelense, composta por Naomi Shemer na década de 1980. Assim como o poema de Iehudá Amichai escreveu sobre sua discordância com Kohelet [1], essas palavras refletem a realidade das nossas vidas: as alegrias e as dores normalmente vêm juntas e temos que equilibrar os sentimentos para nos mantermos sãos.

Este é um final de semana festivo na CIP. No Cabalat Shabat, teremos a alegria de dar as boas vindas à rabina Tati Schagas [2], que chega para somar e para transformar nossa comunidade. No sábado à noite, a 14ª edição do Ticún da Virada [3], a comemoração da CIP para Shavuot, tratará do tema “Eu e Nós” noite adentro, com a participação de mais de 50 intelectuais, ativistas, educadores, rabinos, chazanim, coreógrafos e artistas. Será um festival de Cultura Judaica, revivendo a experiência que nosso povo teve ao receber a Torá no Monte Sinai. Ao longo dos dias seguintes, serviços religiosos especiais de Shavuot. Tanto a chegada da rabina Tati como as comemorações de Shavuot são motivos excelentes para nos alegrarmos!

No entanto, como podemos estar completamente felizes quando Israel enfrenta um novo conflito armado, quando mísseis caem em Tel Aviv, Jerusalém e Ashquelon? Como nossa felicidade pode ser perfeita quando em nosso país, milhares de vidas ainda são perdidas para a pandemia? Com certeza, nossa alegria é temperada pela dor e pela tristeza.

A parashá desta semana, baMidbar, inicia o livro de mesmo nome. Em hebraico, baMidbar, significa “no deserto.” Foi no deserto que nos constituímos como povo, que recebemos a Torá, que nossos antepassados reclamaram incessantemente pela falta de comida e água e por nunca chegarem à Terra Prometida. Foi lá que Moshé encontrou Deus face-a-face e que o povo hebreu começou a desenvolver um relacionamento cotidiano com o “viver na presença de Deus”. Foi no deserto que uma nova geração, sem a lembrança da escravidão, nasceu e no mesmo deserto que a geração que havia sido libertada morreu sem chegar à Terra Prometida. O deserto, um lugar de amplidão e das possibilidades quase infinitas é um dos muitos lugares em que os opostos coexistem, as noites muito frias e os dias muito quentes, da calma absoluta a da tempestade insuportável, de perguntas sem fim que podem nos levar a um princípio de resposta… E foi nesse lugar de extremos e de contrastes que recebemos a Torá e que demos início à longa jornada chamada judaísmo.

A beleza da tradição judaica é que ela tem sido capaz de se transformar e continuar enchendo nossas vidas de significado no doce do mel e no amargor do ferrão, quando damos as boas vindas com esperança e quando nos despedimos com o coração pesado, em tempos de paz e durante as guerras. A grande maioria dos eventos do Ticún serão transmitidos ao vivo, mas alguns tiveram que ser pré-gravados por questões técnicas -- em um destes, a rabina Tati conversou com dois membros de kibutsim. Um deles era a rabina Lila Veissid que, comentando um verso da parashá da semana passada [4] que trata de comer os grãos armazenados para fazer espaço para a nova safra, estabeleceu uma analogia com o processo permanente de transformação dos kibutsim, no qual inovações convivem em harmonia com estruturas antigas. O mesmo, é óbvio, pode ser dito sobre o processo permanente de transformação do judaísmo como um todo, garantindo que nossa tradição continue relevante em todas as situações, não se mantendo congelada e presa a apenas um conjunto de circunstâncias. Como lembrou Iri Kassel, que também participou da conversa sobre kibutsim, em uma frase do Rav Kuk: “o velho deve se renovar e o novo deve se santificar”. Este é o processo que celebramos em Shavuot e ao qual a rabina Tati se soma.

Neste final de semana, nós comemoramos com alegria as transformações do judaísmo ao mesmo tempo em que buscamos na tradição judaica renovada ferramentas para lidar com as dores do momento. 

