quinta-feira, 13 de maio de 2021

Emoções intensas e conflitantes

Al hadvash ve’al haokets, ‘al hamar vehamatoc; “sobre o mel e o ferrão, sobre o amargo e o doce” -- assim começa uma famosa música israelense, composta por Naomi Shemer na década de 1980. Assim como o poema de Iehudá Amichai escreveu sobre sua discordância com Kohelet [1], essas palavras refletem a realidade das nossas vidas: as alegrias e as dores normalmente vêm juntas e temos que equilibrar os sentimentos para nos mantermos sãos.

Este é um final de semana festivo na CIP. No Cabalat Shabat, teremos a alegria de dar as boas vindas à rabina Tati Schagas [2], que chega para somar e para transformar nossa comunidade. No sábado à noite, a 14ª edição do Ticún da Virada [3], a comemoração da CIP para Shavuot, tratará do tema “Eu e Nós” noite adentro, com a participação de mais de 50 intelectuais, ativistas, educadores, rabinos, chazanim, coreógrafos e artistas. Será um festival de Cultura Judaica, revivendo a experiência que nosso povo teve ao receber a Torá no Monte Sinai. Ao longo dos dias seguintes, serviços religiosos especiais de Shavuot. Tanto a chegada da rabina Tati como as comemorações de Shavuot são motivos excelentes para nos alegrarmos!

No entanto, como podemos estar completamente felizes quando Israel enfrenta um novo conflito armado, quando mísseis caem em Tel Aviv, Jerusalém e Ashquelon? Como nossa felicidade pode ser perfeita quando em nosso país, milhares de vidas ainda são perdidas para a pandemia? Com certeza, nossa alegria é temperada pela dor e pela tristeza.

A parashá desta semana, baMidbar, inicia o livro de mesmo nome. Em hebraico, baMidbar, significa “no deserto.” Foi no deserto que nos constituímos como povo, que recebemos a Torá, que nossos antepassados reclamaram incessantemente pela falta de comida e água e por nunca chegarem à Terra Prometida. Foi lá que Moshé encontrou Deus face-a-face e que o povo hebreu começou a desenvolver um relacionamento cotidiano com o “viver na presença de Deus”. Foi no deserto que uma nova geração, sem a lembrança da escravidão, nasceu e no mesmo deserto que a geração que havia sido libertada morreu sem chegar à Terra Prometida. O deserto, um lugar de amplidão e das possibilidades quase infinitas é um dos muitos lugares em que os opostos coexistem, as noites muito frias e os dias muito quentes, da calma absoluta a da tempestade insuportável, de perguntas sem fim que podem nos levar a um princípio de resposta… E foi nesse lugar de extremos e de contrastes que recebemos a Torá e que demos início à longa jornada chamada judaísmo.

A beleza da tradição judaica é que ela tem sido capaz de se transformar e continuar enchendo nossas vidas de significado no doce do mel e no amargor do ferrão, quando damos as boas vindas com esperança e quando nos despedimos com o coração pesado, em tempos de paz e durante as guerras. A grande maioria dos eventos do Ticún serão transmitidos ao vivo, mas alguns tiveram que ser pré-gravados por questões técnicas -- em um destes, a rabina Tati conversou com dois membros de kibutsim. Um deles era a rabina Lila Veissid que, comentando um verso da parashá da semana passada [4] que trata de comer os grãos armazenados para fazer espaço para a nova safra, estabeleceu uma analogia com o processo permanente de transformação dos kibutsim, no qual inovações convivem em harmonia com estruturas antigas. O mesmo, é óbvio, pode ser dito sobre o processo permanente de transformação do judaísmo como um todo, garantindo que nossa tradição continue relevante em todas as situações, não se mantendo congelada e presa a apenas um conjunto de circunstâncias. Como lembrou Iri Kassel, que também participou da conversa sobre kibutsim, em uma frase do Rav Kuk: “o velho deve se renovar e o novo deve se santificar”. Este é o processo que celebramos em Shavuot e ao qual a rabina Tati se soma.

Neste final de semana, nós comemoramos com alegria as transformações do judaísmo ao mesmo tempo em que buscamos na tradição judaica renovada ferramentas para lidar com as dores do momento. 

Shabat Shalom

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