sexta-feira, 27 de março de 2020

Perguntando "e seu estiver errado?"

Originalmente publicado no facebook

Hoje, preparando o café da manhã com meu filho, ele me perguntou se íamos precisar abrir outro pacote de leite. Eu disse pra ele que achava que sim, mas que queria ver se o que estava aberto daria — ele respondeu: “então, quer dizer que vc vai abrir outro pacote?”. Eu disse: “eu acho que sim, mas não sei.” E continuei: “você sabe a diferença entre achar e saber.” A resposta dele me surpreendeu: “claro que eu sei, pai! Meus primos *acham* que o Palmeiras é um time bom, mas eu *sei* que o Corinthians é muito melhor!”

As pesquisas afirmam que todos achamos que nossas opiniões são baseadas na análise racional dos fatos e no bom senso, enquanto as opiniões dos outros são baseadas nas suas crenças e preconceitos. Nesse sentido, quando as opiniões sobre como responder à crise de saúde pública pela qual estamos passando estão mais divididas do que nunca, com cada lado apresentando seus “fatos” contra as “opiniões” dos outros, me parece importante dar um passo para trás e se perguntar “e se eu estiver errado?”

E se a política de “confinamento vertical” estiver errada? Nosso sistema de saúde daria conta do aumento da demanda por leitos, vagas em UTI e respiradores? Ou veríamos, como a Itália viu, um aumento vertiginoso dos casos - tanto entre os mais idosos quanto entre os jovens - de tal forma que o sistema de saúde entraria em colapso e teria que decidir quem atender e quem não; quem iria para a UTI e quem morreria sem atendimento médico? Se este for o caso, não daria pra dizer “ups! estávamos errados, vamos recomeçar o jogo e decidir de forma diferente da próxima vez…”

Há políticas fiscais a serem adotadas para que a economia não entre em colapso com a quarentena. O editorial do New York Times de hoje (link no primeiro comentário) detalha as estratégias de países europeus para lidar com a crise: a Dinamarca reembolsa os empregadores por até 90% do salários de seus funcionários; na Holanda, a mesma regra se aplica para empresas que tiveram queda de, pelo menos, 20% na receita; o Reino Unido pagará até 80% dos salários das empresas que precisarem de ajuda. O FMI aprovou que gastos com o Corona Vírus não sejam incluídos nos cálculos de déficit primário. Há estratégias que amenizam o impacto econômico desta crise sem aumentar o número de pessoas infectadas com o coronavírus.

Precisamos entender a urgência do momento, deixar a politicagem de lado e agir como seriedade. É chato ficar em casa? É. É difícil lidar com os filhos cujas aulas presenciais foram suspensas? É. Vamos ter que gastar parte das nossas economias, tanto do ponto de vista pessoal quanto nacional? Com certeza. Mas é isso que o momento exige…

E seu EU estiver errado?? Eu também me preocupo com os efeitos econômicos desta quarentena forçada - o que acontecerá com a nossa economia ao final desta crise, em particular com as pessoas mais vulneráveis da nossa sociedade? Como eu disse acima, há políticas fiscais que precisam ser adotadas ao mesmo tempo em que praticamos a quarentena -- não dá pra acreditar que podemos deixar tudo para o livre mercado resolver... Se eu estiver errado e uma estratégia de quarentena menos rigorosa tivesse resolvido o problema, então teremos passado mais tempo do que o necessário confinados em casa e aumentado a dívida pública. Não são resultados bons, de forma nenhuma. O estado brasileiro já está quebrado e não precisa de mais dívidas -- mas dadas as opções, eu fico com ser mais precavido e garantir que salvarmos todas as vidas que pudermos.

O Judaísmo ensina que “uvacharta bachayim” — “vocês devem escolher pela vida” (Deut. 30:19). Nesse momento, mais do que permitir que cultos religiosos aconteçam, mais do que pensar em como radicalizar este ou aquele público, mais do que culpar a imprensa por divulgar a opinião dos maiores especialistas em saúde pública deste país, é fundamental pensar em como manter a vida — não só durante a crise mas também depois dela. E sempre pensar “e se eu estiver errado?”.

Shabat Shalom!

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