Shabat Shalom

terça-feira, 30 de março de 2021

Podcast 5.8 - Episódio 15: Com o olhar para o futuro: o impacto da Diáspora sobre a identidade judaica em Israel

(originalmente publicado em http://5ponto8.fireside.fm/15)

"Israel não é mais para todos os seus cidadãos." Este é o título de um dos textos do nosso convidado de hoje. Com pontos de vista diversos, até polêmicos, continuaremos explorando o papel de Israel na resiliência judaica dentro e fora da Diáspora, sobre Democracia, Direito, Cultura e muito mais.

Nosso convidado de hoje é Marcos Gorinstein, formado em Ciências Sociais pela UFRJ e mestrando em Estudos Latinoamericanos pela Universidade Hebraica de Jerusalém. Marcos se mudou para Israel há 11 anos e desenvolve um projeto que ensina jiu-jitsu para crianças judias e árabes, Além disso, ele é produtos e apresentador dos podcasts Nos Anais da Mediná e Do Lado Esquerdo do Muro.

Referências:

Dicas Culturais:

Com Rogério Cukierman e Laura Trachtenberg Hauser.
Créditos da Música de Abertura: Lechá Dodi, da liturgia tradicional de Shabat | Melodia: Craig Taubman | Clarinete: Alexandre F. Travassos | Piano: Tânia F. Travassos.
Edição: Misa Obara

terça-feira, 16 de março de 2021

Podcast 5.8 - Episódio 14: Com o olhar para o futuro: o impacto de Israel sobre a identidade judaica na Diáspora

(originalmente publicado em http://5ponto8.fireside.fm/14)

Apesar de nos orgulharmos dos 3500 anos da história judaica, é inegável que alguns eventos dos últimos cem anos têm um peso desproporcional na forma como vivemos judaicamente hoje em dia. A criação do Estado de Israel é um destes eventos com impacto sobre a identidade judaica de virtualmente todos os judeus. Há judeus que concordam mais com as políticas do Estado, outros que concordam menos; há aqueles que o enxergam como o centro de sua vida judaica, outros que nele encontram sua antítese. Antes um fator de união da comunidade judaica, Israel manteve este papel ao longo das suas sete décadas, mas passou a ser também um motivo de discórdia. Por isso, queremos escutar vozes diversas sobre a forma como o Estado de Israel impacta a identidade judaica, nossa resiliência, nosso orgulho, nossa segurança. Hoje, damos o primeiro passo dessa investigação.

Nosso convidado deste episódio é o Samuel Feldberg, doutor em Ciência Política pela USP e um especialista em questões relacionadas a Israel.

Dicas Culturais:

Com Rogério Cukierman e Laura Trachtenberg Hauser.
Créditos da Música de Abertura: Lechá Dodi, da liturgia tradicional de Shabat | Melodia: Craig Taubman | Clarinete: Alexandre F. Travassos | Piano: Tânia F. Travassos.
Edição: Misa Obara

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Unidos pela dissidência

Eu conheço algumas pessoas que, depois de terem passado décadas juntas, acabam morrendo com meses, às vezes dias, de diferença. Algumas vezes, eram casais; em outras, eram irmãos ou melhores amigos. A intimidade da convivência contínua fez com que a vida se tornasse insuportável sem a presença do outro; o corpo acaba atendendo ao pedido da alma, se despedindo da vida. 

A parashá desta semana começa com o falecimento de Sará e termina com a morte de Avraham. Apesar de não terem acontecido na sequência [1], a narrativa da Torá aproxima a partida dos nossos dois primeiros patriarcas e nos leva a pensar sobre a relação entre os dois. Claramente, havia uma parceria que levou Sará a abandonar a sua vida e seguir com seu marido em busca de uma terra desconhecida, obedecendo as instruções de Deus. Baseando-nos em histórias da parashá da semana passada, podemos também imaginar alguns desentendimentos entre os dois, como na expulsão de Hagar e Ishmael [2] e no fato de Avraham ter aceitado o pedido de Deus para sacrificar o filho deles [3]. O texto sugere que, no final da vida, eles nem moravam mais na mesma cidade: Avraham estava em Beer Sheva, mas Sará faleceu em Kiriat Arba. Será que, depois de tantos anos de parceria, foi a incapacidade de discordarem sobre temas tão centrais que acabou causando a morte de Sará?

