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domingo, 23 de abril de 2017

Entre o Pacto e a Tribo

(artigo originalmente publicado no blog Pinat Brasil)

Há alguns anos, o representante da diretoria voluntária de uma escola judaica mencionou, em seu discurso durante uma cerimônia de formatura, tudo o que ele tinha aprendido na aulas de Cultura e História Judaicas daquela mesma escola, onde ele também tinha estudado. “Está tudo resumido em uma velha piada”, ele disse. “Tentaram nos matar, não conseguiram, agora vamos festejar”. O discurso continuou, endereçando a necessidade de união da comunidade judaica frente às ameaças externas, o perigo do antissemitismo fora dos muros escolares e a necessidade de garantirmos que as próximas gerações fossem educadas dentro do judaísmo.

Para muita gente que escutava o discurso, sua mensagem era certeira: na sua visão, a principal função da educação judaica é garantir que reconheçamos as ameaças à nossa existência e que aprendamos a nos defender e garantir a perpetuação do povo judeu. Para outro segmento não menos representativo, no entanto, o incômodo era claro. Para eles, a educação judaica deve focar nos valores humanistas da nossa tradição, central entre eles a dignidade de todo e qualquer ser humano.

O rabino Sid Schwarz, escrevendo sobre dinâmicas muito semelhantes que acontecem na comunidade judaica norte-americana, chama o primeiro grupo de “judeus tribais” e o segundo grupo de “judeus do pacto”. “Judeus tribais”, escaldados pela seqüência de perseguições contra os judeus, valorizam a proteção física da comunidade judaica; estão preocupados com o “corpo” do judaísmo. “Judeus do pacto” se ocupam com o papel que valores judaicos terão na forma como a comunidade judaica se conduz e como ela trata a proteção aos oprimidos, sejam eles quem forem; eles se preocupam com a “alma” do judaísmo.

Às vésperas de Pessach, chegamos ao terceiro e último feriado da trilogia da piada mencionada: “tentaram nos matar, não conseguiram, vamos comer!” As histórias de Chanucá, Purim e Pessach, lidas sob esta perspectiva, reforçam dimensões de compreensão da experiência histórica judaica que sempre nos enxergam como vítima. Na capacidade de vítimas, nossa responsabilidade se limita à nossa própria (e legítima!) defesa.

É difícil negar que esta seja uma dimensão plausível para a compreensão das narrativas destas três festas judaicas – ela não é, no entanto, a única narrativa possível, nem mesmo a lente através da qual devamos estabelecer a compreensão fundacional da experiência histórica e do calendário judaicos.

Em cada uma destas três festas, valores centrais que se opõem à narrativa da vitimização perene são, frequente e propositalmente, ignorados. Entre outros assuntos possíveis, em Chanucá, deixam de discutir a relação entre o poder hegemônico e as minorias culturais; em Purim não falam dos riscos do abuso de autoridade; em Pessach, deixam de lado a conversa sobre a possibilidade de resistirmos aos faraós do nosso tempo – abordagens que falam da responsabilidade judaica para com o mundo ao mesmo tempo em que discutem as ocasiões em que fomos nós os oprimidos.

O que a visão que privilegia a auto-preservação judaica sobre qualquer outro valor omite é que o paradigma judaico fundamental para a compreensão da nossa própria opressão estabelece a empatia para com os oprimidos em toda parte como a principal lição a ser aprendida destes episódios. כִּי־גֵרִים הֱיִיתֶם בְּאֶרֶץ מִצְרָיִם (“por que vocês foram estrangeiros na terra do Egito”) é uma das poucas frases repetidas múltiplas vezes na Torá, sempre seguindo instruções para que protejamos os estrangeiros na nossa terra.  Na perspectiva da Torá, a experiência judaica como vítimas não nos dá o direito de nos preocuparmos apenas com a nossa própria segurança; ao contrário, ela determina que devemos proteger aqueles que hoje estejam em situação de vulnerabilidade.

