terça-feira, 1 de setembro de 2020

Podcast 5.8 - Episódio 1: Por que perguntar?


(originalmente publicado em https://5ponto8.fireside.fm/1)

Em uma das passagens mais surpreendentes de todo o Tanach, a Bíblia Hebraica, o patriarca Avraham, que tinha abandonado sua terra natal para seguir um Deus que ele nunca tinha visto, não consegue esconder seu inconformismo com esse mesmo Deus, que lhe conta que pretende destruir as cidades de Sodoma e Gomorra, onde imperava o mal. “O Juiz de toda a terra não julgará com justiça?!” inquiriu Avraham, um desafio retórico em forma de pergunta que convenceu Deus a estabelecer condições para a salvação das cidades. Várias lendas que a tradição judaica conta sobre Avraham, os chamados midrashim, relatam como ele era um iconoclasta, que revirava cada pedra e não aceitava respostas prontas, que se tornou o primeiro monoteísta questionando as crenças religiosas de seu pai e que se orgulhava de não se obrigar a estar do mesmo lado da questão que a maioria. 

É possível que o exemplo de Avraham tenha fortemente influenciado a paixão do povo judeu por perguntas. Uma paixão que se manifesta especialmente por perguntas difíceis, as chamadas “kushiot” em hebraico ou “kashes” em ídiche, que nos fazem reconsiderar nossas premissas e abordar o assunto por uma nova perspectiva. Alguns milênios depois, o povo judeu continuou esse processo de valorização das perguntas, como diz um ditado em ídiche “para toda resposta você pode encontrar uma nova pergunta”; um processo infinito no qual a busca vale mais do que encontrar a resposta perfeita. 

De um tempo pra cá, no entanto, parece que a comunidade judaica foi perdendo essa paixão. Deixamos de fazer as perguntas difíceis, talvez com medo de onde a busca nos levaria. Continuamos falando sobre a tradição judaica do debate registrada nas páginas do Talmud, a obra central do judaísmo rabínico, mas deixamos de ler o Talmud como ferramenta que nos encoraje ao debate sincero, às perguntas corajosas, até mesmo sobre a nossa tradição religiosa, sobre as nossas práticas ou sobre a nossa relação com o mundo. Pelo contrário, muitas vezes as instituições judaicas, incluindo as escolas judaicas, agiram para silenciar as vozes dissidentes, para garantir que só escutássemos as respostas oficiais.

Perguntas difíceis passaram a receber respostas enlatadas, abordagens chapa-branca que expressam desdém pela pergunta e não reconhecem a legitimidade da dúvida. Continuamos falando sobre o judaísmo como uma religião sem dogmas, mas passamos a considerar alguns assuntos como intocáveis, verdadeiros bezerros de ouro tratados como semi-deuses, em clara oposição às muitas proibições judaicas contra a idolatria.

Como saímos deste estado de coisas? Como voltamos a valorizar as perguntas e honrar as experiências que lhes dão origem? Este é o assunto deste episódio do 5.8 e, de alguma forma, de todo o projeto.

Para saber mais:

Dicas Culturais:

Com Rogerio Cukierman e Laura Trachtenberg Hauser.
Créditos da Música: Clarinete: Alexandre F. Travassos / Piano: Tânia F. Travassos.
Produção Executiva e Edição: Marie Naudascher
Divulgação: Melina Sternberg e Depto. de Comunicação da CIP
Realização: Congregação Israelita Paulista

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