sexta-feira, 20 de maio de 2022
Dvar Torá: O Judaísmo Fora da Caverna (CIP)
quinta-feira, 19 de maio de 2022
Transformando valores em ações
É interessante ver como, às vezes, conseguimos todos concordar com relação a alguns grandes ideais (ou algumas palavras vagas) apesar de apresentarmos profundas discordâncias com relação aos detalhes destes conceitos (ou, por outro lado, nunca termos parado para pensar que detalhes seriam estes). Há um incentivo perverso nestas situações a nos mantermos nestes lugares comuns sobre os quais concordamos e não detalharmos o que eles significam, “para não criar discórdia”
Há alguns anos, por exemplo, fui convidado a participar de um evento inter-religioso que seria centrado ao redor de três palavras: “vida”, “família” e “paz”. À primeira vista parecia uma excelente ideia, quem poderia ser contra estes três conceitos?! Quando começamos a conversar mais sobre cada um deles, no entanto, percebi que meu entendimento era diametralmente oposto àquele das pessoas que estavam me convidando. Mesmo ideias aparentemente bem definidas como vida, família e paz podem esconder interpretações subjetivas e nada consensuais. Delicadamente, declinei o convite mas nunca esqueci daquela situação.
“Vida”, “família” e “paz” são valores fundamentais da tradição judaica, quando eles têm significados específicos, não em qualquer definição possível. Da forma análoga, a questão da “Justiça” é também valor central e que, por isso, não fica restrito a afirmações genéricas do tipo “você deve buscar a mais absoluta forma de justiça” [1], mas estabelecendo abordagens concretas com relação ao estabelecimento de um sistema judicial honesto, que não favoreça nem os poderosos nem os oprimidos [2].
A discussão da responsabilidade social judaica, seja com relação ao meio-ambiente ou com outras pessoas, também pode levar a falsos consensos a menos que esteja baseada em políticas concretas. Na parashá desta semana (beHar), encontramos mecanismos concretos de tornar estas responsabilidades efetivas. A Torá não se limita a compromissos genéricos com a justiça ambiental: estabelece que a terra deve descansar completamente a cada sete anos, permitindo que se regenere antes de voltar a produzir. Da mesma forma, nossa parashá vai além do desejo de que uma sociedade justa e igualitária se estabelecesse entre os israelitas: cria a regra de que o acúmulo de terras seria cancelado a cada cinquenta anos, retornando à distribuição original, como definida quando o povo entrou na terra de Israel pela primeira vez.
Quantos de nós podemos dizer que agimos de forma semelhante à prescrita pela Torá na passagem desta semana? Me parece que muitas vezes afirmamos nossa simpatia por conceitos abstratos exatamente porque sabemos que eles não terão qualquer impacto na vida que levamos, que não nos forçarão a mudar em nada o que já fazemos. Por exemplo, manifestamos nossa preocupação com o meio ambiente ao mesmo tempo em que não mudamos nossos hábitos de consumo; expressamos o sonho de uma sociedade menos injusta mas não nos mostramos dispostos a abrir mão dos privilégios de que desfrutamos. E, assim, em muitas outras situações nos manifestamos comprometidos com algumas causas sem fazermos qualquer esforço para avançá-las de fato.
Que a parashá desta semana nos ajude a alinhar nossas ações, nossos anseios e nossas palavras, dando concretude aos valores judaicos que dizemos defender.