A triste verdade, no entanto, é que a fala do diretor voluntário na formatura da escola reflete o pensamento de grande parte da liderança institucional judaica, que não apenas educa dentro de parâmetros unicamente etnocêntricos, mas também deslegitima qualquer visão de mundo alternativa. A falha em reconhecer estas múltiplas perspectivas possíveis de engajamento com a nossa tradição tem feito com que um segmento expressivo da comunidade judaica (especialmente, mas não apenas, a sua juventude) não se sinta representado pelas instituições comunitárias que, por sua vez, não se sentem comprometidas a considerar sua opinião na formulação de políticas e programas. Um ciclo vicioso que vem se desenrolando há muito tempo e que  agora, ao que parece, chega ao seu ápice sem que as questões de fundo sejam, efetivamente, discutidas. “Judeus do pacto” e “judeus da tribo” não se reconhecem mais como pertencendo a uma comunidade na qual compartilhem valores ou uma visão de futuro que tenha espaço para ambos.

Passados os dois sedarim, entraremos no Omer, período de 49 dias que serve de ponte entre Pessach (quando nossos corpos deixaram de estar sob permanente ameaça) e Shavuot (quando recebemos a Torá e, com elas, os valores que devem guiar nossas ações). Tradicionalmente, estes 49 dias são de introspecção, apresentando até mesmo sinais de luto. Podem ser uma ótima oportunidade para esfriar os ânimos e se perguntar como fazer para que a defesa dos corpos dos judeus e a proteção da alma judaica não sejam projetos mutuamente exclusivos!

domingo, 10 de abril de 2016

Pluralismo judaico na teoria e na prática

Venho participando recentemente de alguns debates sobre pluralismo judaico nos quais sinto falta de um vocabulário comum para tratarmos dos conceitos discutidos. Em 2005, o blogger americano Mah Rabu publicou uma taxonomia de pluralismo judaico que tenho usado como base para uma tipificação minha (há também uma revisão publicada dez anos depois da primeira análise). Quando era diretor de Hillel nos EUA, eu usava bastante estas categorias para discutir as formas como aplicávamos um conceito abstrato a situações concretas:

  • 1      Frummest Common Denominator (ou “denominador comum da máxima ortodoxia”): adota-se a saída mais radicalmente ortodoxa que se possa imaginar. Claro que não há prática realmente pluralista aqui mas, pelo menos em tese, todos podem participar de uma atividade construída de acordo com esta lógica. Se a cozinha for “kasher la-mehadrin”, por exemplo, ninguém pode usar o status da comida como argumento para não participar. O problema é que quando esta abordagem é utilizada de forma recorrente, deslegitima as opções judaicas fora da máxima ortodoxia e tende a criar insatisfação por parte daqueles que se sentem desprestigiados. Na prática, esta dinâmica estabelece uma hierarquia entre as restrições percebidas como "verdadeiras" da ortodoxia e as restrições percebidas como "brandas" dos grupos liberais. 
  • 2     Pluralismo da Separação (não analisado pelo Mah Rabu): acontece quando, para garantir que não haja conflito entre diferentes abordagens, separa-se diversos sub-grupos, que desenvolvem atividades em paralelo. Se uma parte do grupo acha que o Hatikva (hino de Israel) deva ser tocado todo dia ao amanhecer e outra parte acha que não, separe os dois subgrupos e adote práticas diferentes para cada um deles. Na minha visão, os dois grandes problemas deste modelo são que ele não cria uma comunidade comum e não permite o crescimento a partir do contraste de opiniões diferentes. Apenas concorda-se em discordar. Por outro lado, não há - em princípio - deslegitimação de qualquer postura.  
  • 3     Negociações de Pluralismo baseadas em “conforto” e em “identidade” (que o Mah Rabu classifica como dois modelos separados e ele provavelmente tem razão ao fazê-lo). Nestes casos, há uma negociação dentro da comunidade, com debates sobre as posições iniciais, múltiplas soluções consideradas e concessões de lado a lado. Elas variam nos termos sobre os quais os debates acontecem. A Diretora do meu Seminário Rabínico dizia que as pessoas acham que pluralismo é a solução em que todos se sentem confortáveis, mas este cenário só é possível se todo conteúdo relevante e potencialmente polêmico for removido da mesa. Ficamos então com uma solução totalmente parve, no pior sentido da palavra…. A alternativa é buscar uma solução na qual o desconforto seja compartilhado igualmente entre as partes. Este é o tipo de pluralismo que encoraja o crescimento pessoal e coletivo, mas também o mais difícil de ser praticado por que não apresenta uma solução pronta e exige que cada um realmente considere o que é central para si e do que está disposto a abrir mão.