Uma história famosa do Talmud [4] nos apresenta um outro modelo de parceria e conta da amizade entre dois rabinos, Rabi Iochanan e Resh Lakish, que faziam do debate intenso uma marca do seu relacionamento. Depois de uma briga entre eles, Resh Lakish ficou tão magoado que morreu de desgosto; Rabi Iochanan morreu pouco tempo depois, inconformado com a falta do amigo. Rabi Iochanan sentia especial falta dos desafios que Resh Lakish levantava aos seus argumentos, e da forma como, nesses embates, ambos melhoravam sua compreensão da tradição judaica. Nossas discussões, assim como nossas amizades e relacionamentos amorosos, também ajudam, muitas vezes, a definir quem somos — em especial a forma como lidamos com elas. 

Na semana passada marcamos os 25º aniversário do assassinato de Itzchak Rabin, o primeiro-ministro israelense responsável pelo Processo de Paz de Oslo, e que foi assassinado por um opositor radical. Nesta semana, faleceu Saeb Erekat, o principal negociador palestino no processo de paz com Israel. Rabin e Erekat eram figuras polêmicas: alguns os viam como visionários na construção de um futuro de paz, outros como pessoas dispostas a fazer concessões sem construir antes amplos consensos nacionais, há ainda quem os visse como inimigos, soldados do outro lado de um conflito que já custou mais de uma centena de milhares de mortos. Assim como as mortes de Avraham e Sará, que aparecem próximas na narrativas mesmo tendo acontecido com distância de muitos anos, vinte e cinco anos separam as mortes de Rabin e Erekat, mas elas apareceram próximas no calendário deste ano. Nas décadas que se passaram, continuamos buscando uma paz estável e duradoura entre israelenses e palestinos sem, no entanto, atingi-la. Nossas divergências e a forma como lidamos com elas continuam, em grande parte, nos definindo.

Nossa parashá termina com o reencontro de Itschak e Ishmael, dois irmãos separados por conflitos, no enterro de Avraham. Na morte de seu pai, retomaram a possibilidade de construírem uma relação em vida, mesmo com as discordâncias. Que as memórias de Avraham e Sará, de Itschak e Ishmael, de Itschak Rabin e Saeb Erekat iluminem nosso caminho para avançarmos, apesar das nossas divergências, na construção de uma paz justa e duradoura.

Shabat Shalom!    

[1] A tradição fala em quase quatro décadas separando os dois eventos.
[2] Gen. 21:9-19
[3] Gen. 22:1-19
[4] Talmud Bavli Bava Metsia, 84a-84b. See Less



sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Lembra de quem queríamos ser?

(originalmente publicado em http://www.institutobrasilisrael.org/2019/09/27/lembra-de-quem-queriamos-ser/)

No universo dos feriados religiosos, Rosh haShaná e Iom Kipur não estariam na lista das 10 datas mais populares. Com suas metáforas sobre o Dia do Julgamento e o nome (em hebraico) de “Dias Terríveis” (Iamim Norayim), estas datas precisam urgentemente da repaginada de marketing que Jon Stewart pediu para outros feriados judaicos. A verdade, no entanto, é que, por trás do nome pouco popular (abandonado na tradução para o português) e das metáforas complicadas, temos conceitos religiosos profundos que se sobrepõem de forma quase paradoxal: uma autocrítica intensa e um otimismo quase ilimitado.

Tanto a crítica quanto o otimismo têm origem no conceito de tshuvá, palavra em hebraico cuja tradução pode variar de “resposta”, a “retorno” a “arrependimento”. Eu gosto de pensar em todos estes sentidos entrelaçados, nos quais a tshuvá da qual falamos nesta época do ano é a resposta que damos ao nosso processo de cheshbon hanefesh, a “contabilidade da alma”, a reflexão sobre os caminhos que nossas vidas estão tomando. Ao reconhecermos nossas conquistas no ano que termina e identificarmos as áreas em que nos afastamos dos nossos objetivos, tentamos voltar à nossa rota; através do arrependimento, voltamos à melhor versão de nós mesmos. O otimismo é expresso na possibilidade permanente de engajarmos neste processo de tshuvá, mesmo quando o “retorno” implica caminhar uma  grande distância. Estes conceitos, eu acho, foram perfeitamente capturados por um antigo supervisor de estágio meu, o rabino Eric Gurvis, que certa vez distribuiu adesivos após sua prédica de Iom Kipur que diziam “Lembre-se de quem você queria ser”.