Shabat Shalom,
[1] Deut. 16:20
[2[ Por ex.: Deut. 16:18-19; Ex. 23:1-3
sexta-feira, 29 de abril de 2022
Dvar Torá: Entre criatividade e arrogância (CIP)
Chora Menino, Freguesia do ÓCarandiru, Mandaqui, aquiVila Sônia, Vila Ema, Vila AlpinaVila Carrão, Morumbi, pareButantã, Utinga, Embu e ImirimBrás, Brás, BelémBom RetiroBarra FundaErmelino Matarazzo, Mooca, Penha, Lapa, SéJabaquaraPiritubaTucuruvi, Tatuapé. [1]
– Seu nome, por favor?– Inês– Inês, você conhece o grupo Língua de Trapo?– Não.– E o que você acha deles?– Uma porcaria.
sexta-feira, 15 de abril de 2022
Dvar Torá: A Tradição que ganha vida hoje (CIP)
Em algum lugar dentro de mim, mais profundo que meu cérebro ou respiração, meu sangue começou a cantar: "Este é o exército do faraó e estou voltando para casa para fazer o sêder” (…) Sim, nas ruas está o exército do faraó e estou voltando para casa para fazer o sêder. De novo, não! Nunca mais uma bolha no tempo. Nunca mais uma recitação ritual antes da vida real, da refeição real, da conversa real.Pois naquela noite, a própria Hagadá, a Contação da nossa escravidão e da nossa liberdade, tornou-se a verdadeira conversa sobre nossa vida real. Os alimentos rituais, a amargura da erva amarga, o pão pressionado pela opressão de todos, o vinho da alegria na luta, tornaram-se a verdadeira refeição.Pela primeira vez, paramos no meio do próprio Maguid, para conectar as ruas com o sêder. Todo ano, desde que aprendi a ler, recitava a passagem que diz: "Em toda geração, todo ser humano é obrigado a dizer: 'Nós mesmos, não apenas nossos antepassados, saímos da escravidão para a liberdade’".Incrível! - não "todo judeu", diz: "Todo ser humano!" [3]
sexta-feira, 1 de abril de 2022
Dvar Torá: Vendo as doenças como parte da vida (CIP)
Todos nós (…) somos sobreviventes. Vivemos juntos durante anos terríveis de peste. Muitos de nós perdemos pessoas que amávamos ou com quem nos preocupávamos. As pessoas mais velhas também tendem a se ver como sobreviventes de vários outros eventos ao longo de nossas vidas: câncer, acidentes de trânsito, vícios e muitos outros tipos de pragas. [1]
- Enxergue, além da doença, também a pessoa que está doente a sua dor emocional. Quão profunda é ela? Será que você pode ajudá-la a evitar que esta dor se espalhe e acabe tomando conta de tudo que esta pessoa é?
- Se permita ser surpreendido de forma positiva e, se este for o caso, ajuda o enfermo a recuperar parte da alegria e da esperança;
- A dor pela re-ocorrência pode ser ainda maior que a dor por contrair uma doença pela primeira vez. Leve a sério os pedidos de ajuda, sem tratar a questão com desdém;
- Há situações, em particular, aquelas referentes a traumas psicológicos, nos quais se sentir reconhecido, enxergado e escutado já é um imenso primeiro passo para a recuperação;
- Não despreze a importância de rituais (religiosos ou não) para marcar a recuperação do corpo, da alma e do espírito.
sexta-feira, 18 de março de 2022
Dvar Torá: Sacrifícios e sacerdotes continuam relevantes? (CIP)
Qualquer um que não fizesse parte do establishment do Templo em Jerusalém compreendia que os sacrifícios equivaliam a um imposto com comissões para os que faziam parte do esquema, os sacerdotes e os burocratas do santuário, que freqüentemente tinham muito pouco a ver com santidade. A crítica profética e a crítica posterior dos sábios, surgiram contra a tendência de fazer do sacrifício um fim em si mesmo, a uma tecnologia de fé que vem no lugar de um genuíno sentimento religioso de obrigação espiritual e ética. [1]
quinta-feira, 10 de março de 2022
O pequeno alef e os sacrifícios a que somos chamados
“Chamou a Moshé e Adonai lhe falou da Tenda do Encontro, dizendo…”. Com este verso começa a parashá desta semana e o livro de Vaicrá, Levítico, o terceiro dos cinco livros da Torá. Quem chamou a Moshé não fica claro e tem sido o objeto de grande debate e especulação entre os comentaristas ao longo dos séculos.
