sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Líderes ou semi-deuses

Como escolhemos nossos líderes e o que esperamos deles depois que eles chegam a posições de poder? Quando julgamos seu comportamento ético, será que devemos ser mais tolerantes (reconhecendo as múltiplas e opostas demandas que lhes são apresentadas) ou mais exigentes (levando em consideração a forma como líderes servem de exemplo)? E com relação ao seu comportamento pessoal, devemos esperar mais dos líderes do que esperamos das outras pessoas?

A questão da liderança é um dos tópicos centrais da parashá desta semana. Logo em seu início, Itró, o sacerdote midianita que era sogro de Moshé, dá dicas de liderança a Moshé, indicando como delegar parte das suas responsabilidades judiciais e mantendo-se apenas nos casos mais complexos. “Você deve procurar dentre todo o povo, pessoas capazes que temem a Deus, pessoas confiáveis que desprezam ganhos ilícitos.” [1]  Segundo Itró, a concentração de todas as demandas judiciais nas mãos de um único líder acarretaria, inexoravelmente, em seu desgaste e no desgaste da confiança que a população depositava nas instituições. Ao seguir as orientações de seu sogro, Moshé foi capaz de instituir um sistema de justiça em várias instâncias, ao mesmo tempo em que desenvolvia novas lideranças.

Moshé foi um líder exemplar. A seu respeito, diz a tradição “não houve mais entre o povo de Israel [outro] como Moshé, que conheceu Adonai face-a-face” [2]. Mesmo assim, Moshé não foi considerado um líder infalível: foi punido por Deus e impedido de entrar na Terra de Israel. Temos um episódio na parashá desta semana que nas últimas décadas tem atraído bastante atenção e polêmica. Em preparação ao momento da Revelação no Monte Sinai, Deus pede a Moshé que instrua o povo a se manter puro, de roupas lavadas e afastado do monte; Moshé transmite a mensagem, adicionando “não se aproxime de uma mulher” [3]. Esta adição de Moshé ao que Deus havia instruído tem rendido críticas que apontam que esse discurso só se aplicaria se fosse dirigido apenas aos homens. A exclusão das mulheres como público de sua fala tem justificado críticas pesadas a Moshé por parte de judeus e judias feministas contemporâneos. 

Até a respeito de Moshé, o profeta como nenhum outro, levantamos críticas, que não o desqualificam como líder, mas humanizam sua figura. Por que, então, parece tão difícil hoje em dia aceitar críticas direcionadas ao líder preferido de cada um? O primeiro dos Dez Mandamentos (também parte da parashá desta semana) termina afirmando: “não tenha outros deuses além de mim” [4]. Na lealdade a alguns líderes, no entanto, acabamos esquecendo desse preceito judaico, tratando aqueles que admiramos como semi-deuses e recusando qualquer crítica, por mais legítima que seja.

Que ao escutar essa parashá possamos encarar nossos líderes como humanos, com acertos e defeitos, com relação a quem críticas são possíveis e até bem vindas!


[1] Ex. 18:21
[2] Deut. 34:10
[3] Ex. 19:15
[4] Ex. 20:4

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