sexta-feira, 26 de abril de 2019

Saindo das áreas estreitas sem virar faraó


A partir deste shabat, as leituras tradicionais da Torá nas sinagogas em Israel e na Diáspora passam a ser distintas. O motivo para isso é a comemoração de um dia adicional de Pêssach na Diáspora quando comparado com Israel. 

Explico melhor: há dois shabatot, lemos parashat Metzorá e a parashá seguinte seria Acharei Mot. No entanto, o shabat seguinte foi o primeiro dia de Pêssach, que tem uma leitura de Torá especial, e, portanto, a leitura de Acharei Mot foi adiada. Estamos agora no shabat seguinte àquele: em Israel, Pêssach tem apenas sete dias e já terminou; na Diáspora, no entanto, estamos no oitavo dia da festa. Por aqui, teremos uma leitura especial do oitavo dia, adiando a leitura de Acharei Mot mais uma vez; em Israel, no entanto, Acharei Mot será lida já esta semana. Esta falta de sincronia entre os calendários de leitura da Torá em Israel e na Diáspora continuará por quase quatro meses, até que nos encontremos novamente para a leitura de parashat Devarim, no shabat do dia 10 de agosto.

Aqui, leremos uma seção de parashat Reê que trata da comemoração de Pêssach. Em um texto da hagadá que usamos na CIP, o sociólogo Bernardo Sorj nos alerta, justamente no feriado em que celebramos nossa libertação da opressão, para o risco de tomarmos o papel do opressor: “[c]elebramos Pessach para lembrar que a luta pela liberdade é o confronto constante entre o escravizador e o escravo que carregamos dentro de nós. O nosso faraó, que não aceita limites, a não ser os seus, quer ser reconhecido, mas não reconhece o direito à dignidade e à autonomia dos outros.” [1] 

A leitura da Torá deste shabat faz o mesmo alerta com instruções específicas para evitarmos este risco: se houver alguém nas tua terras passando necessidade, “não endureça seu coração” e ajude-o! A comparação com o coração endurecido do faraó é óbvia e o alerta bastante claro. Sempre temos conhecimento da nossa própria dor e das situações em que fomos oprimidos, discriminados, negligenciados. Algumas vezes, focamos tanto nas nossas situações de aflição que não percebemos como nosso comportamento pode, ainda que esta não seja a nossa intenção, oprimir, discriminar e negligenciar outras pessoas. Nossa obrigação é permitir que nossos corações sejam sensíveis às dores dos outros e nos esforçarmos para ajudá-los sempre que pudermos.

O exercício permanente da empatia é tanto uma necessidade quanto um desafio. O olhar crítico para nossas próprias ações às vezes nos leva a conclusões difíceis e desconfortáveis mas é o único caminho para que a busca pela saída de nosso Mitzraim pessoal, das nossas áreas estreitas, não nos leve a assumir o papel do faraó.

Shabat Shalom e Chag Sameach!



[1] Mishael Zion e Noam Zion, “Halaila Hazé: uma Hagadá de Pessach para o nosso tempo”, 2017, p. 23.

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