Um estudo de caso que tive que pessoalmente mediar no Hillel foi uma cerimônia de Yom haZikaron (dia em homenagem aos soldados israelenses mortos em serviço e vítimas de ataques terroristas). Os alunos ortodoxos se opunham a que mulheres cantassem devido ao problema de Kol Ishá (um conceito seguido por alguns segmentos da ortodoxia, que proíbe homens de escutarem mulheres cantando) e pediam que eu garantisse que apenas homens cantariam. Alguns dos alunos mais envolvidos na organização da cerimônia eram mulheres, em certos casos líderes de grupos feministas no câmpus e se opunham a qualquer discriminação de gênero na distribuição de quem cantaria o que. A comunidade israelense, que passava Yom haZikaron junto com o Hillel também se negava a fazer concessões aos ortodoxos, em virtude das dinâmicas entre religião e política em Israel. E agora? Como desenvolver uma solução pluralista para este problema? Uma solução que não exigisse concessões de todos os participantes certamente não funcionaria. Como você endereçaria este problema? (use os comentários do blog para responder.)

O que é fundamental é termos consciência que pluralismo não é uma palavra mágica, que resolve todos os problemas apenas pela sua menção. Em várias situações, sua menção acaba trazendo mais problemas... No entanto, se partirmos dos pressupostos de que a opinião de todas as partes deve ser considerada na busca por uma solução, que não existem "a-priori" posições inerentemente superiores a outras, e que o custo de manutenção da comunidade (em todos os seus aspectos) deve ser repartido entre todos os participantes, temos boas chances de encontrar uma solução pluralista para a vivência comunitária em um ambiente com diversidade de opiniões.

segunda-feira, 21 de março de 2016

Um novo olhar para Purim – Parte 1: Purim para crianças

(artigo originalmente publicado no blog Pinat Brasil)

Purim está chegando e, com a festa, um monte de atividades fofinhas para levar as crianças. Sem olhar a agenda de eventos, posso chutar que vai ter pecinha sobre a história de Ester na sinagoga, festival de fantasias no clube e oficina de máscaras na escola. A novidade deste ano, como não podia deixar de ser, é virtual. Tem um vídeo muito fofinho e bem produzido (em português!) em que duas crianças explicam o básico de Purim para outras crianças.