Para muitos de nós, lembrarmos de quem queríamos ser pode ser um esforço complexo. A necessidade de pagar a conta do aluguel todo mês ou de acordar cedo para levar os filhos à escola faz com que, muitas vezes, abramos mão de valores que nos eram caros mas que não nos ajudam nas demandas práticas da vida. Como mecanismo de defesa, ao nos distanciarmos dos ideais que tínhamos, apagamos os velhos sonhos. Em algum momento, passamos a acreditar que somos o que sempre tínhamos querido ser, apesar de todas as evidências do contrário.

Países ou movimentos nacionais, no entanto, costumam registrar de forma mais sistemática onde eles gostariam de chegar. Neste Rosh haShaná em que Israel tenta, mais uma vez, organizar um novo governo, vale a pena olharmos para os sonhos que o país um dia teve para si mesmo e pensar o que “Lembre-se de quem você queria ser” pode significar neste contexto. Neste processo, busquei a Declaração de Independência, como documento que expressava os sonhos dos fundadores do Estado. Percebe-se um otimismo claro no documento (alguns diriam “ingenuidade”), a esperança de um relacionamento de parceria com a ONU, de relações possíveis com os países vizinhos, de tratamento equânime entre todos os seus habitantes, de respeito aos seus idiomas, religiões e culturas. Cada um de nós terá suas próprias tshuvot na comparação entre este documento e a realidade do Estado de 71 anos, que precisa pagar o aluguel e acordar cedo para levar as crianças, mas que ainda contém dentro de si muitos dos valores registrados na Declaração de Independência. Quando consideramos “Quem Israel gostaria de ser?”, podemos identificar quais sonhos foram largados ao longo do caminho que, agora, gostaríamos de retomar e nos perguntar qual papel nós brasileiros podemos ter nesta retomada de valores e de sonhos?

Shaná Tová!

Que nossas vidas —  os sonhos, as ações, os valores, as restrições — façam diferença e mereçam ser registradas no Livro das Vidas.



domingo, 16 de setembro de 2012

Dvar Torah: Rosh haShanah 5775 (UIUC Hillel)


When I try to understand what happened in the past few weeks in the Middle East, it is hard not to be shocked by the lack of respect and mutual understanding demonstrated by people that call themselves religious. On the one hand, we have a video that was designed to be disrespectful to Islam in the most extreme way, produced by people who were aware of its explosive content. On the other hand, a popular reaction that has no limits to its violence, and general accusations to a whole country and a way of living.

 

And although it never got to similar levels of violence, Israel experienced its episode of religious violence earlier this year, when girls were attacked in Beit Shemesh because of the allegedly lack of modesty of their clothes.

 

In common, these episodes have the belief, held by the perpetrators of the violence, that they - and they only ‐ have the absolute monopoly of religious truth. That their understanding of the mysteries of the universe are 100% right, and that everyone else is, therefore, 100% wrong.

 

The Israeli poet, Yehuda Amihai, expressed it best:

 

The place where we are right

From the place where we are right 

Flowers will never grow

In the spring.

 

The place where we are right

Is hard and trampled

Like a yard.

 

But doubts and loves

Digup the world Like a mole, a plow.

And a whisper will be heard in the place

Where the ruined 

House once stood.

 

As a rabbi, a father, a person, I am much more interested in the questions than in the answers. I have learned from great teachers who knew how to ask great questions and to acknowledge they did not have all the answers, that the possibility that they were completely wrong was very real.

 

I have found like‐minded individuals here in this community - people both inside the Jewish world and out of it, with whom I can share my questions and get their help in our mutual search for meaning in our lives. Although our paths might be very different, we are all seekers expressing similar values.

 

Today's Torah reading reminds of this search. It is the famous story of how God approached Abraham and asked him to sacrifice his son Isaac, and how Abraham agreed to God's request, only to be stopped at the very last second by an angel.

 

I have to confess I have a terrible time trying to understand this story. How could God ask such a thing from Abraham? And how could this father, who tradition says is our collective father, agree to such a senseless demand?

