sexta-feira, 17 de abril de 2020

Dois paradigmas para o exercício da liderança

Shmini, a parashá que lemos esta semana, contém uma das passagens mais enigmáticas da Torá: Nadav e Avihu, dois filhos de Aharón, resolvem fazer uma oferta a Deus para a qual não haviam recebido nenhuma instrução e são imediatamente consumidos pelo fogo. (Lev. 10:1-2)

Ao longo dos séculos, muitos comentaristas têm tentado explicar essa passagem, vários deles associando a punição às motivações de Nadav e Avihu. Apesar de estarem sendo preparados para serem líderes do povo de Israel, eles demonstraram que não eram as pessoas certas para posições de liderança, exibindo arrogância (rabi Levi) e presunção (rabi Tanchuma). Rashi também aponta para a arrogância de Nadav e Avihu, argumentando que eles foram punidos por terem feito uma oferta a Deus sem consultar Moshé e Aharon, os especialistas no assunto, que poderiam tê-los ajudado. O rabino Morris Adler acredita que o que os consumiu foi o fogo da ambição, do impulso e do desejo. Em suas diferentes abordagens, estes comentaristas concordam que Nadav e Avihu não tinham as características necessárias ao desempenho de liderança e que a perspectiva de terem poder lhes subiu à cabeça e os impediu de assumir o sacerdócio.

Em contraposição, logo no início da nossa parashá, alguns versos antes desse episódio, há um outro relato, cujos comentários apresentam um modelo radicalmente distinto de liderança. Moshé convoca Aharon e seus filhos para fazerem sacrifícios (entre eles, de um bezerro) como forma de serem desculpados por quaisquer infrações que eles e o povo possam ter cometido. De acordo com Rashi, esta oferta estava ligada diretamente ao episódio do bezerro de ouro.  Aharon vacilava, com dúvidas se era ela a pessoa certa para assumir o sumo-sacerdócio, tendo em vista que não tinha impedido o povo de praticar idolatria. “Por que você vacila? Para isso você foi escolhido”, teria sido a resposta de Moshé. 

O mestre chassídico Noam Elimelech nota, a respeito da relutância de Aharon, que a vergonha é parte essencial de uma pessoa e que uma pessoa que sente vergonha peca com menos facilidade. “Seja humilde e reconheça seus erros publicamente. Isso inspirará os outros ao teu redor a praticar tshuvá também.” A resposta de Moshé, nessa interpretação chassídica, indica que foi a capacidade de Aharon de questionar suas ações e reconhecer seus erros que justificaram sua escolha para ser o sumo-sacerdote. 

Vivemos em tempos conturbados e complexos, em que muitos líderes se veem e são vistos como semi-deuses, cujas ações se auto-justificam e não devem ser questionadas. Imbuídos de tanto poder, eles se aproximam do paradigma estabelecido por Nadav e Avihu, deslegitimando sua liderança pela prática da arrogância, da presunção, da ambição e do desejo. Na crise pela qual estamos passando, precisamos e merecemos que nossos líderes adotem outros paradigmas para o exercício do seu poder: como seres humanos, pessoas no exercício da autoridade não são perfeitas, mas esperamos que elas aprendam com o exemplo de Aharón, que soube reconhecer seus erros e agir para repará-los, sendo reconhecido pela nossa tradição como aquele que “amava a paz e a buscava”.

Shabat Shalom

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