sexta-feira, 31 de maio de 2019

Nossas ações e a resposta da natureza

Em seus parágrafos iniciais, a parashá desta semana (BeChucotai) estabelece os parâmetros do pacto bíblico de Deus com o povo: se eles se comportarem e seguirem as regras estabelecidas na Torá, Deus os abençoará, proverá fartura na produção agrícola e vitórias militares contra seus inimigos. Se, por outro lado, o povo trair o pacto e deixar de seguir as regras da Torá, Deus os amaldiçoará, eles serão expulsos da Terra de Israel, sofrerão com doenças, a terra não produzirá e o clima lhes será hostil.
Esta abordagem, também conhecida como “Teologia Deuteronômica”, parece não refletir nossa experiências cotidianas: não é raro que pessoas de comportamento pouco ético tenham muito sucesso ao mesmo tempo em que pessoas muito honestas e generosas vivam com extrema dificuldade. O mesmo vale para sociedades e países: a riqueza e o estado material de um grupo não são, necessariamente, reflexo de seu comportamento moral.
O mestre chassídico Uziel Meizlish (1744-1785) oferece uma abordagem na qual podemos enxergar o impacto das nossas ações na forma descrita nesta parashá. Ao comentar o verso “Eu me lembrarei do meu pacto com Iaacov, também do meu pacto com Itzchac e até do meu pacto com Avraham, e Eu me lembrarei da terra” (Lev. 26:42), o rabino afirma:
“Nós sabemos que uma ofensa contra uma pessoa só é perdoada quando você apaziguar aquela pessoa. Uma transgressão contra uma pessoa envolve, na verdade, dois pecados: um contra Deus, que te instruiu a não oprimir outra pessoa, e o outro contra a pessoa que você prejudicou. (...) Este é o significado de ‘e Eu me lembrarei da terra.’ Sua transgressão contra Mim, por não terem observado o ano sabático, será perdoada quando seus corações estiverem arrependidos. Eu me lembrarei dos méritos dos seus antepassados. Mesmo assim ‘Eu me lembrarei da terra.’ Pelos seus pecados contra a terra por não terem observado o sabático, eles terão que pedir desculpas à terra.” [1]
Temos assistido nos últimos anos a uma radicalização dos fenômenos climáticos. Tivemos que mudar a denominação daquilo que antes chamávamos de “aquecimento global”, pois além do aumento da temperatura  e da seca em algumas partes do planeta, temos visto também o frio extremo, o aumento da frequência e intensidade ciclones, furacões, tornados, tempestades e incêndios florestais. O planeta Terra parece estar gritando que acredita, sim, na teologia Deuteronômica e, porque a humanidade se comportou sem atenção aos seus limites, seremos todos punidos com a potência indicada na Torá.
A leitura do rabino Meizlish nos permite identificar os passos necessários para mudar nossa relação com o meio ambiente e, quem sabe, reverter este curso das coisas: na relação com Deus, temos que nos arrepender das nossas ações, incluindo abandonar as práticas de consumo destrutivo e de descaso com a natureza. É no pedir desculpas à terra, no entanto, que temos o maior desafio: precisamos identificar quais ações de reparação são necessárias para que a terra pare de nos punir.
Que neste shabat, possamos apreciar maravilhados o mundo criado por Deus e nos esforçar para sermos parceiros em sua conservação.

[1] Arthur Green, Ebn Leader, Ariel Evan Mayse, Or N. Rose [2013]. Speaking Torah: Spiritual Teachings from around the Maggid’s Table. Volume 1: Genesis, Exodus, Leviticus. Jewish Light Publishing: Vermont. p. 314.

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