O problema, como gosta de dizer meu colega colunista de Pinat Brasil, Michel Gherman, é que “à educação judaica não basta ser fofinha”, ao que eu acrescento: “ela precisa ser transformadora.” Aqui eu faço um desafio: participe das atividades de Purim dos seus filhos e se pergunte em que medida as crianças estão sendo transformadas. Não me entenda mal: quando bem feitas, todas as atividades que eu descrevi acima têm potencial para serem transformadoras. Oficinas de máscaras que incentivem as crianças a pensar em quais são as situações em que elas se apresentam com “máscaras”, sem ser quem elas realmente são; desfiles de fantasias que ajudem os alunos a desenvolverem a empatia e a se colocarem no lugar do outro; pecinhas sobre a história de Ester que não ignorem os diversos aspectos complexos desta história. Vamos falar um pouco mais sobre isso….
Pra começar, se você vai encenar a meguilá, não deixe de lado os últimos capítulos. São neles que ficam os aspectos normalmente considerados os mais problemáticos desta história e que, por isso mesmo, são escondidos debaixo do tapete na maioria das vezes.
Depois que a intervenção de Ester junto ao rei Achashverosh para cancelar o decreto de Haman não tem sucesso (o rei argumenta que nem ele pode cancelar uma ordem real), “o rei permitiu aos judeus de todas as cidades que se organizassem e lutassem por suas vidas; e para destruir, massacrar e exterminar as forças do povo ou da província que lhes atacassem, incluindo mulheres e crianças, e saquear suas posses. (…) E em cada cidade que o decreto real chegou, houve luz e alegria, júbilo e honra entre os judeus”.[1]
É mais ou menos aí que a história que nós contamos a nossas crianças termina e que o problema começa…. Nos dois capítulos seguintes, é detalhado como, em resposta ao ataque planejado por Haman e, com a autorização do rei, os judeus mataram mais de 75.000 pessoas, incluindo os descendentes de Haman. Há duas linhas clássicas de argumentação em defesa desta atitude da comunidade judaica da Persia: (1) tendo em vista que Haman tinha planejado exterminar todos os judeus do reino, a postura judaica foi apenas de “legítima defesa” e a responsabilidade sobre as vítimas deve recair sobre aqueles que planejaram ou tomaram parte na tentativa de exterminar os judeus; e (2) dado o mandamento bíblico de exterminar Amalek[2] e a associação clássica de Haman com aquele povo[3], o assassinato de seus descendentes se enquadra na observância de um mandamento bíblico.
Contra o primeiro argumento, salta aos olhos a evidência de que a infra-estrutura do estado persa estava, agora que Mordechai tinha se tornado braço-direito do rei, ao lado dos judeus e que, desta forma, é difícil creditar a morte de 75.000 pessoas à tese da legítima defesa. Parece haver, ao contrário, uma inversão poética na qual os papéis de perseguidos e perseguidores são invertidos, sem que o ódio ao outro seja removido. De qualquer forma, excelente oportunidade de lidar, de forma pedagógica, com estes temas ao invés de ignorá-los totalmente.
A segunda justificativa, a comparação com Amalek, é ainda mais problemática e justifica ainda mais atenção ao tema na sala de aula. Ao longo dos séculos, a denominação “Amalek” foi aplicada a grupos com os quais os judeus tinham desavenças, incluindo armênios e cristãos.[4] Mais recentemente, há aqueles que associem o povo palestino (ou os árabes em geral ) a Amalek, justificando atos como o massacre cometido por Baruch Goldstein que, em Purim de 1994, matou 29 muçulmanos rezando na Tumba dos Patriarcas em Hebron. Considero difícil aceitar a argumentação de que estes temas não devam ser discutidos criticamente.
Eu pergunto freqüentemente a pessoas que trabalham em educação judaica por que os dois capítulos finais da meguilá não são, na maioria dos casos, ensinados a nossas crianças quando elas aprendem sobre Purim. A resposta que eu escuto normalmente é sobre adequação pedagógica do conteúdo à maturidade da criança. Veja bem: meu filho não tinha ainda quatro anos e mal tinha começado a entender que era judeu quando alguém achou que era adequado ensiná-lo sobre o plano mirabolante de um ministro estrangeiro para matar todos os judeus. Isto pode….. Mas ensinar que os judeus, uma vez que tinham alcançado o poder, se lançaram em uma campanha de vingança que deixou um rastro de dezenas de milhares de mortes, aí não pode!
A verdade é que há muito pouco de preocupação pedagógica autêntica na omissão deste massacre. O que há, na verdade, é uma postura ideológica que alimenta o senso judaico de vitimização através das narrativas dos nossos feriados. Quando nós somos os perseguidos ou as vítimas, pode contar, não importando a idade do aluno; quando somos nós que agimos mal, perseguindo ou matando outros, é melhor ter cuidado para não traumatizar ninguém…
Não há quase nada que seja adequado ensinar a crianças pequenas sobre a história da meguilá. Para elas, deveríamos focar nas mensagens lúdicas e positivas que podemos atingir através das máscaras e fantasias (veja as sugestões no começo do artigo), do mishloach manot (envio de comida a amigos, que fenomenal se forem amigos que vivem na rua!) e dos matanot la’evionim (doações aos necessitados).
Conforme elas forem crescendo e conseguirem entender todos os elementos da meguilá, podemos ir contando a história de Purim, incluindo o antisemitismo de Haman e o massacre cometido por vingança pelos judeus. Outros temas que podemos incluir, conforme a maturidade dos alunos permitir, são: discriminação sexual, violência doméstica, tráfico sexual, identidade judaica na diáspora, consumo excessivo de álcool, relação com as instâncias de poder, sedução, genocídio, pena de morte, punição coletiva, e outros.

Na segunda parte deste artigo, tratarei do que a história de Purim tem a ensinar para adultos sobre o momento político que o país vive.



[1] Ester 8:11,16
[2] Veja, por exemplo, Deuteronômio 25:19.
[3] A relação entre Haman e Amalek é estabelecida pelo fato de que o pai de Haman é chamado de Agaguita (Ester 3:1) e  Agag era um rei de Amalek que o rei Saul deixou vivo (Samuel I 15:8). De forma indireta, a relação é insinuada pelas leituras da Torá e da Haftará do Shabat anterior a Purim (chamado Shabat Zachor), que fazem referência a Amalek.
[4] Uma excelente análise deste tópico, bem como da violência judaica relacionada à celebração de Purim, pode ser encontrada em Horowitz, Elliott (2006). Reckless Rites: Purim and the Legacy of Jewish Violence. Princeton University Press.