 

But more interesting for our purpose here today - Why was this passage chosen to be the reading of Rosh HaShanah? (and just to be clear: in more traditional services, this section is read on the second day of Rosh HaShanah. The reading of the first day is the equally troubling episode of Sarah asking Abraham to send his other son, Ishamel, away.)

 

Tradition has a couple of different answers for this question. Let's turn to the text on page 125 to see what they are:

 

1.     The very first verse in our reading announces that "There came a time when God put Abraham to the test." Rosh HaShanah is considered the day of our annual trial, and here is the link to the test.

2.     The ram . At the end of the scene, as the angel stops Abraham from killing the boy, Abraham sees a ram, which is offered as a sacrifice. The ram's horns are like a shofar, and this is the link to the Rosh HaShanah.

3.     The third traditional answer is a combination of the previous two. We are being judged, but unfortunately, we are short on good deeds that are needed for our acquittal. This is what we sing on "Avinu Malkenu:

 

Avinu Malkeinu, be gracious and answer us, for we have little merit. Treat us generously and with kindness and be our help.

 

The shofar and our Torah reading remind God of our ancestor's Abraham, his total devotion to the point of being willing to sacrifice his own son. In this reading, Abraham passed his trial with flying colors and we are trying to get some of the benefits by association.

 

My big problem with this reading is that it takes for granted that Abraham passed his test - or at least that the Rabbis who designed the ceremony of Rosh HaShanah thought he did. It assumes a naïveté I am not willing to grant to people I envision with the highest levels of sophistication. I imagine the Rabbis who wrote the Talmud and defined our liturgy also being seekers, loving questions more than answers, and being troubled by a God that demands and a father that agrees with a son's sacrifice.

 

As I mentioned before, the traditional reading for the first day of Rosh HaShanah, is the story of Sarah sending away Hagar together with Abraham's oldest son. Again, a story that tells me more about failure than about achievement; more about the danger of deep convictions than recipes for success.

 

So.... we are left with the original question: why do we read this passage today?

 

In my opinion, this passage teaches us about failure. It is not our get‐out-of‐jail‐free card but rather the contrary: in a season in which we are asked to engage in cheshbon nefesh, or accounting of the soul, the process of introspection that helps us grow, we are reminded that we are not alone in making bad decisions some times, in failing our tests. Even Abraham, the founder of our big Jewish family, did not get everything right - we are in good company in our failure, but that should not serve as an excuse to avoid confronting our mistakes and growing as a result. We do it collectively, by reading in synagogue about times in which we really missed the mark.

 

It is also a strong warning about the kind of absolute certainty that leads people to create hate movies, or to kill in response, or to stone young kids who dress in a way that is not exactly like yours. Abraham almost lost his son because of his absolute certainty - and this story, in which God prevents him at the last minute, shows that this is not how we are expected to behave.

In his best moments, Abraham was able to argue with God in defense of Sodom and Gomora and that became a Jewish tradition. Moshe argued with God in defense of the Israelites right after the sin of the golden calf. In a famous passage from the Talmud, in which God tries to intervene in a Rabbinic dispute, God is told to back‐off, and leaves laughing at how the children have now defeated the parent. Our tradition teaches that the internal voice advising us to take extreme positions needs to be challenged and the story we just heard today reminds us all of the risk of neglecting to do so.

 

For all of this, I find today's Torah portion a great lens for us to look though at the persons we are becoming and ask if this is the direction we really want to pursue.

 

But if I've described Abraham's decision as a radical one, there is also something to be said about his faith and commitment and his willingness to sacrifice his most valued possession - his own son! - for the things he believed in. As we move from the examination of our past year into the envisioning of the new one, what are our deepest beliefs and commitments? What are we willing to sacrifice in order to remain true to our values? Our tradition also teaches us not to be a bystander, but to take an active role in improving the world we live in. What do YOU stand for and what are YOU doing?

 

This is the balance of the lack of certainty. Our tradition asking two opposite things from us ‐ to be committed without being an extremist, to take action for the things you believe in without declaring war on those with different points of view. From this space, where there is no absolute answer, may flowers, and you, and I grow in the Spring.

 

Shanah Tovah - may all of our journeys be books full of life!

