sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Dvar Torá: É difícil e maravilhoso ser judeu (CIP)

Eu estou há alguns meses envolvido em um projeto concebido pelo presidente da CIP, o Mario Fleck, chamado 5.8. O primeiro braço do projeto a virar realidade foi um podcast, também chamado 5.8, que eu tenho a honra de comandar junto com a Laura Trachtenberg Houser [1] — quando terminar o shabat, vai lá no teu tocador favorito de podcasts, que pode também ser o Spotify e procura 5.8 e você vai nos encontrar e vai poder escutar os episódios publicados a cada duas semanas, sempre às 3as feiras. Por enquanto, tem só um episódio publicado, mas na próxima 3a feira, dia 15/09, segundo episódio vai ao ar. E o melhor é que você pode escutar quando quiser, e até escutar os episódios anteriores…

A partir do segundo episódio, a gente vai começar uma série pra explorar o que quer dizer ser judeu e vamos conversar com gente normal, como você e como eu, e também com alguns intelectuais e especialistas. 

Ser judeu nem é sempre fácil. O judaísmo tem a mania irritante de exigir que nossas ações e as nossas palavras estejam alinhadas, que sejamos coerentes com os valores que dizemos ter. Se o texto diz, como a nossa parashá diz, “escolha a vida” [2] e a gente afirma levar o texto a sério, a gente não pode reunir centenas de pessoas pra passarem juntos as rezas de Rosh haShaná e Iom Kipur. Se o texto diz, como a nossa parashá diz, que o pacto entre o povo judeu e Deus não foi firmado somente com a geração de Moshé, mas também com todas as gerações posteriores [3] e, como a nossa parashá também diz, que a tradição judaica não está distante nem nos céus, mas que está próxima e que devemos agir de acordo com seus valores [4], e a gente afirma que este é um texto sagrado e verdadeiro, a gente não pode tratar a cultura judaica como se fosse algo que tenha ficado congelado no passado ou que não tenha relacionamento com as nossas ações.

Ser judeu é difícil e estabelece expectativas com relação ao nosso comportamento. Expectativas que têm basicamente a ver com a forma como tratamos uns aos outros, como protegemos os vulneráveis, como defendemos o planeta. Como dizia o rabino e filósofo Abraham Joshua Heschel “Você não pode adorar a Deus e então olhar para um ser humano, criado por Deus à Sua imagem, como se esse ser humano fosse um animal.”

De algum jeito, ser judeu e viver com a expectativa de que nos comportemos como gente no lugar em que a humanidade estiver em falta [5] é mais ou menos como tentar escrever uma redação com um pai olhando a tela do computador por cima do seu ombro e você com medo de que ele vai apontar todos os erros gramaticais do teu texto…. é viver com medo de errar, sabendo que o erro é praticamente inevitável. Na parashá desta semana, Deus já avisa Moshé que o povo vai fazer besteira e vai andar por caminhos errados e até pede pra Moshé colocar um poema na Torá que sirva de lembrete pra quando esse momento chegar [6].

O final do ano judaico vai chegando, o processo de cheshbon nefesh, de avaliação verdadeira de quem realmente fomos em 5780 vai tomando corpo, e o medo desse encontro com Deus, com nós mesmos, vai crescendo dentro da gente. Se a gente realmente leva a tradição a sério, Rosh haShaná, que começa exatamente daqui a uma semana, tem que ser mais do que a festa da maçã com mel, da cabeça de peixe e do toque do shofar. Rosh haShaná é o dia de visitarmos as partes de nós mesmos, das nossas vidas e das nossas condutas, que não revelamos para mais ninguém, muitas vezes nem para nós mesmos… é o dia de encararmos pra onde estamos indo e nos perguntarmos se essa é mesmo a direção correta.

O mágico do judaísmo é que, junto com esse monte de expectativas, com a certeza de que nós vamos fazer besteira e vamos andar por caminhos errados, e vamos esquecer das lições da tradição, tem um otimismo infinito que aponta pra possibilidade de redenção, de re-invenção de quem nós somos, de t’shuvá, de retorno à melhor versão de nós mesmos, à possibilidade de atingirmos um sonho do qual já tínhamos esquecido, de escolhermos a vida frente a um cenário de caos, morte e destruição. Na parashá, em seu discurso aos israelitas, em apenas 10 versos, Moshé usa 8 vezes variações verbais de lashuv, retornar, da mesma raiz de t’shuvá [7]. 

Essa reta final antes de Rosh haShaná é nossa chance de aproveitarmos esse otimismo judaico, de retornarmos, de derrubarmos de verdade as nossas defesas e nos permitirmos fazer as perguntas que temos evitado, as perguntas que podem nos levar a mudar de opinião, a mudar de conduta, a mudar a nós mesmos. Dá medo, é algo pra qual a gente não se sente preparado, mas quando a gente tem coragem e pula nesse rio, é absolutamente libertador!

Que a chegada de 5781 permita que cada um de vocês se encontre e se transforme e se liberte e que seja o começo de um ano cheio de alegrias, de realizações e, principalmente, de saúde e de vida. 

Shabat Shalom e Shaná Tová!


[1]  http://5ponto8.fireside.fm
[2]  Deut. 30:19b
[3]  Deut. 29:13
[4]  Deut. 30:11-14
[5]  Pirkei Avot 2:5
[6]  Deut. 31:16-22
[7]  Deut. 30:1, 2, 3 (3x), 8, 9, 10


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