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Tu biShvat: Encontrando o futuro do planeta e do Judaísmo

Originalmente publicado na Revista da CIP, jan/2014 
Um midrash talmúdico[1] nos conta um caso que aconteceu a Honi, o fazedor de círculos, um agenciador de milagres judeu que viveu no primeiro século antes da Era Comum. Honi estava andando pela estrada quando viu uma pessoa plantando uma árvore de alfarroba. “Quanto tempo leva para esta árvore dar frutos?” ele perguntou. “Setenta anos” foi a resposta. Honi retrucou, “você tem certeza de que estará vivo daqui a setenta anos?”  A pessoa lhe disse: “quando eu cheguei ao mundo, encontrei árvores de alfarroba que meus antepassados tinham plantado para mim, agora sou eu quem planto estas árvores para os meus filhos.”
Eu gosto especialmente desta história e sua relação com Tu biShvat em dois níveis.  Em sua leitura literal, a história aponta para uma preocupação com o meio-ambiente e com o mundo que vamos deixar para as próximas gerações. Por muitos anos, a humanidade (ou pelo menos a chamada civilização ocidental da qual fazemos parte) se comportou como se efetivamente fôssemos senhores da natureza, como se o mundo existisse única e exclusivamente para nos servir.   Da mesma forma que os engenheiros da Torre de Babel, acreditávamos que nossas tecnologias podiam nos transformar em deuses com pleno domínio sobre o ambiente que nos cerca. Quando nossas ações produziam resultados indesejados, achávamos que mais tecnologia nos salvaria das conseqüências. Nas últimas décadas, no entanto, temos reconsiderado este excessivo otimismo com a tecnologia e temos nos dado conta de que, assim como aconteceu com a geração de Noé, nossa violência e falta de responsabilidade têm trazido resultados desastrosos para a vida neste planeta.
Se em Pessach, Shavuot e Sukot usamos o passado como marco de referência para entendermos nossa realidade e dedicamos Rosh haShaná e Yom Kipur para refletirmos sobre nossas ações no presente, Tu biShvat, o Ano Novo das Árvores, é um convite para nos encontrarmos com o futuro e para considerarmos o resultado, algumas vezes distante, das decisões que tomamos hoje. A história de Honi nos desafia a considerar que ações concretas estamos tomando, não apenas para minimizar nosso impacto negativo, mas também para criar condições concretas que permitam que as próximas gerações vivam em condições melhores que as nossas.
O segundo nível da história de Honi e sua conexão com Tu biShvat é relacionado, através da história deste feriado judaico, com o legado judaico que deixamos para as futuras gerações, a forma como a tradição judaica tem se adaptado aos tempos, garantindo sua relevância contínua, mesmo sob distintas condições históricas. A história desta data judaica mostra como algumas poucas linhas deram origem a ricos rituais, que ajudaram judeus de diferentes épocas a expressar seus valores, angústias e aspirações.
A primeira referência que temos para Tu biShvat está na Mishná, a primeira compilação escrita da tradição oral judaica, finalizada ao redor do ano 200 EC:
Há quatro [datas em que se comemora] anos novos: primeiro de Nissan é o ano novo dos reis e dos festivais; primeiro de Elul é o ano novo para o maasar[2] dos animais ­– [mas] de acordo com Rabi Elezar e Rabi Shim’on, [este ano novo] é em primeiro de Tishrei; primeiro de Tishrei é o ano novo dos anos e dos anos sabáticos e do jubileu, para plantar e para verduras; primeiro de Shvat é o ano novo das árvores de acordo com Beit Shamai, [mas] de acordo com Beit Hillel[3] é no dia quinze deste mês.[4]
Estes quatro “anos novos” refletem distintos ciclos religiosos e fiscais. Algumas destas datas eram usadas para a contagem dos anos dos reinados (primeiro de Nissan) ou dos anos especiais, como o ano sabático e do jubileu.[5]  No caso das árvores, seu ano novo definia a data de corte para o pagamento do maasar sobre as frutas, pago como imposto aos Levitas e doado aos necessitados. A opinião de Beit Hillel para a data do ano novo das árvores saiu vitoriosa e definiu até mesmo o nome como ela é conhecida hoje: Tu biShvat.[6] Com a destruição do Templo de Jerusalém no ano 70 EC, esta definição fiscal para Tu biShvat perdeu relevância e esta data entrou em um período de dormência de 15 séculos.
A expulsão dos Judeus da Península Ibérica no final do século XV pôs fim a um dos grandes ciclos de desenvolvimento cultural e material para o mundo judaico. Parte dos exilados se reassentou na Terra de Israel e, na cidade de Tzfat, o trauma da expulsão levou a um novo ciclo de desenvolvimento intelectual, desta vez ligado ao misticismo judaico. Estes estudiosos e praticantes da Kabalá se preocupavam especialmente com as interações dinâmicas da realidade Divina, expressa em dez emanações chamadas sefirot. O complexo relacionamento entre as sefirot podiam, de acordo com a Kabalá, ser inferido tanto através do estudo da Torá e suas referências metafóricas e alegóricas, quanto através da contemplação da natureza, que incluiria os mesmo símbolos alegóricos. Para estes místicos, o “ano novo das árvores” ao qual a Mishná fazia referência era também uma alegoria a duas árvores místicas presentes no começo da Torá: a Árvore da Vida e a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal[7].
Da mesma forma que criaram a cerimônia de Kabalat Shabat repleta de referências kabalistas, os místicos de Tzfat desenvolveram um ritual para comemorar Tu biShvat e, através de diferentes frutas, impactar positivamente a realidade Divina. Assim surgiu o seder Tu biShvat, que rapidamente se espalhou, mas ficou praticamente limitado ao mundo sefaradita.
No final do século XIX, quando o Movimento Sionista começava a se estabelecer, seu foco era o fortalecimento da relação física e espiritual entre o povo judeu e a Terra de Israel. Tu biShvat ganhou, assim, uma nova dimensão, celebrando a vegetação de Israel e sua conexão com cada judeu, onde quer que ele estivesse. Adotada pelo Keren Kayemet leIsrael (KKL), a idéia levou judeus de todo o mundo a contribuírem para  a plantação de árvores em Israel, especialmente durante o período de Tu biShvat.
Nas última décadas, uma nova transformação ocorreu na celebração de Tu biShvat, incorporando elementos das iterações anteriores. De um lado, a preocupação com justiça social enfatiza elementos que remontam à prática do maasar da época do Templo e sua preocupação com o bem estar das camadas mais vulneráveis da  sociedade. Além disso, uma nova consciência sobre os valores expressos de forma implícita e explícita através das nossas escolhas alimentares, empresta a linguagem mística, ainda que modifique seu tom e conteúdo. Esta mesma preocupação com o que ingerimos resgata parte das campanhas do KKL  e sua mensagem ambientalista. Desta forma, o “ano novo das árvores”, é mais uma vez transformado, permitindo que uma nova geração esteja engajada com os rituais judaicos e que encontre sua voz em uma tradição que é sua.
O encontro de Honi com a pessoa plantando o pé de alfarroba lhe ensinou que, para garantirmos que as futuras gerações encontrem a mesma riqueza que nós recebemos, é necessária nossa participação ativa na criação e preservação de recursos. Tu biShvat é uma ótima oportunidade para refletirmos sobre qual riqueza estamos deixando para nossos filhos, tanto com relação ao meio ambiente quanto na vida judaica, e para definirmos que ações concretas precisamos tomar para definir nosso legado.