 

In your booklet, there is a poem called "Sarah's choice" that retells this story from a different perspective. I find it provocative in the best sense of the word and I invite you to read it at some point during these holidays.

 

 

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Dvar Torah on Parashat Boh -- A final assignment for a Midrash Halakhah class

 Mah ha-avodah ha-zoht LACHEM”, “what is the meaning of this ritual TO YOU?” – to “you” and not to “us”, this child asks. And you know what kind of answer the “evil” child that would ask such a question deserves. Or, at least, you think you know.

 This is how Torah instructs to answer this question: “It is the Passover sacrifice to Adonai, because God passed over the houses of Israel in Mitzrayim when God struck Mitzrayim, but saved our houses.” (Ex. 12:26)


When commenting these verses, it is not clear to the Mekhilta whether it is a good sign or a bad one. To the rabbinic mind, on the one hand, it is problematic that your children won’t know the meaning of this ritual anymore, but on the other hand, it should be celebrated sign that many generations in the future, you will have children who will be in contact with your rituals. In any case, there is no sign of the contempt that characterizes the answer to the ‘so-called” rashah. 

 

That harsher approach is developed by Mekhilta when commenting a second occurrence of a child asking about the meaning of the rituals (Ex. 13:14). In that midrash, we get the story of the four children that we know from the haggadah: chacham, rashah, tam, and she-einoh yodeah lish’ol. Three of the children receive answers that seem appropriate to their interests, but the “rashah” is all but excluded from the community: “if you had been in MItzrayim, you would not have been redeemed.”

 

The difference between what the Biblical text says and the way the Rabbis interpret it is astonishing! As we saw, the question that the Rabbis considered “evil” received a fairly innocent answer in the Torah.  There, it was the child that doesn’t ask a question that received the tougher answer (Ex. 13:8.) And nowhere we are instructed to teach the detailed norms of kashrut le-Pesach, the answer that the midrash assigns to the “good” kid.

 

A professor of mine, Rabbi Stephen Pasamaneck, used to say that “the Torah means whatever the Rabbis say the Torah means”, but it is easier for me to accept when they transform “an eye for an eye” into financial compensation than when they transform texts that instruct us to transmit the story of the formative event of our communal history into an attack on the challenging members of our own community. 

 

I don’t know why the Rabbis were so angry at their challenging children and their constant pursuance of meaning, but I find the message carried by this midrash dangerous. If I have learned anything from being a parent is how inappropriate and counter-productive this kind of chastisement is and I want to publicly reject it. I keep it at my Passover seder, as the starting point of a conversation about othering and inclusion, and how to embrace those in our communities who don’t feel totally comfortable with part of our tradition and how to create the safe space for them to explore their questions. 

 

An environment not so different from the one we live in right now in the Jewish community. Last year, Abby Backer, an undergraduate student at Columbia University, visited a synagogue in Stamford, Connecticut, together with JStreet’s president, Jeremy Ben-Ami. Abby tells that, as she was leaving the place,  

 

An elderly woman confronted [her] in the synagogue lobby. “I should spit on you!” she yelled at [her] in front of a group of shocked onlookers. “Excuse me?” [Abby] replied. Glaring, she taunted: “Are you a Palestinian? You must be a Palestinian!”[1]

 

Another professor of mine, Rabbi Reuven Firestone, who is a scholar of Islam, told us that we would be shocked if we searched our holy literature for expressions of lack of tolerance for diversity. The midrash of the four children is certainly one of these expressions, and the reaction Abby experienced in Stamford is a result of the mentality it might engender. 

 

“You are either with me, or against me.” Having grown up in a country that was ruled by a dictatorship, this kind of position is neither unknown nor tolerable to me. Denying the right of members of our community to wrestle with our tradition, with our communal policies, and with Israel, will only result in their alienation and total disengagement from the Jewish community. As a self-fulfilling prophecy, by threatening the “rashah” with exclusion from the community, we are actually sending them away.

 

As we count the days for matan Torah and, as do many of us here, for matan semichah, may we be blessed with the wisdom and the ability to foster communities that open their doors wide and welcome everyone who wants to engage.



[1] . http://www.jstreetu.org/latest/exclude-me-at-your-own-peril