Como componente adicional do mistério, a última letra da primeira palavra deste verso é um alef, que neste caso é escrito em um tamanho menor que as demais letras da página. Quem poderia ter chamado a Moshé para que Deus o instruísse nas regras dos sacrifícios, tema de grande parte deste terceiro livro?
Há comentaristas para quem o alef em tamanho pequeno é sinal de que é o “eu” (“aní”, em hebraico) de Moshé quem o chama e interpretam que cada um deve escutar a sua voz mais profunda, a sua consciência mais verdadeira, para definir quais são nossos interesses que nos levariam a um envolvimento verdadeiro e que sacrifícios estamos dispostos a fazer, de que estamos dispostos a abrir mão.
Uma outra interpretação para o pequeno alef vai na direção contrária e o associa à Shechiná, ao aspecto do Divino que está mais próximo do mundo em que vivemos e presente em todas as coisas e em todas as pessoas. Nesta leitura, escutar o chamado do pequeno alef é prestar atenção ao mundo que nos rodeia para decidir os sacrifícios que precisamos fazer. Se na primeira interpretação, perguntávamos ao nosso eu mais profundo em que deveríamos nos envolver, desta vez, paramos para escutar o que o mundo grita que suas necessidades mais prementes são. Olhamos ao redor, enxergamos o Divino na face das pessoas que nos são próximas e também nas de quem nos é mais distante. Quais são as causas e projetos cuja urgência clama pelo nosso envolvimento, mesmo que não seja o assunto que mais nos interessa?
Em qualquer destas duas abordagens, a questão do sacrifício pessoal tem valor central. Vivemos em um tempo de fartura material como, provavelmente, a humanidade jamais tenha visto. Temos, em geral, muito mais “coisas” do que conseguiríamos aproveitar nas nossas vidas, geramos uma quantidade imensa de lixo a cada dia, e, mesmo assim, temos enorme dificuldade em desapegar, em abrir mão de coisas que nos são caras. Quando fazemos uma doação, é é dinheiro que não nos faltará ou um sapato que já não usamos mais; quando damos algo nosso de presente, é, via de regra, algo do qual enjoamos.
Várias situações anedóticas, no entanto, relatam que pessoas que têm muito menos apresentam maior propensão a dividir o pouco que têm, mesmo que depois lhes falte, mesmo que o feijão fique aguado como consequência do convidado adicional à mesa. O Livro de Vaicrá aponta para este comportamento como desejável: Deus nos instrui a abrir mão das melhores frutas, dos melhores animais, de doarmos aquilo do qual, na verdade, sentiremos falta. E, então, o pequeno alef ao final da primeira palavra do livro nos convida a perguntarmos de que nossa verdade mais íntima nos instrui a abrirmos mão? Em quais causas acreditamos mais profundamente e com a qual queremos contribuir, que realidades gostaríamos de transformar, em que projetos sentimos que precisamos estar envolvidos, mesmo que tenhamos que abrir mão de outros interesses?
Um midrash famoso fala que Avraham chegou à percepção da existência de um Deus único ao perceber que, assim como um farol não se consumia pelo fogo porque havia um faroleiro que cuidava dele, que se o mundo não era consumido pelo caos, o Divino precisava existir para garantir a continuidade do mundo. Vários teólogos dizem que vivemos em uma época de Hester Panim, na qual Deus esconde Sua face. É nossa vez de escutarmos nossa voz interna e de enxergarmos a realidade externa e de fazermos os sacrifícios que conseguirmos para garantir que o caos não engula completamente o nosso mundo.
Qual é a causa que verdadeiramente te interessa? Qual a necessidade sobre a qual você enxerga o mundo gritando e pedindo ajuda? O que você está disposto a sacrificar para garantir que vivamos todos em uma realidade mais justa, mais equilibrada, mais inclusiva e mais acolhedora?
Shabat Shalom!