[1] . Talmud da Babilônia, Ta’anit 23a.
[2] . Pagamento de 10% sobre a produção, praticado antes da destruição do Templo de Jerusalém.
[3] . Beit Shamai e Beit Hillel eram duas escolas de pensamento rabínico nos primeiros séculos da Era Comum, que constantemente apresentavam pontos de vista opostos.
[4] . Mishná Rosh Hashaná 1:1.
[5] . No ano sabático, observado a cada sete anos, a terra não era cultivada e permanecia repousando. No ano do jubileu, celebrado a cada sete ciclos de sete anos, as dívidas eram perdoadas e a terra voltava aos proprietários originais.
[6] . Os números em hebraico são comumente escritos em hebraico usando-se o valor númerico das letras. A palavra “tu” (טו) tem o valor númerico de 15; Tu biShvat, portanto, significa “15 de Shvat”.
[7] . Gen. 2:9. Na visão da Kabalá, estas duas árvores são, na verdade, derivadas de um único tronco. Por isto, na Mishná, a data é referida simplesmente como “ano novo da árvore”, no singular.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Dvar Torah on Parashat Boh -- A final assignment for a Midrash Halakhah class

 Mah ha-avodah ha-zoht LACHEM”, “what is the meaning of this ritual TO YOU?” – to “you” and not to “us”, this child asks. And you know what kind of answer the “evil” child that would ask such a question deserves. Or, at least, you think you know.

 This is how Torah instructs to answer this question: “It is the Passover sacrifice to Adonai, because God passed over the houses of Israel in Mitzrayim when God struck Mitzrayim, but saved our houses.” (Ex. 12:26)


When commenting these verses, it is not clear to the Mekhilta whether it is a good sign or a bad one. To the rabbinic mind, on the one hand, it is problematic that your children won’t know the meaning of this ritual anymore, but on the other hand, it should be celebrated sign that many generations in the future, you will have children who will be in contact with your rituals. In any case, there is no sign of the contempt that characterizes the answer to the ‘so-called” rashah. 

 

That harsher approach is developed by Mekhilta when commenting a second occurrence of a child asking about the meaning of the rituals (Ex. 13:14). In that midrash, we get the story of the four children that we know from the haggadah: chacham, rashah, tam, and she-einoh yodeah lish’ol. Three of the children receive answers that seem appropriate to their interests, but the “rashah” is all but excluded from the community: “if you had been in MItzrayim, you would not have been redeemed.”

 

The difference between what the Biblical text says and the way the Rabbis interpret it is astonishing! As we saw, the question that the Rabbis considered “evil” received a fairly innocent answer in the Torah.  There, it was the child that doesn’t ask a question that received the tougher answer (Ex. 13:8.) And nowhere we are instructed to teach the detailed norms of kashrut le-Pesach, the answer that the midrash assigns to the “good” kid.

 

A professor of mine, Rabbi Stephen Pasamaneck, used to say that “the Torah means whatever the Rabbis say the Torah means”, but it is easier for me to accept when they transform “an eye for an eye” into financial compensation than when they transform texts that instruct us to transmit the story of the formative event of our communal history into an attack on the challenging members of our own community. 

 

I don’t know why the Rabbis were so angry at their challenging children and their constant pursuance of meaning, but I find the message carried by this midrash dangerous. If I have learned anything from being a parent is how inappropriate and counter-productive this kind of chastisement is and I want to publicly reject it. I keep it at my Passover seder, as the starting point of a conversation about othering and inclusion, and how to embrace those in our communities who don’t feel totally comfortable with part of our tradition and how to create the safe space for them to explore their questions. 

 

An environment not so different from the one we live in right now in the Jewish community. Last year, Abby Backer, an undergraduate student at Columbia University, visited a synagogue in Stamford, Connecticut, together with JStreet’s president, Jeremy Ben-Ami. Abby tells that, as she was leaving the place,  

 

An elderly woman confronted [her] in the synagogue lobby. “I should spit on you!” she yelled at [her] in front of a group of shocked onlookers. “Excuse me?” [Abby] replied. Glaring, she taunted: “Are you a Palestinian? You must be a Palestinian!”[1]

 

Another professor of mine, Rabbi Reuven Firestone, who is a scholar of Islam, told us that we would be shocked if we searched our holy literature for expressions of lack of tolerance for diversity. The midrash of the four children is certainly one of these expressions, and the reaction Abby experienced in Stamford is a result of the mentality it might engender. 

 

“You are either with me, or against me.” Having grown up in a country that was ruled by a dictatorship, this kind of position is neither unknown nor tolerable to me. Denying the right of members of our community to wrestle with our tradition, with our communal policies, and with Israel, will only result in their alienation and total disengagement from the Jewish community. As a self-fulfilling prophecy, by threatening the “rashah” with exclusion from the community, we are actually sending them away.

 

As we count the days for matan Torah and, as do many of us here, for matan semichah, may we be blessed with the wisdom and the ability to foster communities that open their doors wide and welcome everyone who wants to engage.



[1] . http://www.jstreetu.org/latest/exclude-me-at-your-own-peril